A CONFIANÇA DOS QUE COMETEM CRIMES EM NOME DE DEUS
Salmo dos Filhos da Serpente!
Por Antônio F. Bispo
1. O senhor é a certeza da minha impunidade nos dias das minhas malevolências.
2. O senhor é a garantia do perdão antecipado que obterei, quando propositalmente planejar, falar ou executar intentos malignos contra os meus semelhantes.
3. No senhor eu me resvalo. Nele eu me escondo. Em seu nome eu serei frio, calculista, vigarista e salafrário e ainda assim, serei louvado no meio da congregação dos tolos.
4. Em nome do Senhor ajuntarei fortunas, oprimirei o fraco, roubarei o pobre e humilharei os jutos, sem macular meus títulos de santidade na assembleia dos hipócritas.
5. Em nome do Deus bíblico cometerei delitos, rasgarei a constituição dos povos, cuspirei nos direitos humanos, aniquilarei os embargos, destruirei as emendas e ainda direi: “O Senhor me ordenou. Ele Senhor me protege. O grande “Eu sou” me escolheu”!
6. Em nome do “Deus dos crentes” promulgarei verdades que favoreçam apenas o meu ponto de vista ou os desejos da bolha qual criei, mantenho, ou fui inserido.
7. Em nome de minha crença, me vejo no direito de humilhar, perseguir ou destratar a qualquer um que não seja ou faça parte de “minha Comum”.
8. Salvo estou, escolhido sou, para os céus irei (apenas eu e meu minúsculo grupo, claro)!
9. Do alto da minha soberba direi: “Sirvo e pertenço ao Deus Verdadeiro! Fora d’Ele outro não há!
10. Do cume da minha estupidez a minha alma completa dizendo: “Tenho o privilégio de pertencer a única e verdadeira igreja de Cristo”!
11. No cerne da minha ignorância anunciarei: “Felizardo sou, pois sirvo ao Deus certo, na igreja certa, com a doutrina correta. Aleluias”!
12. Ouvindo isto, um “ímpio, filho de do demônio”, ousou afrontar-me e do centro de sua sanidade perguntou-me: “Como sabeis vós disto? Quem te deu tanta certeza? Por acaso o próprio Ser Superior desceu dos Céus e te falou isso em pessoa ou apenas acreditas no que te convém?
13. No zelo do meu furor, o meu coração se embebedou contra esse Gadareno. De tanta ira, pedi logo a morte dele, ali mesmo, de modo fulminante por um raio vindo de Ti ou por um ataque de bestas vindas das trevas.
14. Nada aconteceu. Com ego ferido, roguei-lhe um milhão de pragas posteriores.
15. Como poderia este ferir minha infantilidade e sair impune? Não é para isso que servem os deuses? Não é para isso que os fabricamos e os veneramos? De nada nos serviria uma divindade como Tu, óh Senhor, se não fosse para dar vazão aos mais pérfidos de intentos que possuímos que sejamos desmerecidos por gente de nossa índole.
16. Os cultos procuram os livros e os sábios perscrutam os caminhos da lógica, da razão, da razoabilidade e da justiça entre todos os povos.
17. Eu porém Senhor, me escondo em ti, pois jamais quero deixar de ser uma criatura infantilizada, egoísta e presunçosa. Somente em Ti, na minha igreja ou na minha crença (qual professo e nem sequer conheço) é que posso abrigar-me de modo seguro e comungar com a maioria dos teus servos, toda nossa hipocrisia disfarçada de bons intentos.
18. Quando vejo uma alma pura, gente honesta, lúcida e bem intencionado sem precisar esconder-se sob o manto de santidade ou apoiar-se nas muletas da fé, fico enfurecido.
19. Isso fere a mim, aos meus princípios e abala o comércio da fé.
20. Tenho medo de que a maioria das pessoas descubram que para ser descente basta ter vergonha na cara e um pouco de lucidez e que de nada vale estar em tua casa todos os dias e ainda assim ser perverso.
