A biblioteca cósmica

 

O rabino Yehuda Berg chama de “mundo dos noventa e nove por cento” aquela parte do universo que a nossa mente lógica não consegue penetrar. É o mundo desconhecido da Luz Ilimitada de Deus, que contém todas as possibilidades combinatórias que o universo já produziu, está produzindo neste momento e produzirá no futuro. [1]

Fazendo um paralelo com o mundo que se hospeda em nossa mente, diríamos que essa porção ignorada do universo, de que fala o rabino Berg, é semelhante ao território da nossa inconsciência. Quer dizer, aquela parte da nossa mente que é ilógica, atemporal, caótica e rebelde, mas não menos sábia e real do que a mente consciente, que tudo procura entender e organizar, mas cujo conhecimento não passa de cinco por cento do que existe dentro dela, segundo a maioria dos estudiosos do assunto.

Em termos neurológicos é aquela parte do universo mental que nós sabemos que existe, por que ela se manifesta em comportamentos inexplicáveis, em atos falhos, em nossos sonhos e desejos, mas que não conseguimos explicar nem entender. E nem como acontecem os processos que nela são medrados, os quais, muitas vezes, fazem um indivíduo se comportar de forma totalmente inexplicável.

Alguém pode acreditar em amuletos; pode achar que uma ferradura pendurada atrás da porta vai afastar os maus influxos, que um pé de coelho pendurado numa correntinha de ouro, um trevo de quatro folhas etc, fará com que lhe aconteça coisas agradáveis. Ou então acreditar que um gato preto cruzando à sua frente, um chinelo com a sola virada para cima, um corvo empoleirado no telhado etc. significa azar ou notícia ruim. E quem acreditar nisso estará certo, já que, se essa crença existe, é porque em algum lugar, em algum tempo, alguém teve uma experiência concreta em que esses estímulos sensoriais estiveram envolvidos e o resultado foi bom ou ruim. E como os resultados de todas as experiências realizadas pelos seres humanos, em todos os tempos, estão registradas no inconsciente coletivo da humanidade, então é possível, para qualquer um de nós, acessá-los e buscar nesse cabedal de memórias coletivas as justificativas para o seu próprio comportamento e alicerce para os seus pensamentos mais desencontrados.

E também para grandes descobertas e obras de grande valor científico e artístico. Podemos dizer que Einstein não “descobriu” a relatividade nem Newton a gravidade. Que Edison não inventou a lâmpada elétrica, nem Santos Dumont e os Irmãos Wrigth o avião; nem Fulton a máquina a vapor e Henry Ford o motor a combustão. Dante não “criou” a Divina Comédia nem Shakespeare as suas magníficas obras, ou Michelangelo, da Vinci, Picasso e todos os grandes pintores suas esplendidas telas. [2]

Todas as descobertas, invenções e obras artísticas já existiam no inconsciente coletivo da humanidade como informação, projeção arquetípica ou lei natural. Na verdade, elas foram reveladas por esses pesquisadores, cientistas e artistas que conseguiram estabelecer conexão entre suas mentes particulares e a Grande Mente Universal que hospeda todas as informações possíveis, imagináveis e inimagináveis.1370888.jpg

A relatividade, a gravidade, a luz elétrica, a termo dinâmica, a potência de um motor, são coisas que sempre existiram na natureza. Só não eram conhecidas pela consciência humana. Nem sabíamos como funcionavam. Os grandes artistas, inventores e cientistas revelaram a sua existência e mostraram “como” elas funcionavam. Suas mentes visitaram a biblioteca cósmica chamada Luz Infinita e de lá voltaram com essas informações.

Uma prova disso é justamente a arte. Sabemos que ela é um produto da nossa mente. Mas um verdadeiro artista diria que ela, na verdade, é um produto da alma. Pois, para ele, uma obra sem “alma” não é verdadeira arte. Seja qual for a perspectiva pela qual olhemos esse fato, a verdade é que a inteligência artificial jamais conseguirá produzir arte. Ela até pode produzir algo parecido que enganará os nossos sentidos, mas a verdadeira arte, só mesmo a alma do artista consegue produzir.

