Ensaio do De re rustica de Varrão: O Paralelo Entre o Governo dos Animais com o Governo dos Homens

O ensaio possui o objetivo de abordar questões presentes no Livro II de Varrão, bem como sua historiografia. Além disso, essa obra é importante para compreender o que o filósofo está querendo retratar para a época, no caso, Roma antiga, mais precisamente a República Romana. O pensador romano tem o propósito de demonstrar um paralelo entre o governo dos animais e o governo dos homens.

É patente demonstrar que a abordagem do livro II é voltada para a pecuária nas províncias romanas. Diante desse cenário, vale ressaltar os animais apresentados em seu livro são: asnos, cabritos, cães, bois, cavalos, mulas, ovelhas e porcos colaborando para uma descrição da vila pastoril romana, não descartando a agricultura das suas abordagens. Varrão tem um estilo de escrita, demonstrando a natureza dos animais com o desígnio de retratar como é o cotidiano de Roma, a partir de suas análises sobre a vida campestre e pastoril romana.

Dentro desse contexto, o autor aborda questões consideradas como denúncias sociais romanas, inseridas na ótica da escrita sobre os animais. De certo modo, a reflexão dos principais aspectos que norteiam Roma, à luz do seu pensamento sobre a pecuária. Não só isso, mas também uma comparação entre Grécia e Itália, com o objetivo de realizar um balanço sobre as questões sociopolíticas, desses dois Países.

Não se pode negar como escritor e filósofo romano, Varrão realiza este panorama sobre os animais e o campo tendo como enfoque por trás de suas abordagens não só como recurso retratar as comparações e os principais aspectos de Roma, a partir da temática dos animais, mas também como se dá o modo e a criação dos mesmos. Para isso, utiliza de várias formas, desde as características que cada animal possui, como: idade, gênero, tamanho e proporção, reprodução e a alimentação até a forma que vivem nos ambientes rurais.

Destacam-se os métodos e técnicas que Varrão descreve para se ter boas criações, além disso, os nomes dos donos são provenientes de cada rebanho responsável por cuidar, em questão. O filósofo apresenta cada criação, não descartando os principais elementos, facilitando a compreensão da sua narrativa e seu raciocínio, a partir dos conteúdos presentes. Varrão demonstra como são criados os animais na Itália e demais localidades, não descartando, uma supremacia dos animais das províncias romanas, principalmente no capítulo VII.

A partir dessa introdução feita para compreender a narrativa de Varrão, onde propõe no Livro II, ressalta-se análises de alguns animais em comparação com o governo dos homens, associando-se com a proposta do autor sobre o que realmente quer abordar, em questão. Nesse ínterim, a escrita do pensador romano tem o intuito de tematizar a natureza da realidade, enfatizando os aspectos de Roma, como os políticos e sociais.

Dentro dessa interpretação dos animais destacam-se os bois em um primeiro momento. Segundo Varrão, os domesticados são ótimos para o trabalho e predominam na Itália. Nota-se uma hegemonia por trás dessa análise do autor, bem como deve ser a política romana, caracterizada por meio de um bom governante e que exerça um poder favorável. Pode-se observar, segundo o autor: “Vê o que fazes”, digo, “ó Vácio, pois o boi deve ser o maior modelo entre os animais domésticos, especialmente na Itália, que se julga ter recebido o nome dos bois. (VARRÃO, Livro II, 6).

Compreender a obra de Varrão sobre a questão dos animais, mais precisamente a pecuária, é se situar em qual foco, o autor está conduzindo sua escrita. O que de certo modo, demonstra aspectos implícitos sobre as questões do fim da República e o início do Império, mas que explicitamente há uma síntese sobre cada animal. Descrevendo suas principais características, delineando o leitor para uma análise sobre a dignidade da pecuária, não descartando seu objetivo, no caso, associações dos animais e seus atributos com o governo de Roma.

A partir da citação sobre os bois e intercalando com as ideias implícitas sobre o que Varrão pretende demonstrar, pode-se perceber um caráter hegemônico aplicado na Itália. Onde ao afirmar sobre o maior modelo dentre os animais há uma caracterização sobre o governo da Itália, no qual se deve ter um governo assíduo, atendendo as expectativas do povo, em si. No que tange nesse contexto, o autor dialoga com a temática:

"Quem deseja comprar um rebanho de bois deve primeiro observar que sejam esses animais, pela idade, antes bons para gerar cria do que já estéreis que sejam bem proporcionados, de membros intactos, alongados, grandes, de chifres negros, de fronte larga, de olhos grandes e negros, de orelhas peladas, de maçãs estreitas e focinho um tanto chato, não corcundas, de coluna levemente rebaixada, de narinas abertas, de lábios escurecidos, de colos espessos e longos, projetando-se uma ‘crista’ deles, de corpo dotado de costas fortes, de espáduas largas, de traseiros vistosos; e que tenham a cauda caída até os calcanhares, a parte inferior encrespada com muitos pelos, sejam de pernas de preferência curtas e retas, de joelhos salientes distando entre si, de patas não largas nem voltadas para fora ao andar, sem cascos a abrirem-se, de cascos ligeiros e iguais, de couro nem áspero nem duro ao tato, de preferência de cor negra, depois avermelhado, em terceiro lugar castanho, em quarto branco; o pelo mais macio é esse, assim como o mais duro o primeiro. Dentre os dois intermediários, o primeiro leva mais vantagem que o posterior, e ambos são mais abundantes que os negros e brancos. Além disso, que sejam os machos de boa raça. Deve-se observar o seu físico, pois os descendentes reproduzem a aparência dos pais". (VARRÃO, Livro II, 6).

