A GERAÇÃO DO POEMA (e/ou sua mais recente versão)
Acho que sabes ou intuis, como bom leitor que és: a criação é um ato nascituro vertido do estado anímico, e, nesse instante criacional o autor normalmente está dotado de incomensurável solitude. O que equivale a dizer, segundo o Dicionário On Line de Português, no Google: “Estado da pessoa que está só, sozinha. Condição de quem se isola propositalmente ou está em um momento de reflexão e de interiorização”.
O poeta-autor, em verdade, nunca conseguirá antever como o seu leitor vai interpretar o escrito recém-nascido, especialmente quando o segundo momento de criação verbal ou os atos subsequentes objetivam a construção de uma lavratura textual que congemine entendimento sensório-intelectivo, andamento rítmico e, dotado deste patamar estético, desperte louvor em relação ao mérito da obra produzida.
Tentar uma versão cuidadosa e melhormente elaborada é para muitos poetas bem mais difícil do que aquela surgida no primeiro sopro inspiracional. Também assim eu sinto e percebo.
Nos outros momentos de criação, em regra não ocorrem fluxos de consciência que se derramam e o registro destes vai lhe dando formato através dos signos, e, sim, percebe-se a atuação do poeta artífice cinzelando a peça textual genuinamente advinda da espontaneidade do primeiro instante de criação.
É deste momento revisional que, possivelmente, vai exsurgir a forma definitiva para a peça poética. E que possam, autor e leitor, fruir, gozar e dispor dos efeitos que a Beleza e os sentires nos proporcionam.
E não há como se estabelecer limites para o número de versões que um poema (com Poesia) possa suportar. É bom nunca esquecermos que as pedras preciosas são delicadamente multifacetadas. Para atingir tais prismas sob novas óticas, leva-se tempo e trabalho.
Tenho, por aprendizagem e convicção nos meus mais de 50 anos de luta com a palavra, que o poema é um organismo vivo, portanto, nunca está efetivamente pronto para, vale dizer, ser apresentado como (sua versão) definitiva ou derradeira, a não ser quando o seu autor se transmutou para o outro plano existencial.
E lá, na outra margem do Aqueronte, se ainda houver rio, margens e fluxo, pouco ou nada sabemos, por pequenez, destinação e tempo de passagem, qual a linguagem que haverá o espiritual de munir-se para o universo da eternidade.
Se é que os lúcidos poderão ter algum dia algum descanso. Consultemos os deuses mitológicos para que Morfeu possa predominar nos quintais soturnos...
MONCKS, Joaquim. O CAOS MORDE A PALAVRA. Obra inédita em livro solo, 2023.
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