Os tipos de conhecimento, o que é ciência e qual a diferença entre lei e teoria científica?
Por: João Paulo da Silva Pereira
Resumo
Neste ensaio investigou-se os tipos de conhecimento e o que é ciência a fim de distinguir o que é uma lei e uma teoria científica. Para isso foi feito uma breve "construção" histórica e conceitual. Chegou-se aos seguintes resultados: teoria científica é um sistema formal com um conjunto de hipóteses, leis e validações experimentais em um modelo matemático. Uma lei é uma constatação direta por meio da observação de um comportamento que por indução conclui-se que é invariante. Uma hipótese é uma suposição a respeito de qual (s) o (s) mecanismo (s) explica o comportamento de um determinado fenômeno. Por fim, conjectura é uma hipótese que recebeu alguma validação experimental e/ou por outros resultados teóricos, mas que ainda não foi completamente provada.
Introdução
Comumente pensa-se no senso comum que uma teoria científica é meramente uma "tese" (ideia) a respeito de uma determinada coisa, o aproximando aqui muito mais de uma hipótese do que de uma teoria científica de fato. Tal aproximação descuidada pode gerar inúmeros preconceitos em relação aqueles que propõem novas teorias, sejam acadêmicas ou não. Digo, pode alguém porventura desenvolver uma teoria cosmogônica, e não cosmológica, mas mesmo assim não receber o devido crédito, digo, se a construção dialoga adequadamente com o formalismo daquela área, o indivíduo deve ser julgado pela força explicativa (conceitual) de suas ideias, assim como pela coesão interna e externa. E não pelo caráter meramente especulativo das reais capacidades intelectuais do indivíduo e pelo estereótipo do que é uma teoria.
No intuito também de "desmistificar" o que vem a ser fazer ciência, este ensaio se propôs a delimitar adequadamente o que vem a ser o "saber" científico, o filosófico e o teológico. Porquanto, é descrito os pormenores de como se desenvolve e o que é uma teoria científica, diferenciando-a e a distanciando-a da imagem ou da representação que o grande público tem do que ela vem a ser.
Assim, o fazer ciência é descrito como intimamente relacionado ao conhecimento científico e a capacidade do indivíduo de desenvolvê-la, retirando um pouco o teor romântico do "cientista que tem uma grande ideia".
Desenvolvimento
O conhecimento pode ser dividido segundo a sua origem, digo, como foi obtido. O conhecimento dito do senso comum é obtido por experiência, pois filosoficamente é provável ou é aceito como um fato autoevidente que a experiência fundamenta o saber. O fundamento, a verdade primeira nesses sistemas que aceitam a verdade como um princípio externo a ela e inata aos objetos é que a realidade é passível de compreensão, somos seres racionais que podem através da experiência _ ou do hábito _ conhecer a verdade sobre algo ou de uma coisa, pois através dos nossos órgãos sensoriais percebemos o objeto. O objeto é apreendido aqui como uma coisa externa a nós e em si, ou não, pois sua essência pode ser simplesmente tida como a forma e o corpo _ material. T. Reid é um dos que aceitam esse tipo de conhecimento e a defende filosoficamente. Em contrapartida, temos Descartes que é um racionalista. Para ele a única verdade autoevidente é que pensamos, pois o seu princípio, digo, a postura que é fundante e basilar em sua filosofia é a dúvida hiperbólica. Questionamentos sucessivos a respeito de algo nos possibilita chegar a verdade última dela, que no seu caso é a res cogitans. Nesse processo, o mundo externo não é uma verdade evidente a nós, dado que os nossos sentidos nos enganam. Portanto, há uma certa desvalorização do sensível como há em Platão, posto isto, não seria surpresa se houvesse ideias inatas e de fato também o há. O fundamento, ao contrário do empirismo _ como em D. Hume _, não é a experiência, e sim a