Sobre o belo na obra de arte - breve ensaio
O que é o belo numa obra de arte? Será o belo o ordenamento equilibrado das cores, a perfeição na representação do objeto, será a riqueza de detalhes reproduzidos em cada minúcia? Será o belo numa obra de arte o despertar das emoções que, por razões até aquele instante, estavam adormecidas? Será, ainda, o belo o instante imediato que o observador se percebe dotado de uma capacidade reflexiva que antes ele julgava monopólio dos especialistas? Mais ainda, será o belo o limiar de um sentimento que, por razões ignoradas pelo espectador, no instante mesmo que se depara com a obra de arte, como o acender de uma luz, proporciona ao observador, antes alheio, porque não tocado, ver nuances que a realidade por vezes impede?Ou, ainda mais, será o belo numa obra de arte, o registro de um tempo, acontecimento ou imagem que passariam para a posteridade como memória, quando muito, ou mesmo, seriam perdidos no oceano do esquecimento e que, ao ser registrado num quadro, poema, música, ou qualquer outra manifestação artística, no teatro por exemplo, se imortaliza? Mas, alguém poderá objetar : no teatro a história representada se perpétua enquanto encenada, ao final da apresentação e quando as cortinas descem, tudo volta ao curso normal da vida, tudo já é passado e, portanto, sujeita ao esquecimento? Sim e não, poderá ser a resposta. Sim, se se considerar a representação como um fato atinente apenas àquele instante e dependente do espectador. Não, se considerar que mesmo sujeita à capacidade de o espectador conseguir reter em sua memória a representação assistida, não depende disso a permanência da representação. Uma vez encenada, mesmo que sob o risco e sujeita ao esquecimento por quem a viu, sua perenidade se assenta no roll do imaginário coletivo. Noutras palavras, a representação se eterniza no instante mesmo de sua elaboração. No fazer fazendo, ato por si só revelador da perenidade do representar, pois que, a seu modo, cada participante guardará em sua configuração humana, seja corporal, psíquica ou oral, mesmo que só fragmentos, do que vivenciou. A "coisa" vivida, como uma segunda pele, se fixa e faz morada; somos depositários de acontecimentos, somos, mesmo sem essa consciência, guardiões, porque temos memória, de tudo que nos chega. Somos feitos de camadas vividas, somos sítios arqueológicos ambulantes. Vivenciar um acontecimento, mais que qualquer outro registro, é algo que, quem vivenciou, jamais esquece.
O que é o belo numa obra de arte, então, se não, a capacidade que a obra adquiriu de existência, ainda que imperceptível, na vida, ou na memória, de quem pôde, com ela, ter contato. Pensemos na possibilidade de o sujeito observador conseguir ficar imune ao contato com a obra de arte. Será, nesse aspecto, possível, que a obra de arte perca sua capacidade de existência e, por extensão, perca seu status de obra de arte? Terá o belo, em consequência, perdido, igualmente, a possibilidade de tocar as emoções, os dispositivos mentais, e até orgânicos, do sujeito e, nesse aspecto, o belo nada será que mais uma palavra perdida no mar de tantas outras palavras perdidas?
Assim, outra questão se coloca: em que medida uma obra de arte é uma obra de arte e o que lhe outorga esse status?
É a obra de arte o resultado imediato de sua aparição e disposta ao juízo público e do público? Confere -se esse status, de obra de arte, somente por sujeitar-se à avaliação geral ou somente especialistas detém esse monopólio, cuja análise, sem embargos de revisão, dará, porque pronunciada por especialista, à obra apreciada, a auréola de obra de arte? É o especialista autorizado a penetrar a intimidade da obra de arte e nela apreender a verdade oculta e o profundo sentido? (Hegel, Col. pensadores - a concepção objetiva da arte de, pág 73, 1999). Se assim é, então, será obra de arte somente aquela referendada por especialista? E uma vez estabelecido, e aceito, que só especialistas podem opinar, e classificar, sobre o que é uma obra de arte, nesse aspecto, não será obra de arte quando a manifestação partir de um mero observador. Será, com espanto, a elitização do que se poderia chamar de bom gosto, pois, é da tradição corrente que especialistas são pessoas qualificadas, e detentoras, de certo conhecimento, e, por isso, bom gosto, que nada, ou tudo, fora de sua esfera apreciativa, será coroada de obra de arte. Desse modo, bom gosto, por força da sua própria significação, nos remete a outra camada de discussão: trata -se, como elemento constitutivo, saber, ou tentar desvendar, a ideia de feio e bonito. É consensual que bonito é tudo aquilo que não agride a vista, isto é, que, se se considerar que nosso primeiro contato com qualquer objeto se dá pela visão, assim, tendemos a rejeitar, e classificar de feio, o que não nos agrada de imediato. Se assim é, a questão de se tentar estabelecer o que é, ou, o que ou quem detém o Saber a respeito de uma obra de arte, leva-nos, o que de certo modo simplifica o debate, para o subjetivismo de cada um, na medida que não se tem um critério objetivo sobre o que é feio ou bonito. Encerrar a discussão sob o dístico do subjetivismo é estabelecer, e concordar, que a obra de arte nada mais será que apenas um objeto dotado de certo magnetismo o que, pode significar a deificação de uma obra condenada à sagralização e, portanto, destituída da possibilidade de encantamento que uma obra deve suscitar, é impedir que a opinião do observador tenha direito à relevância, tanto quanto, à do especialista, na medida que ambos, em seus próprios momentos, depositam, e por isso, contribuem para a perenidade da obra de arte; enquanto existir quem se dispõe a apreciar uma tela, por exemplo, haverá sempre a possibilidade de sua perenidade. Feio e bonito, são conceitos dependentes de determinado tempo e espaço históricos, por isso, relativos, e obra de arte, ao contrário, transpassa ao próprio tempo, posto que, o status de obra de arte parece trazer em si um quê de intimidade (e mistério) oculta que, de maneiras diferentes, e muito particulares, tocam tanto o simples apreciador quanto o especialista.