Sobre o encontro
Viemos do desconhecido. Para o desconhecido iremos. Antes que a vida possa acabar, vale a pena dar uma olhada ao redor. Que mundo cabe dentro de mim? Ou mundos? Não sei responder. Por vezes, em sonhos, tenho a sensação de que cada imagem sonhada, cada projeção, é um mundo. Neste de agora, que a consciência permite existir, em conjunto com as sensações, divago no presente em mundos passados, tais estados que eram e já não são. Conjuntos de coisas que se transformavam, em ritmos que eu assisti em deleite. Eu mesmo errava em forma e essência, e, ainda assim, não notava a morte dos estados antigos, nem o nascer dos novos. Quando noto que os céus podem conter outros reinos cheios de vida, mesmo muito além do meu alcance, não deixo de me surpreender de como a extensão do que existe é como que imensurável. Se assim é para mim, por que não seria para cada outro ser vivente que percebe o existente? Aí me “cai a ficha” de que talvez os reinos do além que reviro nos céus e na minha imaginação, ou em algum lugar entre o inacessível e a meramente palpável, esteja talvez presente não só em mim mesmo, mas em cada ser vivente que contempla o universo. Cada ser talvez seja uma forma única de contemplar o conjunto das coisas existentes. Cada ser pensante, e mesmo os não pensantes, relacionam-se com o universo em variações desiguais, não passíveis de repetição. Assim cada encontro que eu ou você possa ter com qualquer humano ou ser vivo, é como um universo que encara o outro em sua aparência externa, e bem pouco podemos apreender do outro, a não ser que dediquemos algum tempo a conhecê-lo. Se tivermos sucesso, seria como se uma consciência única da realidade fosse capaz de uma interação momentânea com outra, troca de estímulos, uma certa comunicação, sem coexistirem num mesmo momento e posição e deixarem de ser elas mesmas. Assim é, acredito, e ainda mais forte é entre nós, da mesma espécie. Isso me faz pensar em como somos privilegiados a cada encontro. Uma consciência, ou, um dado corpo vivo, uma interação entre dois ou mais seres, únicos. Uma visão ou múltiplas visões em cada um. Universos contemplados em cada ser, ou, talvez, um grande plano da existência, apreendido de diferentes posições. Seres cheios de mundos dentro de si, com percepções, experiências, sonhos, minúcias do vivido, amalgamados em algo que só a conta gotas percebemos. O encontro entre esses seres é como um privilégio. Pois jamais esses seres irão chegar tão perto e se perceberem da mesma maneira, pois em outros encontros já estarão mudados. Da mesma forma, outros seres que se foram não tiveram a chance de te “conhecer”, e igualmente você, quando encontra algo ou alguém, tem um encontro fortuito e único, pois jamais vai se repetir, e outros seres que não existem ou ainda existirão, não terão a mesma oportunidade. Em suma, valorize os encontros, porque o que superficialmente estás experimentando é quase como o encontro de universos em mutação. Mas deixe ir, porque tudo passa. Deixe os mundos serem recriados no seu devir. Aqueles que encontrardes não são seus. Não lhe pertencem. Jamais poderia tê-los, pois você mesmo é fugaz, volátil, e nem você por si é capaz de se compreender inteiramente. Acostume-se com seu devir.
Onde está o conflito? O germe que me infecta é também um encontro privilegiado? No grande jogo das probabilidades, todo encontro é como um encontro fortuito, que não se repete. Mas os estímulos e interações se dão em múltiplos planos de acasos e comportamentos. Na verdade, seria ingênuo pensar que os seres estão dispostos a te “conhecer”, como se isso fosse possível. Digo estas coisas em tom de que eu ou você, em particular, tenhamos a consciência da imensurável riqueza da existência a partir das múltiplas percepções dos seres.
O que eu diria das complexas relações humanas? O que diria da linguagem? Do ódio ou do amor? Eu diria que tudo isso estende ainda mais esse quadro de coisas que acabei expondo em uma extensão indescritível e complexa. Por hora não tenho condições de imaginá-las ou explicá-las melhor a partir do ponto de vista que esbocei. Mas algo coisa permanece: viajamos sozinhos através dessa existência própria em mutação. Não chegamos a ser outro, ou trocar de posição com o outro. Mas deles recebemos talvez algum “alô” ou um “até mais”. Outros, bem mais próximos, irão dizer “lhe amo”. Talvez com consciência disso, de que nossos encontros fortuitos foram proveitosos, e de que algum outro “universo ambulante” por aí me ama, possa rumar ao desconhecido com algum consolo.