Da constituição da Arte (ensaio quase filosófico (na fila do teatro - Sesc Belenzinho))
Diz Hegel, a respeito da constituição da Arte, isto é, daquilo que se constitui em uma obra de Arte, que ela mesma se constitui de várias formas.
Digamo-lo, para não estender muito em explicações, a princípio, desnecessárias, que obra de Arte será aquilo que traz o belo como seu constituinte fundante. Será, obra de Arte, o elemento que ao se deparar com o observador, cause nele, como se o invadisse, algo que se manifesta quando toca ao espírito. É no espírito, e depois no cérebro, que a arte chega e se transforma em obra de Arte. É como se o espírito, e somente ele, fosse capaz de compreender as sutilezas e nuances que constituem a obra de Arte. Noutras palavras, que será obra de Arte tudo que toca ao espírito e dele surja a imanação do belo. Será, então, o tilintar, o remexer do espírito diante do que não consegue ficar inerte. É nesse estado de quase torpor, de quase congelamento, que a Arte, e tudo que a ela se refere, se estabelece e se reafirma como o momento sublime. Será, então, esse momento guardado no e pelo espírito como o tesouro de nossa vida. Será, a partir dessa relação (da obra com o observador) quase simbiótica, que essa lembrança estará para sempre em nossas memórias. Toda vez que se fizer alguma referência, mesmo que de maneira indireta, ingênua, nosso cérebro, como se existisse uma chave, nosso cérebro aciona algum dispositivo e pronto: a imagem nos vem à memória.
"Tanto mais perfeita é uma obra quanto mais corresponder a uma verdade profunda o conteúdo e a idéia dela". Sábias palavras de Hegel. O que essa frase nos diz a respeito da obra (eu acrescento , de Arte)? Diz que a obra detém certa Verdade, e que é profunda, quando associada ao conteúdo e à Ideia, ou seja, que deve haver um genuíno "casamento" da ideia, que a arte representa, e seu conteúdo, ou seja, àquilo que lhe dá "existência".
Precisamente, ao não saber, sem dar ao espírito essa possibilidade única, isto é, de somente atravéz dele, e não por outro meio anterior, é que se pode dizer: a Arte, entediada como a manifestação do belo em toda sua magnificência, não quer dizer que, uma vez alcançada essa prestigiada condição, lhe confere ascenção sobre qualquer outra interpretação e ou possibilidade. A arte, por si, não se constitui em um ente dotado de alma, não. A arte só alcança esse status de arte quando, e só assim, chega a nós por meio do espírito e da sensação que causa, indescritível, porque inexplicável, em nosso cérebro e que depois se irradia por todo o corpo como se não houvesse mais nada de agradável e prazeroso. Dito de outro modo: a arte não existe sem essa sensação, não e existe em si e por si, não tem sua própria consciência; ela depende, e só daí terá significado e status de Arte, de nossa capacidade de se deixar tocar por ela. A arte para existir e ser vista como arte, não é nada sem antes passar pelo nosso olhar e nossa capacidade de expressar o que ela nos causa no instante imediato após atingir nosso espírito e nosso cérebro. A Arte só é arte porque nós, diferente de outras espécimes com as quais compartilhamos esse planeta, temos a capacidade de expressar e comunicar nossos sentimentos. Fazemos das mais diversas formas, seja pela poesia, música, pintura, teatro, cinema, bordado, dança, escultura, enfim, não há limites para que nós, por meio das mais variadas maneiras expressivas e comunicacionais, cheguemos ao mais profundo sentimento do humano . Somos, assim, seres privilegiados, porém, em um quase paradoxo, reféns de nossas próprias criações. Todavia, tudo isso só é possível graças a nossa capacidade e possibilidade de, ao tocar nosso espírito e cérebro, retirar da Arte algo que não tem, ou, não teria, ressonância se fôssemos seres dissossiados da capacidade cognitiva; felizmente não. Então, desses altos e baixos pelo que passamos ao longo dos séculos, penso que nos tornamos seres mais aptos ao convívio humano, graças, em grande medida, à Arte.