Outro argumento: nenhum cientista descobriu ainda como o nosso cérebro produz os pensamentos. Não há qualquer previsibilidade nesse processo. Nós não conseguimos controlá-lo sempre. Se pudéssemos mandar nele, fazê-lo pensar só no que queremos, a grande maioria dos nossos problemas estaria resolvido. Mas sabemos que isso é impossível. Se é assim, como negar que existem forças que atuam em nós além do que podemos controlar?

 

Um fenômeno quântico

 

O físico Roger Penrose e o anestesista Stuart Hammeroff acreditam que a consciência é um fenômeno quântico que ocorre no íntimo dos neurônios, na estrutura microscópica conhecida como microtúbulos. Essa atividade do cérebro é conhecida como Orch-Or (Orchestrated Objetive Reduction- Redução Objetiva Orquestrada).[3]

Essa teoria elimina a possibilidade de reduzirmos o fenômeno da consciência a fórmulas matemáticas, que é o mesmo que dizer, em processos físicos. Isso quer dizer que nenhum modelo da física clássica conseguirá explicar como se processa o pensamento humano.

Até porque ninguém consegue prever qual será o seu próximo pensamento. Eles são espontâneos e imprevisíveis. O cérebro é uma máquina que não padroniza respostas. Uma prova disso: tente comunicar uma ideia duas vezes com as mesmas palavras. Você verá que ele sempre sugerirá uma ou outra palavra diferente. Da mesma forma, se você lhe fizer uma pergunta, ele lhe dará um repertório inteiro de respostas, todas diferentes.

Nossa mente é duplamente controlada. Uma parte dela, como já dissemos, é controlada pela nossa consciência. É a parte que toma decisões, sugere comportamentos e produz pensamentos lógicos. Mas há ocasiões em que perdemos o controle dela e parece que há outra entidade no comando. É, por exemplo, o que a esquizofrenia paranoide faz em nós. Parece que há uma voz dentro da nossa cabeça que nos controla.  

De qualquer forma, como já dissemos, é impossível pensar só no que queremos. Por mais que nos esforcemos para manter o foco, há um momento, em qualquer tentativa de meditação, em que o pensamento sai do nosso controle.  Uma paixão avassaladora, ou uma forte inspiração artística também é um claro exemplo da perda do controle mental. Nesses casos parece que a mente trabalha independente de nós, obedecendo à uma outra fonte de comando.

A visão unilateral de um conceito ou o sequestro mental conhecido como fanatismo também pode ser considerado uma perda do controle mental. É claro que no caso de uma paixão amorosa ou uma inspiração artística, o sequestro emocional da nossa consciência tem o seu lado positivo. Mas no caso do lunático, ou do fanático, o resultado é quase sempre catastrófico.

No primeiro caso poderemos ter um Mozart, um Shakespeare, um da Vinci; no caso da paixonite aguda um Romeu e Julieta, e no caso do fanatismo tanto pode surgir um santo como Francisco de Assis, uma Joana D’arc ou um demônio como Giles de Rais, senhor feudal que sacrificou centenas de crianças em rituais satânicos, ou um Pol Pot, ditador cambojano que matou milhões de pessoas em nome de uma ideologia política. Sem falar de Hitler e seus seguidores, autores do maior genocídio que se tem notícia na História.

A importância de termos consciência disso nos dá mais liberdade de escolha. E liberdade de escolha é uma prerrogativa da nossa alma, que repercute sobre a nossa mente. Tudo isso está inserto na Energia da Luz Infinita do Criador e funciona como matéria prima para a construção do universo.

 

        O mundo dos arquétipos

 

Destarte, o cosmo e o nosso inconsciente se nos apresenta caótico porque ele é um todo e a nossa consciência só consegue vê-lo por partes. Essa intuição já estava presente no pensamento de Platão e seus seguidores. Eles identificavam um universo dividido em duas dimensões de pensamento: uma física e outra espiritual. Esta última, por ser uma dimensão sutil, era onde se encontrava o Pensamento Divino, que se manifestava em conceitos arquetípicos ideais como bem, caridade, amor, justiça, coragem, bondade etc.; a outra, a dimensão física que compreendia a mente humana, que era influenciada por esses arquétipos.