21. Não permita que a interação entre os povos permita que nossa ilusão de igreja perfeita seja desfeita, pois sem Ti não sei o que fazer ou como engambelar os que na escuridão vagueiam procurando a luz.
22. A esses e a todos os que duvidam de mim quando digo que posso ser um devasso em seu nome, tenho vontade de quebrar-lhe os dentes, arrancar da face os seus olhos e pregar suas línguas em postes, longe de suas bocas, num local em que todos vejam e sejam intimidados, para que não mais citeis tais blasfêmia diante de ti, oh Maravilhoso!
23. Quando assim estou, cheio de ira, quando pensamentos insanos tomam conta do meu ser, não sei mais quando és Tu ou quando sou eu mesmo falando a mim mesmo em seu nome, já que coincidentemente seus desejos, maquinações e iracunda mágoa se confundem com as minhas.
24. Senhor, por que será que todos os que fazem ou mandam fazer algo em Teu nome sempre tem benefício próprio de algum jeito? De alguma forma, todos que falam de ti, para ti, ou por meio de Ti, estão se escondendo de algo ou procurando levar vantagens em suas relações pessoais com outras pessoas do mesmo nível de mentalidade ou menos inteligentes que estas.
25. Por que será que todos os Teus encontros com líderes, fundadores e mensageiros são sempre de modo secreto ou coberto de todo tipo de mistério? Parece até que não sei a resposta, mas como tu me conheces e nada de mal me farás com este meu devaneio, não me custa arguir para que porventura vejam mais eloquência e santidade em minha pessoa.
26. Sei que Tu jamais me responderias. Estranho seria se Tu realmente nos falasse ou respondêssemos quando O clamamos.
27. O “teu reino” e toda balbúrdia que provocamos em nome dele só se é possível por conta de tua ausência, do teu silencio, de tua inatividade e complacência.
28. Permaneçais assim, ó Pai, para que os nossos intentos nefastos também permaneçam!
29. Quem me dera aniquilar todos os que discordam de mim (seria de ti?), da minha fé, do meu rito litúrgico e de minha falsidade ideológica.
30. Quem me dera transformar o mundo inteiro num lugar bizarro, cheio de violência, de podridão, de sofrimento, com falta de tudo...Um lugar em que todos teriam de pagar pedágios aos seus ungidos e a estes implorar por suas vidas como se fosse Ti, o próprio Deus e Senhor.
31. Quem nos dera que a tua igreja tivesse o mesmo poder que tivera durante mais de 1 mil anos de trevas. Uma nova idade média com inquisidores, monitores e executores é o que mais desejávamos para estes tempos. Quiseras tu porém que por algum motivo o nosso Mito, o Teu Messias, não fosse reeleito. Que pena!
32. Envergonhado ficamos. Revoltados, agimos como vândalos. Quebramos tudo, por que até a nossa violência é santa e com o aval dos teus santos pastores fomos ungidos para defecar até nos “lugares santos”.
33. Quando acuados, fingimos demência e até hoje pagamos de mártires.
34. Senhor, por que nãos nos dá o poder de acabar com todos os nossos inimigos de uma só vez? Por que não podemos arrancar suas cabeças e sair dizendo: “Eis aqui, em minhas mãos trago a cabeça de Golias. O senhor me entregou e eu o matei”!
35. Ahhhh...Como eu queria fazer isso! Se assim pudesse, teria uma coleção de cabeças. Cada um de nós as colecionaríamos ao teu nome renderíamos cânticos de gratidão.
36. Quem me dera quebrar os queixos de todos eles e depois à um talk show qualquer e falar disso como como se fosse algo nobre.
37. Oxalá que as “Leis dos homens” estivessem sujeitas ás tuas leis como foram no passado com todos os teus servos e profetas.
38. Como nos seria bom se não houvesse um Supremo, um Congresso, Um juizado comum e nem sequer uma oposição política. Ideal seria se houvesse apenas uma Bancada Evangélica regendo nossa nação, para que pudéssemos “deitar e rolar” sem nenhum tipo de represália.
