HISTÓRIA, SOCIEDADE E O IMAGINÁRIO SOCIAL

O filósofo Greco-francês Cornelius Castoriadis afirma que toda sociedade desenvolve um sistema de interpretação do mundo. Ou seja, toda sociedade é um sistema de interpretação do mundo e, por isso mesmo, o mundo como conhecemos é uma criação da sociedade em que vivemos.

Sendo assim, diz o filósofo, a própria identidade de uma sociedade nada mais é do que um “sistema de interpretação” do mundo que ela mesma cria e é isso que constitui o seu imaginário social. É por isso que toda sociedade percebe, como perigo mortal, qualquer ataque ao seu sistema de interpretação do mundo; ela entende esse ataque como se fosse um ataque contra a sua própria identidade social, ou seja, um ataque ao seu imaginário social.

Esta compreensão que o filósofo Castoriadis faz acerca do imaginário social, numa perspectiva histórica, é o centro do seu debate filosófico para o entendimento da história de qualquer sociedade; uma vez que não é possível compreender a história humana fora da categoria do imaginário social, pois, a própria história faz parte desse universo da imaginação produtiva ou criadora.

De acordo com o filósofo, a história é impossível e inconcebível fora da imaginação produtiva ou criadora, algo que chamamos de “imaginário radical” uma vez que ele se manifesta indissoluvelmente no fazer histórico de qualquer sociedade; essa imaginação produtiva ou criadora que também chamamos de imaginário radical constitui o universo de significações de qualquer sociedade; e isto é anterior a qualquer racionalidade explícita.

Essa concepção criadora do imaginário social se constrói através da via simbólica, aquilo que chamamos de “real” ou “realidade”, e se expressa em um universo de sinais. O mundo social-histórico, diz o filósofo Castoriadis, está indissociavelmente entrelaçado com o simbólico, mas não significa que se esgote nele. Encontramos primeiramente o simbólico na linguagem, mas também o encontramos igualmente materializado de outras maneiras nas instituições sociais de qualquer sociedade.

No entender do filósofo Castoriadis, as instituições sociais de uma determinada sociedade não se reduzem ao simbólico, no entanto, elas só podem existir pelo simbólico; uma vez que todas as instituições sociais constituem cada qual sua própria rede simbólica. E este simbólico ou simbolismo não pode ser nem neutro, nem totalmente adequado, uma vez que não se podem tomar seus signos em qualquer lugar, nem podem tomar quaisquer signos.

No entender de Castoriadis, os simbolismos de quaisquer instituições sociais do presente se edificam sobre as ruínas dos edifícios simbólicos precedentes, utilizando seus materiais simbólicos do passado. Toda sociedade constitui seu simbolismo, mas não dentro de uma liberdade total.

Por isso que para o filósofo Castoriadis, a história não é “sensata” e muito menos tem um “sentido”. A história é o campo onde se cria sentido, onde emerge o sentido. Ela é criação de sentido. Por isso mesmo, o imaginário social é antes de tudo portador de sentido do mundo social-histórico. Uma vez que os seres humanos estão sempre a procura de sentido; eles criam o sentidos.

É por essa busca de sentido que faz com que as sociedades desenvolvam certos tipos de imaginário social ou de significações imaginárias; uma vez que o imaginário social é que deve definir a própria identidade de uma determinada sociedade; sua articulação com o mundo, suas relações com o mundo e com os objetos que contém nele, suas necessidades e desejos. Sem a resposta a essas perguntas, sem essas definições não existe mundo humano, nem sociedade e nem cultura – porque tudo permaneceria caos indiferenciado. O imaginário é o que permite criar o mundo dando a ele sentido.

Por isso mesmo, para o filósofo Castoriadis, quando se diz "imaginário social" está se dizendo alguma coisa “inventada” – quer se trate de uma invenção “absoluta”, ou de um deslizamento, de um deslocamento de sentido, onde os símbolos já disponíveis são investidos de outras significações que não suas significações “normais” ou “canônicas”. O imaginário social deve utilizar o simbólico, não somente para exprimir-se, o que é obvio, mas para existir, para passar do virtual a qualquer coisa a mais.

Sem o imaginário social, diz o filósofo, nada se poderia dizer ou mesmo saber. É por isso mesmo, que o imaginário social, diz o filósofo, não é só apenas a capacidade de combinar elementos já dados para produzir outro. O imaginário social é a capacidade de colocar de uma nova forma. De certo modo, ele utiliza os elementos simbólicos que aí estavam, mas a forma, enquanto tal é nova. Sendo assim, a questão da construção do “real” ou da “realidade” de qualquer sociedade na história e para a história é um tema fundamental e necessário ao exercício intelectual.

A realidade de qualquer sociedade, diz o filósofo, contém sempre elementos mitológicos. O mito é essencialmente um modo pelo qual a sociedade investe de significações o mundo e sua própria vida – um mundo e uma vida que, de outro modo, seria evidentemente desprovido de sentido. E os discursos míticos acabam por sobrepor “outras falas” que envolvem toda sociedade.