razão, ou por outra, o logos. Já o conhecimento religioso ou teológico, ao contrário do filosófico, não tem como base _ se assim posso conceituar _ o nosso horizonte de ignorância, digo, o clássico paradoxo socrático, a ignorância aqui é fundamental não como ponto de partida, e sim como um dos alicerces de uma boa teologia. Deus nesse sistema de pensamento é um axioma, Deus segundo o teísmo é incognoscível, isto é, a causa primeira ou eficiente está por definição fora da criação, seu ato criativo como ato puro (T. Aquino) pressupõe uma exterioridade, pois sendo a natureza não-eterna, não poderia dar origem a si mesma, no sentido de que uma substância não gera a si mesmo se não tiver todos os atributos ou os essenciais que o ser tem, mas aqui a terminologia substância não seria tão apropriada, pois a única de fato seria Deus. E isso já é posto em Spinoza, com a diferença de que em seu sistema filosófico, em específico no âmbito da metafísica, uma substância não pode gerar outra díspar, assim sendo, Deus está de certa forma na natureza, eis o seu panenteísmo. Temos algo semelhante na filosofia do Tao Te Ching, posto de uma forma bem mais poética e bem mais complexa que os aforismos de Parmênides. No cristianismo o universo é criado, portanto, temos uma criação e não emanação. Deus se revela por meio da bíblia, não em sua completude, pois é eterno e com uma determinada perspectiva, dado a idiossincrasia do povo Judeu e as mudanças que ocorreram na época, como a do império romano, os primeiros patriarcas da igreja católica e a adaptação a algumas culturas de alguns povos ao transmitir a ideia do Deus cristão. Portanto, a interpretação fiel do texto é papel da hermenêutica. Já a ciência tem uma certa assunção do realismo, se enquadra mais no realismo moderado. Há uma priorização do método e uma grande observância às situações de contorno, digo, as variáveis, por isso se evita ter variáveis estranhas em um determinado experimento. Prioriza a comunidade, isto é, os trabalhos são compartilhados para que assim sejam replicados seguindo com todo o rigor todo o algoritmo, para assim obter os mesmos resultados com as devidas margens de erro. Epistemologicamente a ciência se limita a declarar sobre o comportamento de determinada partícula (para a física) em um dado contexto e por vezes suas propriedades, mesmo sendo elas descrições quantitativas e materiais, isto é, há uma certa adoção do materialismo e naturalismo, dado que a natureza é suficiente e autossuficiente, no mínimo, metodologicamente. Assim como Avicena, Descartes parte do ceticismo para saber algo, prioriza o método e é um dualista e racionalista. Já Averrois, assim como T. Aquino, era influenciado por Aristóteles e o seu dualismo não era o platônico, mente e corpo, essência e coisa não eram tão separados, dado que em Aristóteles a metafísica segue-se da física, haja vista, as 4 causas. Contudo, somente em F. Bacon houve a criação do que poderíamos chamar o método científico e em Galileu a matematização da física, mas o que isso significa? A ciência posta em um método implica em uma delimitação do que é ou do que não é fazer ciência. Constrói-se, assim, um sistema fechado e completo. Completo, pois todas as proposições devem não só estar encadeadas corretamente _ dado o objeto de estudo _ e em coesão, mas também de acordo com todos os corolários e teoremas já existentes, assim como com as novas descobertas. Dado que em um sistema formal completo todos os teoremas devem ser derivados invariavelmente dos conjuntos de axiomas. Assim sendo, a ciência e todas as suas teorias têm como base não só um método, que está muito mais relacionado ao elemento da práxis, mas a uma estrutura que nos diz _ delimitando _ como deve ser desenvolvida uma teoria. Tal estrutura chama-se modelo e nas ciências exatas trata-se de um modelo matemático.
