SEM-VERGONHA

SEM-VERGONHA

"Eles não nos cumprimentaram ou mesmo sorriram. Pareciam oprimidos não apenas pela compaixão, mas pelo... sentimento de culpa de que tal crime pudesse existir."

LEVI, Primo. "É Isto Um Homem?" (1947)

27 de Janeiro

Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto

Após o desastre da Operação Barbarrossa (operação alemã de invasão da URSS) o Exército Vermelho contra-atacava sem misericórdia. Sedentos de vingança contra os alemães nazistas, nada ficava no caminho dos soviéticos. O desejo de vingança era tamanho que muitas vezes os russos era considerados uma ameaça quase tão grande quanto os próprios alemães. Inúmeros crimes, de assassinatos a estupros coletivos, foram cometidos durante o avanço do exército soviético. E nenhum país sofreu mais nas mãos do comunismo soviético, da Segunda Guerra à Queda do Muro de Berlim, do que os poloneses - o comunismo é proibido por Lei neste país.

Mas nem mesmo o fogo do ódio e da vingança pôde preparar os russos para o que eles presenciariam no sul da Polônia no começo de 45.

"Nós vimos pessoas magras, torturadas, exaustas. (...) Podíamos ver por seus olhares que estavam felizes de serem salvas daquele inferno."

Ivan Martynushkin, veterano russo.

27 de janeiro de 1945. Sábado à tarde. Foi neste dia em que os soldados soviéticos se depararam com aquilo que não poderiam imaginar nem em seus piores pesadelos: um complexo gigantesco cujo único objetivo era o assassinato em escala industrial de inimigos do partido alemão: ciganos, deficientes físicos e mentais, poloneses, negros, soviéticos, homossexuais, Testemunhas de Jeová, opositores políticos e, sobre tudo, judeus.

Este era Auschwitz-Birkenau, o maior e mais terrível campo de extermínio nazista onde eram assassinadas até seis mil pessoas por dia num processo industrial e extremamente eficiente de extermínio como nunca antes visto na História.

Entre 1941 a 1945 estima-se que 1,1 milhão de pessoas foram assassinadas em Auschwitz, das quais quase 1 milhão eram judeus. Quando os soviéticos libertaram Auschwitz apenas 7 mil prisioneiros haviam sobrevivido, todos muito doentes, extremamente magros e fracos. Muitos sequer conseguiam ficar de pé. Outro tanto sofria de severos traumatismos psicológicos.

Dentre os prisioneiros havia cerca de 500 crianças.

Porém, este era apenas um dos 48 campos de concentração nazistas, dos quais 10 eram dedicados exclusivamente ao extermínio em massa - Auschwitz-Birkenau, Belzecm, Chelmno, Jasenovac, Lwów, Majdanek, Maly Trostenets, Sobibór, Treblinka e Varsóvia. Além de assassinatos em massa nestes campos também aconteciam todo tipo de crime e violação. De trabalhos forçados a sessões de tortura, de espancamentos a experiências com pessoas vivas.

Os campos de concentração e extermínio nazistas são o símbolo máximo daquele que ficou conhecido como o maior genocídio do século XX, o Holocausto. O número de mortos pelo Holocausto é oficialmente colocado em cerca de seis milhões de pessoas pelos dois principais centros de documentação, o Yad Vashem (Memorial Oficial das Vítimas do Holocausto), em Israel, e o Museu do Holocausto, em Washington. Sendo cerca de três milhões de homens, dois milhões de mulheres e um milhão de crianças.

Já o historiador americano Timothy Snyder, em sua obra "Terras de Sangue: a Europa entre Hitler e Stalin", vai além e contabiliza também as vítimas do regime comunista soviético e nos dá uma perspectiva ainda mais terrível do número de "vítimas políticas diretas deliberadas" dos regimes totalitários na Europa durante as décadas de 30 e 40: 3,3 milhões de soviéticos mortos de fome na Ucrânia (um evento conhecido como "Holodomor", a Grande Fome); 700.000 vítimas do Grande Terror de Stalin (genocídio perpetrado pelo regime soviético entre 1936 e 1937); 200.000 poloneses executados entre 1939 e 1941 pela URSS; 4,2 milhões de soviéticos mortos de fome sob a ocupação nazista; 5,4 milhões de judeus mortos por gás ou fuzilados; 700.000 civis assassinados pelos alemães em represálias.

