A humanidade se associa segundo Rousseau
“O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer, isto é meu, e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo.” (Rousseau, p.265).
O que me fascina nos textos clássicos é a universalidade e atemporalidade. Reli o livro de Jean Jacques Rousseau (filósofo suíço,1712-1778) “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens” e compartilho os recortes que eu fiz na leitura anterior. Leiam pensando na situação política, social, humanitária do nosso planeta. Não podemos admirar este texto pela sua atemporalidade?
Os homens passam a se comparar: o melhor caçador, o mais forte, o mais bonito, o mais hábil começa a se destacar, e o ser e o parecer os tornam diferentes. Os homens agrupados ainda sem nenhuma lei ou líder têm como único juiz a sua própria consciência. “ E este foi o primeiro passo tanto para a desigualdade quanto para o vício; dessas primeiras preferências nasceram, de um lado, a vaidade e o desprezo, e, de outro, a vergonha e a inveja”(p.269). E cada qual sendo juiz a sua maneira tem início o estado de guerra de todos contra todos.
Para Rousseau a desigualdade se estabelece com a noção de propriedade e o acúmulo. O homem percebeu que fixando à terra, pode utilizar o excedente da sua produção para ser mais rico e melhor que os outros homens. “Desde o instante em que um homem sentiu necessidade do socorro do outro, desde que percebeu ser útil a um só e contar com provisões para dois, desapareceu a igualdade, introduziu-se a propriedade, o trabalho tornou-se necessário e as vastas florestas transformaram-se em campos que se impôs regar com o suor dos homens e nos quais logo se viu a escravidão e a miséria germinarem e crescerem com as colheitas” (p. 271).
“ Por outro lado, o homem, de livre e independente que antes era, devido a uma multidão de novas necessidades passou a estar sujeito, por assim dizer, a toda a natureza e, sobretudo, a seus semelhantes dos quais num certo sentido se torna escravo, mesmo quando se torna senhor: rico, tem necessidade de seus serviços; pobre, precisa de seu socorro, e, a mediocridade não o coloca em situação de viver sem eles” (p.273).
Com o estabelecimento da desigualdade, o surgimento dos mais fortes e mais fracos, seguiu-se a pior desordem “Ergueu-se entre o direito do mais forte e o do primeiro ocupante um conflito perpétuo que terminava em combates e assassinatos. A sociedade nascente foi colocada no mais tremendo estado de guerra; o gênero humano, aviltado e desolado, não podendo mais voltar sobre seus passos nem renunciar às aquisições infelizes que realizara, ficou às portas da ruína por não trabalhar senão para sua vergonha, abusando das faculdades que o dignificam”. (p.274).
É dentro desta situação caótica que os homens resolveram estabelecer leis para se protegerem; uns para protegerem suas propriedades e outros para se protegerem das arbitrariedades dos mais poderosos. Para isto, todos abriram mão de sua liberdade. “até os prudentes compreenderam a necessidade de resolver-se a sacrificar parte de sua liberdade para conservar a do outro, como um ferido manda cortar um braço para salvar o resto do corpo” (p.275). Esta foi a origem da sociedade, e das leis que deram novos entraves aos fracos e novas forças aos fortes. “Fizeram para sempre a lei da propriedade e da desigualdade, fizeram uma usurpação sagaz de um direito irrevogável e, para lucro de alguns ambiciosos, daí por diante sujeitaram todo o gênero humano ao trabalho, à servidão, à miséria” (p. 276).
Márcia Cris Almeida
20/09/2023