Da necessidade da resistência

E eis que doravante, como um edito ou declaração, não como um manifesto, eis que, o enunciado e anunciado, como uma ordem incontestável, faz saber, a todos e todas as almas, que, doravante, será dia de júbilo o efusir infantil do rei beócio.

O rei, ora efusivo como uma criança destituída de qualquer senso de medida, como toda criança, que age movida por impulso e, por isso mesmo, isenta de responsabilidade, age, às vezes, o rei, como essa criança. Todavia, suas ações, mesmo que comparáveis, às vezes, como as da criança, causam calafrios, pois, ao contrário da criança impulsiva e isenta de responsabilidade, as ações do rei advém de determinações instituídas de poder.

Ao agir como um beócio, torna, as ações do rei, mais perigosas. Pois, da sua beocidade, isto é, sua estupidez, coloca o rei, a vida das pessoas, sem exceção, em rota de colisão com a sensatez e, portanto, em conflito direto com o senso de responsabilidade e equilíbrio.

Assim, para que as declarações do rei, em si, eivadas de ordens, não se pode, sob pena e risco de vida, ignorar que ao e do rei, sobressaem verdadeiras condenações sem possibilidade de recursos.

Suas declarações/ordenações, se não enfrentadas, muitas vezes, ao custo de vidas, levam, ou melhor, minam, implodem, desmoronam nosso elementar direito ao tempo futuro. É como se, impedidos, porque inativos, nosso natural instinto de resistência, estivesse congelado, para não dizer morto, e nada podemos fazer. É claro que não é isso! Talvez, e só talvez, nossa inércia decorra de mecanismos de defesa que nos paralisam. Não sei. Tendo a achar que outros fatores atuam, separadamente, ou em conjunto, com um outro que não saberia dizer qual, e se há?

Todavia, a defesa do "elementar direito ao tempo futuro", mais que significar o direito de ter direito ao futuro, também, e não está dissociada, sob pena de parecer um contra- senso, e é!, do direito de "atuar livre da influência de forças ilegítimas que operam fora da nossa consciência" (A era do capitalismo de vigilância, zuboff, shoshana - pg 228).

Tomar esse elementar direito do tempo futuro, tanto quanto possível, será nossa garantia de sobrevivência, para que não se pereça nossa possibilidade de existência. Lutar, com todos os meios possíveis, mais do que preparar -se para o que está porvir, será a garantia de que lutar é sempre melhor que calar; mesmo que já não estejamos pisando o mesmo solo. Porém, se das lutas não se colhem os frutos no dia seguinte, é sabido, sem modéstia, que ficou algo que possa servir de combustível para a grande chama dos dias vindouros. É disso que se trata quando se fala em direito ao tempo futuro.

Não se trata apenas de pavimentar a estrada para que a caminhada seja mais leve. Mais que isso, trata -se, e nisso consiste toda energia empregada, de possibilitar a garantia, para o presente e o futuro, de mecanismos de resistência contra ações de governantes despóticos e todo aparato que lhe dá sustenção. É possibilitar a garantia de vivência e convivência dos contrários. É possibilitar que as verdades advindas de fontes que ignoram outras interpretações, não se cristalizem, tornando a vida mais limitada e, portanto, refém de axiomas que só interessam àqueles amantes da escuridão.

Assim, garantir o direito ao tempo futuro, tanto quanto garantir os meios, mínimos que sejam, de sobrevivência, são, pode -se afirmar, numa comparação popular, faces de uma mesma moeda. Não se pode imaginar a presença do beija -flor sem a flor, assim como, impossível pensar um adulto física e emocionalmente equilibrado, sem considerar sua infância e os meios e modos em que foi criada. Não se dissocia vivência de permanência; um só se possibilita quando se garante o outro.

Romper os ditames, infames, dos reis e seus editos ou declarações, significa "atuar livre da influência de forças ilegítimas que operam fora da nossa consciência", dito de outra maneira, significa agir segundo nossa vontade, pois, ao não se postar diante das ações que operam fora da nossa consciência, estaremos, sob pena de perecimento de nossas vontades e vida, sujeitos e sujeitados às determinações daqueles que nos querem subjugados, prostrados, incapazes de resistir para, num passo seguinte, nos impor modos de existência escravizada.

No instante que nos posicionamos em resistência, e isso eles temem, estaremos dizendo: Não! Não venham. Estamos prontos. E aí a garantia do nosso tempo futuro, livre da influência de forças ilegítimas que operam fora de nossa consciência, será o júbilo arrancado do rei beócio.