O BURNOUT E SUA SUPERAÇÃO
O termo burnout foi cunhado na década de 60 pelo psicólogo Herbert Freudenberg. O filme "A burn out case" serviu de inspiração para o autor se referir ao estado de esgotamento e fadiga causado pelo excesso de trabalho, privação de sono e a própria ausência de um sentido realizador na sua vida laboral. Com o tempo, ficou cada vez mais evidente essa realidade que muitos enfrentam em sua vida profissional estressante e desmotivadora.
O próprio nome Burnout parece evidenciar muito bem quem vive sob essa condição-limite. O seu sentido etmologico dá a ideia apropriada de queimar de fora para dentro, uma espécie curto-circuito que leva a total exaustão e debilitação das forças do indivíduo. O próprio autor numa revista de renome define esse transtorno de caráter depressivo da seguinte forma: "um estado de esgotamento físico e mental cuja causa está intimamente ligada à vida profissional".
Então, para fazermos uma reflexão sobre as condições de quem vive sob a influência do burnout, ou melhor, sob os efeitos dessa síndrome que pode ser fatal e irreversível se não houver uma certa remissão de sua intensificação, precisamos pensar, antes de mais nada, na cultura em que estamos inseridos, cultura essa que incute a competição predatória, bem como o desejo de ter sempre mais e mais, ao lado necessidade de nos sacrificamos por algo que não nos traz nenhum retorno em termos éticos, psicológicos e espirituais.
Além disso, precisamos levar em consideração o abismo que separa os ideias de trabalho de tal pessoa e a realidade vivenciada em meio as suas jornadas de trabalho. Jonathan Malesic, no seu livro autobriográfico ''O fim do burnout'', no qual estuda com profundidade esse assunto de grande importância, vai dizer exatamente isso: ''Essa lacuna entre os nossos ideais de trabalho e a realidade do nosso expediente é o ponto de origem do burnout. Nós nos esgotamos quando o que realmente fazemos no trabalho fica aquém do que realmente esperávamos fazer. Esses ideais e expectativas não são apenas pessoais mas também culturais (...) A ideia de que o burnout resulta de uma lacuna entre os ideais e a realidade é comum na literatura de pesquisa (Farber & Wescler, 1991, p. 24; Shaufeli & Enzmann, 1998, p.140)''.
E de acordo com o artigo Síndrome de burnout extraído da enciclopédia ''El libro de la psicología'', com base nas descobertas da psicóloga Cristina Malach, ele (o burnout) se caracteriza como uma sensação de haver esgotado todos os recursos emocionais; como um cinismo crescente e uma insensibilidade em relação aos companheiros de trabalho; e, por fim, como uma sensação de não ser capaz de atuar de forma adequeda no plano pessoal e profissional (2015, p. 376, ed.española).
O filósofo contemporâneo Byung-Chul Han se refere a nossa sociedade como uma sociedade do cansaço (ver o livro que leva esse mesmo título), na qual mudou o seu paradigma, ou seja, de sociedade disciplinar para uma sociedade do desempenho. O mesmo autor vai dizer na sua obra Sociedade do cansaço: "O sujeito do desempenho é mais rápido e mais produtivo que o sujeito da obediência. O poder não cancela o dever. O sujeito do desempenho continua disciplinado. Ele tem atrás de si o estágio disciplinar. O poder eleva o nível de produtividade que é intencionado através da técnica disciplinar, o imperativo do dever. Mas em relação à elevação da produtividade não há qualquer ruptura; há apenas continuidade".
É claro que o esgotamento, despersonalização e o sentimento de irrealização (que hoje são tão preponderantes em nosso tempo!) não são só um fator individual, ou seja, não só têm haver com uma autocobrança exagerada e uma busca por um ideal inalcançável; mas também se desenvolvem de acordo com o meio em que o indivíduo adoecido está inserido, principalmente no que se refere a um ambiente extremamente degradante, absurdo e que não valoriza o potencial do ser humano para fazer a diferença no seu meio.
Aliás, é da junção desses fatores, bem como a ausência de sentido no que faz, que uma pessoa pode com o tempo vir a sofrer de uma espécie de depressão por esgotamento, minando a sua capacidade criativa, e impedindo que a vida flua no sentido de se sentir realizada e inspirada.
Por conta disso, é mister que quem um dia sofreu desse martírio silencioso, sofrendo de opressões impostas pelo meio e também de cobranças que são autoimpostas, perceba a prisão invisível que cercou a sua existência e, aos poucos, busque um tempo para se autoconhecer, a fim de trabalhar produtivamente os seus traumas e feridas. A partir daí, reacenderá a urgência de buscar algo que traga significado na sua existência através de novas maneiras de utilizar o seu potencial e criatividade, sempre respeitando os seus limites e priorizando a liberdade de um labor criativo e realizador.
Jonathan Malesic, no seu livro O fim do burnout, nos dá uma luz para a superação desse mal que acomete muitos indivíduos em nossa sociedade. Num capítulo dedicado a ressaltar as experiências que vão na contramão do burnout, o mesmo, brilhantemente, vai dizer o seguinte: "Precisamos de uma ruptura radical com a cultura do burnout. Em meu esforço para compreender como seria essa ruptura, sinto-me atraído pelas margens culturais, por pessoas cujas vidas parecem incomuns ou "malsucedidas" de acordo com os nossos padrões atuais. Esses padrões fazem parte de uma cultura que precisa mudar. Não podemos erradicar o burnout sem também acabar com a cultura do trabalho total".Estar fora de certos padrões e viver uma vida singela e sem muitas ambições já é bom começo para a superação dessa condição tão devastadora e limitante.
Um ser humano em processo de esgotamento, produzindo inúmeros sintomas decorrentes de tamanha fadiga e cansaço, é aquele que buscou viver conforme a cultura insana de seu ambiente social e laboral, incorporando aos poucos inúmeras responsabilidades e obrigações sem avaliar os riscos de extrapolar os limites de que sua capacidade pode suportar.
Talvez a saída para esse grande problema intrapessoal é ouvir mais os sinais que o seu corpo dá de tempos em tempos e os sintomas manifestos que denunciam os perigos de uma rotina num trabalho desgastante e nonsense. E, sobretudo, ser responsável pela sua própria existência, ao despertar para a urgência de um autocuidado permanente que favoreça o desabrochar de sua saúde desde os seus aspectos mais elementares à totalidade de seu ser, em vez de viver conforme os ditames de um meio nocivo e inóspito.
A cultura do burnout é tanto um problema do indivíduo a ser ressignificado no seu coração, quanto um problema de saúde pública; portanto, um problema social e coletivo a ser reavaliado, revisto e superado com a colaboração de todos os setores de nossa sociedade buscando a promoção da saúde nos ambientes laborais.
O autor do Livro "O fim do burnout", na conclusão de sua obra que não deixa de ter um caráter autobiográfico e expositivo da psicologia do burnout, lança uma luz de esperança para nos ajudar na superação dessa cultura nefasta e tão presente nas grandes organizações: "Quero acreditar que uma faculdade, ou qualquer outra organização, poderia começar a construir uma maneira totalmente nova de trabalhar, uma vez que seus membros reconhecessem que todos estavam juntos nessa situação difícil. Eles poderiam então perceber que, apesar de todos se sentirem impotentes, juntos são a organização. Por essa razão podem refazê-la".