39. Estupefaciente seria extravasar minha ira ao meu modo e demonstrar assim o quão bestial sou ou posso ser quando me escondo em ti e na certeza de tua impunidade, pois Tu óh Deus, nada fazes para reprimir os delinquentes, que em seu nome oprimem o pobre, roubam das viúvas, privam o direito dos inválidos e aproveitam-se todo tipo de desvalido.
40. Somente Tu és capaz de ignorar abusos que diariamente os teus ungidos cometem. Por meio de ameaças, xingamentos e versículos bíblicos, solapam os 10% até daquela única fonte de renda é oriunda de benefícios sociais. Os Teus pastores e todos os que vivem da extorsão moral e do mercado da fé, te louvam pela tua conivência!
41. Meu desejo é de silenciar a todos os que falam mal dos teus servos, dos teus profetas e de todos os que voluntariamente (ou não), cooperam para a expansão das grandes multinacionais do medo que a tua casa se tornou.
42. Como não posso executar meus intentos sinistros com receio da repressão dos “homens maus e pecadores”, peço-te então, óh Deus, que lhes ponha várias doenças tenebrosas, incuráveis, degenerativas e mortais, para que todos temam diante do que falo e me respeitem e me venerem por medo, não por merecimento, pois imundo sou, sujo estou, na escuridão vivo e na certeza da tua impunidade me refúgio.
43. Não temo jamais os Teus castigos, pois sei que eles não existem! Porem temo as leis dos homens, quando no exercício de suas sanidades combatem a minha falta de caráter e a minha podridão.
44. Quando tenho o meu ego ferido por defender a tua “sã doutrina”, não rogo praga somente aos que diretamente ousaram me afrontar. Desejo o mesmo e ainda pior aos seus familiares, seus animais domésticos, seus pertences e até aos que nada tendo em conta, me viram na minha angústia e não saíram em minha defesa.
45. Quando estou te defendo, os meus argumentos são tão rasos quanto um pires de uma xícara. Por isso tento intimidá-los por meio de meio de meus títulos sociais, eclesiásticos, meu poder financeiro ou qualquer outro artefato, inclusive corrosivos, explosivos, pontiagudos ou letais. Tudo vale para Te defender, ainda que tu não precises.
46. Na verdade, quando digo que a Ti pertenço, estou dizendo o contrário. Tu o Sabes. Tu me conheces!
47. Quando digo isto, o que almejo de fato dizer é que Tu és um pertence meu, de minha igreja ou de minha bolha, desde que esta também concorde comigo ou me aceite com todos os meus defeitos, sem obrigatoriedade de uma evolução pessoal para o bem.
48. Queremos ter a ideia de que podemos Te manipular ao nosso bel prazer e achamos que temos conseguido desde sempre. Por isso tentamos inculcar aos neófitos esta grande tolice.
49. Que nada mude quanto a isso! A mudança me causa náuseas e a capacidade de enxergar meu próprio interior me perturba, pois sinto o cheiro do meu próprio fedor. Por isso me escondo em ti e na certeza da tua impunidade descanso.
50. Toda vez que tento seduzir alguém ao meu mundinho medíocre, faço-o de modo descarado, sem culpa alguma. Quero todos sejam submissos a mim e ao chefe de minha congregação. Este por sua vez me recompensará.
51. Minto quando digo que luto pela proclamação do evangelho e da paz em teu nome. Minto também quando digo que almejo a salvação das almas perdidas.
52. Nesse instante, quando em minha hipocrisia recito meus versos de morte; quando alguém está quase caindo em minha “lábia”, um anjo brada dos céus e diz em alta voz:
53. “O golpe está aí. Cai quem quer”!