Varrão apresenta às características do boi podendo ser aplicados no contexto de Roma. Importante os atributos que são feitos pelo referido autor, de modo que são qualidades específicas e bem colocadas para um animal de grande porte, como o boi. Atribuições que são feitas com uma linguagem implícita de Varrão, demonstrando como deve ser um governo ou um imperador, de fato.

Ainda nessa questão, insere-se a questão dos cães conectando-se com o presente raciocínio. Os cães para Varrão são importantes para o pastoreio, pois servem como guardião dos rebanhos, onde precisam desse animal para defender-se. Agregando essas informações com o presente panorama:

"A alimentação do cão é mais próxima da do homem que a da ovelha. Alimentam-se, com efeito, de comida e ossos, não de ervas ou folhas. Deve-se cuidar com empenho de que tenha víveres. A fome, com efeito, vai levá-los a buscar alimento se não for oferecido, e afastará do rebanho; se não é que, como alguns entendem, chegarão a descumprir o velho provérbio ou mesmo a encenar o mito de Acteão e a usar os dentes contra o senhor. Deve-se dar pão de cevada, de preferência desfeito no leite, pois, acostumados a comer esse alimento, não abandonam rápido o rebanho". (VARRÃO, Livro II, 10).

Dentro desse ângulo, tem-se uma interpretação como é o modo de vida do cão, as atribuições que devem ser aplicadas para o referido animal associando-se como o governo dos homens deve ser mantido ou até mesmo como a política romana deve ser mantida e exercida, em questão. Varrão aborda os animais retratando a vida no campo, com ênfase na agricultura e na pecuária, além disso, sua escrita tem algo implícito. Há no caso, uma forma de linguagem de se apresentar sua temática. Diante desse cenário, o modo de sua escrita se aproxima de Hayden White, no tocante ao aspecto da forma de apresentar o conteúdo, mas com uma mensagem implícita.

Hayden White propõe no capítulo, "O texto histórico como artefato literário" presente em seu livro, - Trópicos do Discurso – Ensaios sobre a Crítica da Cultura, as seguintes ideias intercalando com a presente análise feita, onde: “A narrativa histórica não imagina as coisas que indica: ela traz à mente imagens das coisas que indica, tal como o faz a metáfora”. (WHITE, 1994:108). Além disso, segundo o autor: “A metáfora não imagina a coisa que ela procura caracterizar; ela fornece diretrizes que facultam encontrar o conjunto de imagens que se pretende associar aquela coisa”. (WHITE, 1994:108).

As citações de White ajudam compreender a linguagem de Varrão correlacionando com o conteúdo do filósofo romano desenvolvido no livro II. A partir dessa configuração, os animais que tiveram maiores destaques foram os cães e os bois, congregando-os com o governo dos homens, em questão. Nesse cenário e incorporando com o pensamento do escritor norte-americano:

"É isso que me leva a pensar que as narrativas históricas são não apenas modelos de acontecimentos e processos passados, mas também afirmações metafóricas que sugerem uma relação de similitude entre esses acontecimentos e processos e os tipos de estória que convencionalmente utilizamos para conferir aos acontecimentos de nossas vidas significados culturalmente sancionados. Vista de um modo puramente formal, uma narrativa histórica é não só uma reprodução dos acontecimentos nela relatados, mas também um complexo de símbolos que nos fornece direções para encontrar um ícone da estrutura desses acontecimentos em nossa tradição literária". (WHITE, 1994:105).

Varrão apresenta uma linguagem técnica, expondo as características, bem como a maneira de se tratar um determinado animal. Assim, apresentando por meio de sua literatura agrária romana, as descrições das pecuárias de grande e pequeno porte. Por meio disso, há por trás de algumas descrições sobre os animais uma linguagem subjacente, demonstrando o que quer retratar, de fato.

A partir dessas questões, vale destacar que a presente análise teve como objetivo demonstrar um paralelo entre o governo dos animais e o governo dos homens na perspectiva de Varrão no livro II. Além disso, o enfoque foi direcionado nos animais que se aproximam das ideias, das quais, o escritor romano almeja demonstrar. Com isso, ganha destaque associações dos assuntos tematizados por Varrão com o raciocínio do Historiador estadunidense, Hayden White colaborando com as informações que o ensaio teve o intuito de realizar, em questão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

VARRÃO. Das coisas do campo. Trad. Matheus Trevizam. Campinas: Editora Unicamp, 2012.

WHITE, Hayden. O Texto Histórico como Artefato Literário. In: Trópicos do Discurso: Ensaios sobre a Crítica da Cultura. Tradução de Alípio Correia de Franca Neto. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994. (Ensaios de Cultura; vol. 6).

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Ensaio escrito com algumas modificações. Elaborei quando estava no último período da minha graduação em História, Dezembro de 2018.

Interdisciplinaridade com conteúdos da História Antiga e Teoria da História.

Davi Carvalho
Enviado por Davi Carvalho em 18/05/2023
Código do texto: T7791638
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