No novum organum, basicamente Bacon propõe a observação como algo que fundamenta a busca da verdade, depois deve-se criar uma hipótese para explicar aquele fenômeno, por fim, deve-se testar. Basicamente esse método é indutivo. Se o experimento confirmar a hipótese, deve-se repetir o experimento sucessivamente até ter uma confiança suficiente para generalizar os resultados a uma lei geral. Se o experimento não confirmar a hipótese, deve-se reformulá-la. Bacon priorizou a objetividade em vez da subjetividade. Priorizou os casos particulares em vez dos gerais. A isso ele chamou de indicação cuidadosa. Porém, a ciência não é toda indutiva, pois ainda temos reformulações/aperfeiçoamentos no ferramental teórico, assim como para a construção de uma teoria robusta. Há desde a sua fundamentação uma priorização do sensível _ do empirismo. O raciocínio dedutivo vai dos gerais para o particular e o indutivo de casos particulares para casos gerais, ou seja, do particular para o geral. Ademais, o quantitativo e o qualitativo está em todo o processo científico. Posto que, como visto, fazer ciência _ natural _ não é só seguir o método científico e descrever qualitativamente o fenômeno, é também descrevê-lo quantitativamente e matematicamente em um modelo que obedeça uma dada estrutura aceita. Estando ou não de acordo com todas as teorias vigentes, deve passar por esse crivo. Uma teoria, diferente de uma hipótese, é como um grande framework, ou seja, uma teoria geralmente é uma extensão de uma lei ou um conjunto de hipóteses validadas empiricamente que explica uma série de fenômenos em um todo coeso. Portanto, é por si só um sistema, embutido de axiomas próprios _ como os postulados de Euclides, e de Einstein _ e de conceituações que partem de casos "específicos" e é generalizado para um todo formal, seja a nível cosmológico, que geralmente o é, ou a nível de tópicos específicos, como no eletromagnetismo. Uma lei está mais para uma constatação direta e propriamente indutiva. O método dedutivo geralmente parte de axiomas, porém, esses axiomas são assumidos ou declarados já tendo como base a observação.
Na filosofia da ciência temos Karl Popper com o princípio da falseabilidade demarcando o que é um saber científico e, portanto, ciência e o que não é. Uma hipótese deve ser validada ou invalidada por meio de experimentos, ou uma declaração (proposição) deve ser passível de refutação, isto é, não pode ser puramente autorreferente. Ou por outra, seu significado deve ter relação direta ou indireta com o referente. Portanto, a representação da coisa (o signo) deve existir ou ter realidade efetiva também, não puramente formal ou ontológica _ vide "a crítica" do argumento de S. Anselmo. Porém, tal compreensão epistemológica do que é ciência é problemática, pois se funda em um único método. Esta generalidade perde de vista as especificidades de cada objeto e fenômeno de investigação de uma determinada ciência. Dado, por exemplo, a psicanálise, onde o seu axioma _ o inconsciente _ não é diretamente "encontrado", é inferido por meio de lapsos de escrita, memória, traumas com o mesmo núcleo, conflitos familiares ou a relação triangular e a sua narrativa que é, por vezes, simbólica, haja vista, o complexo de Édipo e o estádio do espelho. Com isso, podemos ter uma nova definição de ciência com base em um novo método, tendo em vista, que a psicanálise possui evidências de estudos clínicos e do poder de cura como um método da fala. Tal definição seria a mesma que a anterior, a diferença residiria em alguns novos postulados e/ou a derrocada de alguns e, com isso, o surgimento de novos princípios _ ou uma maior valorização destes _ e/ou a derrocada de alguns. Como, por exemplo, um sistema consistente passível de críticas externas, internas e revisões. Assim como algo que precisa de uma vivência em comunidade e possui evidências de sua eficácia. Para uma melhor compreensão recomendo o livro Análises psicanalíticas de discursos, perspectivas lacanianas de Christian Dunker, Clarice Paulon e J. Guillermo Milán-Ramos. Rematando, uma lei na ciência natural pressupõe uma ordem invariante na natureza e, sendo assim, se propõe a bater o martelo sobre o funcionamento de algo na natureza, enquanto que uma teoria tem um caráter mais geral e explicativo, portanto, pressupõe que haja previsões para que, assim, seja falseável. Em verdade, já possui uma série de validações e por isso alça ao status de teoria, pois é a hipótese ou conjunto de hipóteses que melhor explica um fenômeno ou conjunto de fenômenos, estando incluso nela mesma lei (s).
Notas
A metafísica de Aristóteles é pautada no devir. As coisas possuem uma causa formal e eficiente. A causa final é o princípio teleológico, eis a dúvida, tal princípio é oriundo da causa primeira, o motor imóvel? Se assim o for, tal princípio é extra-físico, extra-imanente, assim sendo, o seria transcendente.