Jung, pensador moderno, médico e cientista, deu o nome de Inconsciente Coletivo a esse mundo das formas ideais platônicas. E viu nele uma espécie de enciclopédia onde tudo que a espécie humana já experimentou está registrado; e também tudo que ela soube, sabe e saberá já está ali deduzido e informado, pois nada se cria, nem se perde, apenas se transforma, e o que há vir sempre tem raiz no que já foi. [4]

         Podemos encontrar outro interessante paralelo dessas visões nas ideias expostas do filósofo Teilhard de Chardin, quando ele compara o inconsciente coletivo da humanidade com a totalidade das reflexões emanadas pela espécie humana em todos os tempos. O que ele chama de “noosfera”, ou seja, uma espécie de atmosfera espiritual que aureola a terra e fornece à humanidade inteira uma fonte de experiências psíquicas na qual ela pode se suprir para desenvolver o seu processo de aprimoramento espiritual, é, por analogia, o mundo ideal dos neoplatônicos e o inconsciente coletivo de Jung. E se esse conceito foi absorvido pelas mentes privilegiadas desses grandes pensadores, é porque ela existe e é real. Todos podemos acioná-la e usufruir dos conhecimentos nela depositados.[5]

O físico inglês Roger Penrose, parceiro de Stephen Hawking em grandes e importantes descobertas no campo da física quântica, nos dá um interessante testemunho a esse respeito: “De acordo com Platão, conceitos matemáticos e verdades matemáticas habitam seu próprio mundo real, o qual não tem tempo nem localização física. O mundo de Platão é um mundo ideal de formas perfeitas, distinto do mundo físico, mas em cujos termos o mundo físico precisa ser entendido.”, escreve ele em seu livro Sombras da Mente.”[6]

Quer dizer: Platão, Jung, Chardin, Penrose e outros pensadores e cientistas que já se debruçaram sobre esse tema concordam com um ponto em comum: nosso cérebro é uma espécie de rádio que está conectado com a totalidade do universo. Essa conexão é feita pela nossa mente inconsciente, por isso a nossa relação com ele, muitas vezes, é incompreensível e até conflitante. Mas ela é possível, como foi demonstrado por eles. Basta ter sensibilidade, disposição e vontade para isso. Tudo isso está inserto no Desejo de Receber e de Compartilhar.

 

         Centrais de energia

 

Para a Cabala, esse mundo ignorado e estranho é aquele onde a nossa mente consciente tem dificuldade para acessar porque consciência é energia que a nossa alma transmuta em matéria e matéria pertence à dimensão das coisas manifestas. Já o mundo da Luz Infinita do Criador os nossos sentidos não o percebem em razão das nossas limitações físicas e principalmente por força da nossa própria descrença. É uma dimensão espiritual que somente coma nossa alma podemos conectar.

Nesse mundo só as almas têm direito à ingresso. Às vezes sucede que alguém, em algum momento – em razão da sua própria capacidade sensitiva, ou por algum acidente cósmico – consegue estabelecer uma conexão com esse mundo luminoso. E dessa conexão consegue trazer para o nosso mundo físico alguma informação que ainda não conhecíamos. Mas não foi a mente dessa pessoa que fez essa conexão, mas sim a sua alma. Só ela tem essa possiblidade, porque ela é uma centelha da Energia do Criador. A mente não. A mente é projeção dessa Luz que ela captura nessa biblioteca cósmica que é a Luz Ilimitada do Criador e emite no mundo físico na forma que chamamos de pensamento.

 

Essa energia capturada está essência do que chamamos de mente. Ele é a energia que vem da alma para ativar o cérebro na produção dos pensamentos. Por se manifestar em forma de Luz (produzindo as sinapses) ela é o que chamamos de Espírito. Por isso, a mente, para os pesquisadores da ciência neurológica é um epifenômeno, ou seja, consequência de um fenômeno anterior que o antecede. Ela atua por força dessa luminosidade que recebe da sua alma e se transforma em seu Espírito e lhe dá o sentimento do “ser”.