54. Esses mensageiros aparecem do nada e estragam meus melhores planos.
55. Eles usam de diversos artifícios diabólicos para dissuadir os que no caminho da ignorância já estavam à se alistar.
56. Livros e evidencias cientificas são suas armas prediletas nesse tipo de ataque e defesa.
57. Racionalidade, sensibilidade, empatia e desejo de justiça social são outras ferramentas que eles possuem e as usam, já que propositalmente abandonamos as nossas.
58. Esses mensageiros dos tempos modernos pode ser revelar de várias formas para estragar os nossos intentos hostis.
59. As vezes eles surgem com “aspectos” de um ateu bem resolvido que de modo claro e perturbador, revela o “oculto e o escondido” e faz desiludir boa parte do rebanho.
60. Também se apresentam como um crente “desviado”, que ao sair do aprisco percebeu que lá tinha cheiro de lama, não de manjedoura
61. Em outras ocasiões anjos surgem como arqueólogos, antropólogos, cientistas diversos, bem como repórteres e jornalistas.
62. Estes expõem as mazelas de alguns do teu povo, revelando o quão pérfido somos e há quanto tempo a sanidade nos abandonou.
63. Oh Deus! Tu me conheces e sabes como sou hipócrita e vingativo. Não os deixais estragar nossas fantasias! O que seria de nós sem toda essa infantilidade e falta de decoro?
64. Ao orar, entrego todos estes em suas mãos! Peço-te preferencialmente que suas existências sejam apagadas por completo e que os filhos destes sejam estéreis, encerrando assim a semente do mal.
65. Sentado em meu próprio esterco, quando estou à falar de Ti e das Tuas benesses, com a minha boca, entrego ao “pecador” um papel escrito com alguma anedota da fé, feito por meus companheiros e digo ser esta a tua palavra. Convido-os então à tua santa casa.
66. Em meu coração porém, rogo-Te que os mate e os envie ao fogo e enxofre eterno!
67. Imploro que tu nunca os perdoe por aquilo que eu não os perdoaria, pois bruto sou, orgulhoso tenho sido e de nada me arrependo pois em ti confio e em Ti me escondo. Na certeza da Tua impunidade tenho abrigo.
68. Quando digo em alta voz: “Maranatas” e anuncio a Tua vinda, vibro mais com a possibilidade da condenação alheia do que com a minha possível salvação.
69. A tua promessa de retorno me dá o direito de enfiar o dedo na cara dos outros e dizer: “arrependam-se filhos do malígno, pois o fim está próximo”!
70. De fato, sou eu quem deveria arrepender-me e mudar meu próprio coração. Não o faço e nem o farei, pois na certeza da tua impunidade reside a minha consolação!
71. Meu espírito se alegra só em pensar que quase todo o planeta será condenado, enquanto eu e o meu grupo (com menos de uma centena de pessoas), somente nós seremos salvos. Aleluias!
72. Na incongruência dos meus pensamentos descansa a minha certeza de que a Ti pertenço, mesmo sabendo que te aborreço.
73. Na anulação de minha própria confissão de fé quanto a tua justiça, eu deito e rolo e nada me acontece.
74. Na certeza de que o deus ao qual eu sirvo é apenas uma das versões maleáveis do meu álter ego, eu me consolo.
75. No retrato daquilo realmente sou e quero ocultar, eu projeto e Ti, a minha própria imagem e devassidão.
76. Na suposição daquilo que eu faria caso fosse ou estivesse em lugar de poder, posso conjurar praga aos que me detestam e confabular recompensas a mim mesmo, por feitos gloriosos que nunca conquistei.
77. Sabendo que no meio em que convivo a demência é uma virtude e a soberba é uma medalha de mérito, posso sossegar segundo os dogmas da minha fé. Nada temerei enquanto a comunidade dos tontos for maioria entre os justos.
78. Jamais permita que os que tem suas faculdades mentais em bom funcionamento nos arranques dessa ilusão e do trono de nossas maldades sejamos lançados á uma convivência pacífica para o bem de todos.
79. Assim seja!
Texto escrito 22-7/23.
*Antônio F. Bispo é graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia.