CRENTE SEM FANATISMO: DE CARNE E OSSO — Ensaio I(4) A inspiração divina e a experiência humana na Bíblia: uma abordagem crítica e respeitosa.
A Bíblia é um conjunto de livros divinamente inspirados que buscam guiar os homens na procura pela sabedoria, pelo temor do Senhor e pela conduta justa. Porém, será que esses livros são bastantes e infalíveis para todas as situações e circunstâncias da vida? Será que eles não podem ser acrescentados ou contestados por outras fontes de conhecimento e experiência? Será que eles não expressam também a cultura, a época e o contexto em que foram escritos? Neste ensaio, eu pretendo negar a ideia central de que a Bíblia é a única e exclusiva norma para a vida, usando referências bíblicas e citações de autores importantes.
Um dos argumentos usados para defender a supremacia da Bíblia é que ela foi inspirada por Deus e escrita por homens sábios e santos. De fato, as Escrituras afirmam que “toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça” (2 Timóteo 3:16 NVI). Porém, isso não significa que os autores bíblicos fossem perfeitos ou infalíveis em suas decisões e ações. Pelo contrário, eles mesmos reconheceram que “todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus” (Romanos 3:23 ACF). Além disso, eles enfrentaram tentações, conflitos, dúvidas e erros em suas vidas (Gênesis 12:10-20; Números 20:7-13; 2 Samuel 11; Jó 3; Mateus 26:69-75; Gálatas 2:11-14; etc.). Portanto, a Bíblia não pode ser considerada como uma revelação completa e definitiva da vontade de Deus, mas como um testemunho da graça divina na história humana.
Outro argumento usado para sustentar a ideia central de que a Bíblia é a única fonte de sabedoria e conhecimento para a vida é que ela abrange todos os aspectos da existência humana, desde o trabalho até o casamento, desde a educação dos filhos até a administração das finanças. De fato, a Bíblia oferece conselhos práticos e úteis para diversas situações e problemas da vida. Porém, isso não significa que ela seja universal ou imutável em sua aplicação. Pelo contrário, ela deve ser interpretada à luz do contexto histórico, cultural e social em que foi escrita. Por exemplo, quando Paulo diz que “as mulheres sejam submissas ao seu próprio marido, como ao Senhor” (Efésios 5:22 ARA), ele está refletindo uma visão patriarcal da família, em que o marido é o cabeça e a mulher é submissa. Essa visão pode ser questionada ou relativizada por outras perspectivas bíblicas ou contemporâneas sobre o papel da mulher na sociedade. Portanto, a Bíblia não pode ser considerada como uma regra absoluta e inquestionável para a vida, mas como uma orientação geral e flexível para a conduta.
A Bíblia é uma fonte valiosa de sabedoria e conhecimento para a vida, mas não é a única nem a exclusiva. Ela deve ser lida e aplicada com discernimento, respeito e humildade, reconhecendo que ela é fruto da inspiração divina e da experiência humana. Ela deve ser complementada e questionada por outras fontes bíblicas e extra-bíblicas, que possam ampliar e aprofundar a nossa compreensão da vontade de Deus e da realidade do mundo. Ela deve ser usada como um instrumento para nos aproximar de Deus e dos homens, e não como um fim em si mesma.