Corpos esgotados, possíveis desintegrados
"O esgotado é muito mais do que o cansado. 'Não é apenas cansaço, não estou mais apenas cansado, apesar da subida'. O cansado não dispõe mais de qualquer possibilidade (subjetiva): não pode, portanto, realizar a mínima possibilidade (objetiva). Mas esta última permanece, porque nunca se realiza todo o possível, faz-se, inclusive, nascê-lo, na medida em que se o realiza. O cansado apenas esgotou a realização, enquanto o esgotado esgota todo o possível. O cansado não pode mais realizar, mas o esgotado não pode mais possibilitar. 'Farei o possível, como sempre, não podendo ser de outro modo'. Não há mais possível: um spinozismo obstinado. Ele esgota o possível porque ele próprio é esgotado, ou ele é esgotado porque esgotou o possível? Ele se esgota ao esgotar o possível, e inversamente. Esgota o que não se realiza no possível. Acaba com o possível, para além de todo cansaço, “para acabar de novo”. (Trecho inicial de “O Esgotado”, de Gilles Deleuze).
O que podem dedos esgotados tentando perseguir o cursor que teima em ficar sempre à frente de palavras que vão aparecendo na tela fria diante dos olhos já sem brilho? A luz da tela pode compensar o fundo opaco das retinas? Haveria algum lumen dentro deste corpo inerte e quase sem vida que teima em digitar enquanto sua mente, simplesmente, vai parando?
Mas, se o corpo já não [é] mente, há de haver alguma força nos nervos que ajude a sustentar a carcaça de pé, com músculos e ossos aglutinando-se no interior da carne? O sangue ainda pulsa ou já está parando no interior das veias, prestes a coagular? O que pode um corpo que vê-se parado, mas que ainda consegue digitar?
CA - mi - NHA ?
SUS - tenta?
que - RIA?
APA - RE - ce?
DES - NU - da?
diz - MUDA?
C - a - L - a