O pensamento de Baczko também nos ajuda a pensar esta discussão do “imaginário social” através de um debate teórico-metodológico acerca da compreensão do que ele chamou de “imaginação social” tão presente nas ciências humanas. Para este autor, a Antropologia, a Sociologia, a Filosofia, a Psicologia e a História reconheceram as múltiplas funções da aplicação do termo “imaginário” à vida social e, em particular, no exercício do poder político.

Conforme Baczko vários são os estudos que contribuíram para a elaboração e aprendizagem das práticas e técnicas de remanejamentos dos imaginários sociais. As contribuições teóricas de Marx, Durkheim e Weber definem aquilo a que podemos dar o nome de campo clássico das pesquisas sobre os “imaginários sociais”.

Sendo assim, Baczko procura demonstrar o caráter multidisciplinar e a diversidade de abordagens e tendências metodológicas que se abrem para os estudos do imaginário social. Assim, os estudos das representações nas ciências sociais, tornaram-se categorias de pensamento que procuraram expressar a realidade: explicando-a, justificando-a e questionando-a; o que viria a ser mais tarde o entendimento do imaginário social em outras áreas do conhecimento.

Baczko procura desenvolver conceitualmente o seu entendimento de “imaginário social” afirmando que o imaginário social é uma das forças reguladoras da vida coletiva. Para o autor, toda instituição social e política está envolvida em um universo simbólico que constitui o seu funcionamento. E é através desse universo simbólico que constitui o imaginário social, uma vez que os imaginários sociais assentam num simbolismo que é, simultaneamente, obra e instrumento.

De acordo com Baczko, a função do símbolo não é apenas instituir uma classificação, mas também introduzir valores, modelar os comportamentos individuais e coletivos, bem como, indicar as possibilidades de êxito dos seus empreendimentos. Ou seja, os sistemas simbólicos em que assenta e através do qual opera o imaginário social, são antes de tudo, construídos a partir da experiência dos agentes sociais, mas também a partir dos seus desejos, aspirações e motivações.

Os mais estáveis dos símbolos, diz Baczko, estão profundamente ancorados em necessidades bastante enraizadas e, acaba por se tornar uma razão de existir e agir para os indivíduos e para os grupos sociais. É dessa forma que devemos compreender de fato o lugar que os símbolos ocupam em qualquer sociedade.

Baczko também chama a atenção para a compreensão de como o poder procurou desempenhar um papel privilegiado na emissão dos discursos que veiculavam os imaginários sociais, e ao mesmo tempo procurava conservar certo controle sobre a sua circulação e difusão. Nesse sentido, o Estado Nacional passa a ser o principal controlador das emissões de discursos e imagens.

Sendo assim, ao apoderar-se do discurso, o Estado, tornou-se responsável pelo monopólio da emissão de informação e da imagem de si mesmo e, para os outros, à sociedade como um todo. O desafio agora é também pensar que além do Estado, as grandes empresas privadas, as Big-tech, por exemplo, são difusoras e controladoras de imaginários sociais.

O pensamento de Ernst Cassirer também contribui de forma significativa para pensarmos a questão do universo simbólico do homem. Uma vez que, para o filósofo, o homem não vive somente em um universo físico, mas também em um universo simbólico. Para o autor, esse universo simbólico é constituído pelos variados fios que tecem a rede simbólica, o emaranhado da experiência humana. O mito, a arte, a religião, a ciência, a história e linguagem são os fios que tecem essa rede simbólica do universo humano e que constituem o seu imaginário social.

Conforme Cassirer, o desenvolvimento da cultura faz a realidade física parecer recuar em proporção ao avanço da atividade simbólica do homem. O homem envolveu-se de tal forma com o simbólico nas formas linguísticas, imagens artísticas, símbolos míticos ou ritos religiosos que não consegue ver ou conhecer coisa alguma a não ser pela interposição desses meios artificiais produto do seu imaginário social.

Por fim, diz Cassirer, as sociedades humanas não vivem mais em um mundo de fatos nus e crus, ou segundo suas necessidades e desejos imediatos. Vivem antes em meio a emoções imaginárias, em esperanças e temores, ilusões e desilusões, em suas fantasias e sonhos que são constituintes do seu próprio imaginário social.

REFERÊNCIAS

BACZKO, Bronsislaw. Imaginação Social. In: ENCICLOPÉDIA Einaudi, v.5, Lisboa, Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1985.

CASSIRER, E. Ensaio Sobre o Homem: introdução a uma filosofia da cultura humana. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

CASTORIADIS, C. Encruzilhadas do Labirinto II: Domínios do Homem. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.

CASTORIADIS, C. A Instituição Imaginária da Sociedade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982.

CASTORIADIS, C. Criação Histórica. Porto Alegre, Artes e Ofícios, 1992.

Wander Caires
Enviado por Wander Caires em 08/07/2023
Reeditado em 19/09/2023
Código do texto: T7832260
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