O método indutivo que a ciência faz uso é altamente problemático em termos filosóficos, vide as críticas de Hume, pois o princípio de causalidade é o que fundamenta a indução.
O lugar natural de Aristóteles faz sentido, pois pressupõe a essência das coisas conjuntamente com seus fins.
Critério de veracidade da matemática? Ela prova contundentemente? Não, pois assim o seria se a sua base fosse a lógica e assim seria possível fundamentar toda a matemática em um conjunto de axiomas, e isso não é possível, como sabemos do projeto fracassado do logicismo.
Usar como exemplo a distinção entre pistis e episteme em Platão para evidenciar o início da ciência com a filosofia grega é interessante, porém, não evidenciar as sutis diferenças é problemático. Também é necessário distinguir o pensamento doxástico e apodítico. Ao falar sobre a concepção de alma, lembre a de Aristóteles, a ciência da alma. Ao falar do conhecimento matemático, lembre-se logo de como Kant o conceituou, em termos de "a priori sintético", noções inatas e intuitivas do tempo e espaço, dado que é um idealista.
O conhecimento para Aristóteles não nasceu na alma, como Platão, porém, se dá sensação o veio, como isso é possível? É necessário problematizar essa questão. No caso de Platão, se trata do conceito de reminiscência. É discutível que a opinião está abaixo da episteme já que é o fundamento, a resposta mais comum é de que não é racional, porém, isso é discutível, vide T. Reid, e além do mais, o que seria racional? É necessário também utilizar o argumento das proposições autoevidentes (tautológicas) para elucidar a verdade da matemática. [...] A própria palavra pressupõe o predicado. Por exemplo, a bola é redonda, e não quadrada. Porém, não é verdade que não tem possibilidade alguma de não o ser, pois na verdade o tem, vide L. Carroll (ao problematizar a referência de um vocábulo ao referente).
Conclusão
Foi possível concluir que uma teoria científica é o mais alto grau que se pode alcançar na ciência. Uma hipótese precisa explicar um dado fenômeno satisfatoriamente (daí entra também a navalha de Occam), e para isso ela propõe mecanismos que explicam como aquilo acontece, isto é, ela diz o "como", e não o porquê. Uma lei é uma constatação direta por meio da observação de um comportamento que por indução conclui-se que é invariante, ou seja, que se repetirá ad infinitum. Uma hipótese deve ser testada para a "falsear". Os resultados obtidos podem validá-la ou "refutá-la", mas deve-se observar os possíveis erros de medição, seja o grosseiro ou o instrumental, assim como o acidental. Também deve-se calcular a margem de erro e escrever um paper com todos os dados encontrados, metodologia e procedimento. Assim, será possível replicar esse experimento em outros laboratórios, validando a hipótese proposta ou a "refutação" de uma ao encontrar os mesmos resultados, ou a falseando caso não se encontre. Já uma teoria científica é um sistema formal com um conjunto de hipóteses, leis e validações experimentais em um modelo matemático. Toda teoria deve propor experimentos, é um resultado imediato e intrínseco a ela, já que uma teoria por definição tem uma relação quase que biunívoca com o referente. De outra forma, uma teoria científica procura a adequação entre a sua explicação técnico/formal e os resultados já obtidos por "experimentos" e/ou "observações". Obs: sistema formal exige teoremas, corolários e lemas que derivam-se de um conjunto de axiomas, e o sistema deve ser "consistente" e "completo", também deve estar de acordo com os conceitos científicos e propor algo novo, geralmente trata-se uma explicação de algo já "conhecido" de uma forma única e que esteja em adequação com tudo ou o máximo de coisas que já são conhecidas. Por fim, conjectura é uma hipótese que recebeu alguma validação experimental e/ou por outros resultados teóricos, mas que ainda não foi completamente provada.
Referências
KÖCHE, J. Carlos. Fundamentos de Metodologia Científica: Teoria da ciência e iniciação à pesquisa. Petrópolis, RJ : Vozes, 2011.
DUNKER, PAULON, MILÁN-RAMOS, Christian, Clarice, J. Guillermo. Análise psicanalítica de discursos: perspectivas lacanianas. 2° edição. Estação das Letras e Cores, 1 janeiro de 2016.