Total: 14 milhões de mortos. Pelo menos.

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Os regimes totalitários durante as décadas de 30 e 40 na Europa, isto é, o Franquismo Espanhol, o Fascismo Italiano, o Nazismo Alemão, o Comunismo Soviético, vão muito além dos crimes e assassinatos cometidos. São a representação mais significativa do terror, do verdadeiro terror e sofrimento que um ser humano é capaz de perpetrar em nome de um regime, em nome de um grande líder, em nome de uma ideologia política; enfim, em nome de seu próprio ego.

As vítimas, infelizmente, não param na já absurda contagem de mortos e vítimas diretas. Se você parar pra pensar em cada uma dessas vítimas diretas e que muitas delas tinham familiares e amigos em outros lugares; se você parar pra pensar nos soldados que se depararam com os campos de extermínio pela primeira vez; se você parar pra pensar nos médicos que atenderam os sobreviventes; se você parar pra pensar quando aquelas histórias e imagens começaram a circular pelo mundo nos jornais e as pessoas sem acreditar no que liam. Se você parar pra pensar nos milhões de alemães que não sabiam exatamente o que estavam apoiando, que desconheciam a magnitude e a perversidade daquilo que eles apoiavam de modo cego e bovino, seja por estupidez, seja por rancor, seja por revanchismo ou seja por pura ignorância, e quando finalmente eles foram obrigados a encarar aquilo que eles ajudaram a causar. Se você parar pra pensar em todo um grupo de pessoas que nunca vai realmente se curar completamente disso, que em algum momento em algum lugar na sua família existe alguém que foi vítima desse pesadelo. Se você parar para pensar nas vítimas indiretas, eu garanto que a conta entra na casa dos bilhões facilmente.

E isso tudo falando exclusivamente do totalitarismo na Europa entre os anos 30 e 40. Podíamos citar ainda o Império Japonês, naquela mesma época. O Varguismo no Brasil. O Peronismo, na Argentina. Mais tarde, Pinochet, no Chile, o Regime Militar, no Brasil, Amin Dada, em Uganda, Gaddafi, na Líbia, Fidel Castro, em Cuba, Chávez e Maduro, na Venezuela, o Khmer Vermelho de Pol Pot, no Camboja, a Revolução Chinesa, etc.

Hoje, no Brasil, temos uma intensa divisão que, no meu entendimento, vai muito além da política. Acredito ser também uma divisão de ordem cultural, social, ética e moral.

Tornou-se extremamente comum e corriqueiro que um destes grupos se refira aos seus opositores como "fascistas", ou ainda como "nazistas", como se pudesse ser estabelecida uma relação entre um grupo que pregava e cometia abertamente assassinatos em massa a outro que simplesmente pensa diferente e tem opiniões contrárias à do primeiro grupo.

E isso, infelizmente, já parece não causar tanto espanto assim devido à banalização do termo. Isto é, "vulgarizar, tornar irrelevante aquilo que é significativo", conforme nos ensina o dicionário Aurélio. Valores importantes passam a ser minimizados e aquilo que é errado passa a ser considerado normal. E é aí que entra o meu entendimento de que vivemos também uma divisão ética no Brasil atualmente.

A banalização de termos pesados e carregados de significado como "fascista" ou "nazista" não apenas revela a falta de respeito ao léxico e à semântica, mas, sobre tudo, a falta de respeito e vergonha na cara do indivíduo que se utiliza desses termos em toda e qualquer discussão na qual ele não tenha argumentos muito mais profundos do que um pires.

"Usar demais a palavra fascismo não cria uma reação hostil a ele. Ao contrário, torna-o fascinante para tantos desgraçados em busca de respostas simples. Quem se apropria de maneira irresponsável dessa palavra arrisca a ampliar o neofascismo, em vez de combatê-lo". Palavras do professor Emilio Gentile, um dos principais historiadores italianos e uma das maiores autoridades em fascismo no mundo.

Portanto, se você parar pra pensar com um mínimo de seriedade, com um mínimo de bom senso e, sobre tudo, com um mínimo de respeito, chegará à conclusão de que não é nem um pouco educado e nem um pouco ético chamar qualquer pessoa de fascista ou de nazista apenas para satisfazer sua sanha militante. A banalização destes termos o tempo todo é um sintoma importante de uma doença moral extremamente grave, fruto de algo ainda mais debilitante conhecido como "cegueira ideológica". Em suma, é o atestado definitivo de uma pessoa que já desistiu de pensar sozinha.