O sentimento de “ser” distingue o ser humano das outras espécies vivas. Esse sentimento se identifica pela capacidade de refletir. Como diz Teilhard de Chardin, essa capacidade se dá pelo enrolamento da energia vital sobre um determinado órgão, que é o cérebro.[7]

Isso quer dizer que o cérebro é uma espécie de dínamo, que recebe da alma a energia que provoca a reflexão, mas ele não é a reflexão. O “eu sou” que caracteriza o ser humano é uma realidade emancipada dele e tem uma identidade própria que podemos chamar de personalidade se quisermos nos manter no mundo físico, ou de Espírito, se quisermos trabalhar com a realidade do mundo sutil. A mente, em relação ao cérebro, é como uma música em relação ao rádio que a toca ou ao músico que a executa. Da mesma forma, a persona que se forma a partir da mente também é uma realidade emancipada dela e sobrevive à ela na forma do seu Espírito, o qual se integra, como energia, na totalidade das reflexões emitidas pela humanidade, como pensa Teillhard de Chardin com o seu conceito da noosfera.

Por isso, também diz o mestre Shimon Ben Yochai: “Em três coisas: o espírito, a alma e a vida dos sentidos, nós encontramos uma representação fiel dos mundos superiores. Pois essas três coisas não formam senão um só ser, onde tudo está junto e em unidade. A vida dos sentidos não possui por si mesma luz alguma, mas por essa mesma razão está intimamente ligada ao corpo, para o qual procura os prazeres e o sustento de que ele necessita. Por cima da alma se eleva o espirito que a domina e derrama sobre ela a luz da vida. A alma é clareada por essa luz e depende (em vida) inteiramente do espírito. Depois da morte a alma não pode encontrar repouso, nem estão abertas para ela as portas do Paraíso até que o espírito não tenha ascendido à sua fonte (integrado como energia) para reabastecer-se no Ancião dos Dias por toda a eternidade. ”.[8]

Podemos até dizer que o nosso cérebro funciona como se fosse um computador. Mas ele não é o único que tem essa qualidade. O cosmo inteiro também tem seus “programas”. Cada partícula e cada átomo são criados e controlados por uma “Mente” que exerce sua “Vontade” sobre eles, no sentido de que as leis naturais se cumpram e resultem no que chamamos de universo físico.

A Energia que constrói o universo é inteligentemente distribuída e manobrada para que as coisas aconteçam de determinado modo e não de outro. Não há aleatoriedade no universo. Por isso Einstein disse que “Deus não joga dados”. É desse modo que ocorrem as grandes descobertas, as grandes obras do intelecto são realizadas, as formidáveis intuições dos taumaturgos se cristalizam, as ideias geniais são produzidas. O dono da mente que realiza essa proeza é tido como gênio e o prêmio Nobel é a síntese desse reconhecimento. Mas, na verdade, o melhor título que se poderia dar a ele é o de grande descobridor, porque o que eles fizeram é, na verdade, uma incursão em um mundo desconhecido, um mundo que a Cabala anuncia desde que a humanidade começou a refletir. Newton, Einstein, Galileu, Platão, Sócrates, Dante, Hawking, Shimon Ben Yochai, todos os pensadores e cientistas, assim como todos os fundadores de religiões, como Moisés, Sidarta Gautama, Jesus, Maomé, Zoroastro e outros, são algumas dessas mentes que conseguiram conectar-se com o mundo da Luz Infinita do Criador. É nesse sentido que acreditamos ser essa Luz uma verdadeira central de energia que abastece o universo de todas as realidades que nele são criadas.

Ainda hoje há quem chame à essas incursões de milagres, mas para a tradição cabalística elas são apenas materializações de informações que o Zhoar já veiculou há muitos séculos, mas que só agora está sendo colocadas para o nosso conhecimento. 

    (SÍNTESE DO CAPITULO SETE DO LIVRO " ESTRELA FLAMEJANTE"- NO PRELO)


[1] O Poder da Kabbalah, citado, pg 32

[2] Na imagem, afresco de Michelangelo, pintado no teto da Capela Sistina, no Vaticano, mostrando Deus criando o homem. Fonte: Enciclopédia Barsa.

[3] Citado por Capra e Kafatos em Você é o Universo, pg. 196

[4] Na imagem, o psiquiatra e filósofo Carl Gustav Jung-Fonte: Enciclopédia Britânica.

[5] Pierre Teilhard de Chardin. O Fenômeno Humano, São Paulo, Cultrix, 1968

[6] Citado por Yahuda Berg, O Poder da Kabbalah, op citado

[7] O Fenômeno Humano, op citado.

[8] Zhoar, citado, pg. 144