E vou além.

Para mim, essa falta de respeito e de consciência não apenas denotam cegueira ideológica, não apenas comprovam uma inércia e uma preguiça de pensar. Para mim, mais do que tudo, essa falta de respeito demonstra sem-vergonhice e falta de caráter.

Portanto, toda vez que você ver alguém dizendo "fascista" ou "nazista" de graça por aí, chame-as do que elas são: sem-vergonha.

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FONTES E CONSULTAS

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"Por que as vítimas do Holocausto são lembradas em 27 de janeiro", por National Geographic. 27/01/2023.

https://www.nationalgeographicbrasil.com/historia/2023/01/por-que-as-vitimas-do-holocausto-sao-lembradas-em-27-de-janeiro

"1945: Libertação de Auschwitz-Birkenau", por Birgit Görtz em Detsche Welle. 27/01/2017.

https://www.dw.com/pt-br/1945-liberta%C3%A7%C3%A3o-do-campo-de-concentra%C3%A7%C3%A3o-auschwitz-birkenau/a-1465691

"Libertação de Auschwitz: como o campo de extermínio se tornou o centro do Holocausto nazista", por BBC News. 25/01/2020.

https://www.bbc.com/portuguese/geral-51220464

"Dia em memória das vítimas do Holocausto: estudantes do RN publicam livro com cartas para Anne Frank", por G1. 270

https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2023/01/27/dia-em-memoria-das-vitimas-do-holocausto-estudantes-do-rn-publicam-livro-com-cartas-a-anne-frank.ghtml

"Veja imagens da libertação de Auschwitz há 75 anos", por G1. 27/01/2020.

https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/01/27/veja-imagens-da-libertacao-de-auschwitz-ha-75-anos.ghtml

"Victims of the Nazi Era: Nazi Racial Ideology", em Holocaust Encyclopedia. United States Holocaust Memorial Museum.

https://encyclopedia.ushmm.org/content/en/article/victims-of-the-nazi-era-nazi-racial-ideology

"Campos de Concentração Nazistas", por Juliana Bezerra em Toda Matéria.

https://www.todamateria.com.br/campos-de-concentracao-nazistas/

"¿Por qué hablamos de seis millones de muertos en el Holocausto?", por Guillermo Altares em El País. 16/09/2017.

https://elpais.com/politica/2017/09/13/sepa_usted/1505304165_877872.html

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"A Banalização das Palavras e a Distorção da História", por Ana Paula Henkel em Revista Oeste. 12/02/2021.

https://revistaoeste.com/revista/edicao-47/a-banalizacao-das-palavras-e-a-distorcao-da-historia/

"Emilio Gentile". Biografia em Bertrand Livreiros.

https://www.bertrand.pt/autor/emilio-gentile/412316

"Brasileira explica “o horror” do comunismo na Polônia", em Pleno News. 27/07/2020.

https://pleno.news/mundo/brasileira-explica-o-horror-do-comunismo-na-polonia.html

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"Polônia, a primeira a derrotar o comunismo, simboliza mudança no Leste Europeu", por Folha Política em JusBrasil.

https://folhapolitica.jusbrasil.com.br/noticias/150335904/polonia-a-primeira-a-derrotar-o-comunismo-simboliza-mudanca-no-leste-europeu

"Polónia proíbe qualquer referência ao comunismo no espaço público", por Mundo ao Minuto. 20/05/2016.

https://www.noticiasaominuto.com/mundo/592481/polonia-proibe-qualquer-referencia-ao-comunismo-no-espaco-publico

"Totalitarismo", em Brasil Escola.

https://brasilescola.uol.com.br/historiag/totalitarismo.htm

"Regimes totalitários", em Mundo Educação.

https://mundoeducacao.uol.com.br/historiageral/regimes-totalitarios.htm

"Grande terror stalinista", em Mundo Educação.

https://mundoeducacao.uol.com.br/historiageral/grande-terror-stalinista.htm

"Holodomor", em Mundo Educação.

https://mundoeducacao.uol.com.br/historiageral/holodomor.htm

"List of Nazi concentration camps", em Wikipedia.

https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_Nazi_concentration_camps

"The Holocaust", em Wikipedia.

https://en.wikipedia.org/wiki/The_Holocaust