MEMORIAL LUCAS TERRA

*Por Antônio F. Bispo

Entre os dias 25 e 30 do mês anterior, o caso Lucas Terra voltou à tona com certa intensidade.

Diversos canais de imprensa anunciavam o desfecho do caso, comentando sobre o julgamento e condenação dos acusados no envolvimento da morte deste adolescente de 14 anos, ocorrido 22 anos atrás.

Hoje, 14 de Maio, menos de 20 dias se passaram e boa parte da mídia e das redes sociais parece ter esquecido o ocorrido.

Apesar de alguns darem o caso por encerrado, os advogados dos condenados parece não ver da mesma forma e segundo algumas fontes jornalísticas, anunciaram que irão recorrer.

Será que veremos o sofrimento da mãe deste jovem se estender por tantos outros anos?

Para quem não tem acompanhado essa triste história, de acordo com as informações policiais, Lucas Terra teria sido estuprado e assassinado por dois pastores da Universal na Cidade de Salvador-Ba, Brasil. Depois do ocorrido ele teve o seu corpo queimado e desovado em um terreno baldio na mesma cidade, tento sido encontrado dias depois em estado de decomposição.

De acordo com as mesmas fontes, o crime ocorrera em Março de 2001, supostamente depois de o garoto ter flagrado os dois religiosos em um coito homossexual.

Desde então, sua mãe incansavelmente tem buscado por justiça perante as autoridades competentes e nunca deixou de clamar por meios diversos, que os acusados da morte de seu filho fossem julgados e condenados.

Era só isso que ela queria, já que não podia tê-lo de volta.

O rosto desta pobre senhora de nome Marion Terra tem sido uma constante em vários sites e meios de comunicação em geral. Sua luta e dedicação jamais deveriam ser esquecidos.

Sua história por diversas vezes comentada em rádios ou canais de Canais de TV, também foi abordado por influencers ou jornalista independentes ao longo destas duas décadas.

A sua imagem segurando a foto do seu filho não sai da cabeça de muita gente. É de cortar o coração.

Sempre abatida, visivelmente aflita, por vezes desesperançada, cuja dor expressa no olhar e nas inúmeras rugas formadas pelas noites de choro, fazem externar o sofrimento de quem perdera sua cria de modo tão injusto, tão banal, tão medonho...

O olhar de uma mãe que padecia todas as vezes que via os criminosos andando livremente, impunes e ainda por vezes “fazendo a obra de Deus”, como se nada tivesse acontecido.

Entre as inúmeras imagens MÃES que me veem à mente com frequência (não apenas nesta data comemorativa), o rosto sofrido desta pobre alma é sem dúvida um que não esquecerei, ainda que quisesse.

Acho que todos deveriam conhecer sua história, seu sofrimento e sua luta por justiça.

Acredito que um MEMORIAL EM SUA HOMENAGEM OU DE SEU FILHO DEVERIAM SER ERGUIDOS.

Receio que entre todas as dores e traumas de quem sofrera algum tipo de perdas ou danos na vida, nada se compara àqueles que sofreram tais açoites na “casa de Deus”, principalmente quando esses crimes ou abusos foram orquestrados justamente por aqueles que diziam ser representante deste grandioso e onisciente ser.

Ainda que todos neguem e condenem, em casos assim, toda fé (de quem ainda tem algum um pingo de lucidez) pode ser abalada e a confiança nos supostos poderes divinos pode vir a desmoronar.

A revolta é comum e até certo ponto aceitável.

A discriminação e desprezo por parte dos que não embalam tais lamúrias também é frequente, sempre tirando a culpa de Deus, da igreja ou dos obreiros, enquanto põe tudo na conta do capeta, como se ali em tais recintos só houvessem seres angelicais, impecáveis, infalíveis e inexpugnáveis.

O pior e o mais bárbaro entre tudo isso é saber (ou ouvir) de alguns, que coisas desse tipo fazem parte de um suposto plano divino, deste ser de esplendor, qual dizem ter o controle de tudo, que nada Lhe escapa aos seus olhos e que “tudo coopera para o bem dos que amam e temem ao seu nome”!

Pior ainda é quando tais hipócritas, coniventes ou defensores do indefensável dizem que a culpa foi da vítima por estar no lugar errado e na hora errada.

Esta última sinceramente, é de matar outra vez não apenas o defunto, mas também todos os familiares enlutados.

O bom senso, a honestidade, a lógica, a razão e até a suposta misericórdia divina também são sepultado com argumentos deste tipo.

Cada crente (ou não) que fala uma asneira deste tamanho, está ajudando a “enterrar vivo” não apenas a sua própria fé, mas sua própria igreja e o seu próprio “Deus em pessoa”.

Um policial que morre em combate por exemplo, ou qualquer outro profissional que perca sua vida exercício da profissão, ainda que não nos contentamos, pelo menos entendemos os motivos e avaliamos as partes envolvidas, além do risco que a profissão em si pressuponha.

Porém ser assassinado na casa de Deus, por pessoas que dizem ser de Deus, diante de um flagrante libidinoso, quando supostamente estavam fazendo aquilo que o próprio Deus condena, na sua própria casa...

A cabeça pira, o miolo “explode”, a fé na própria humanidade (não apenas em Deus) sofre profundos abalos pois nada disto faz sentido.

Tanta promessa de proteção e recompensa aos que Nele confiam e aos que a Ele buscam...

Apenas gritos inaudíveis do fundo da alma podem ser ouvidos de coração pra coração, de quem também já passou por algo parecido ou fora vítima de alguns que mais parecem fazer parte do crime organizado e que usam da igreja para ocultar o que realmente são ou fazem, além de por meio do comércio da fé, conseguirem dinheiro e poder o bastante para continuarem na impunidade.

....

Eu tinha apenas 19 anos quando esse fato ocorreu.

Na ocasião eu era apenas 5 anos mais velho que o jovem morto. Era tão religioso e inocente quanto este.

O fato era forte demais para se acreditar.

Pensar que Deus, “o todo poderoso que cuida dos seus e protege à todos quanto O buscam” iria deixar que algo do tipo ocorresse, iria contra qualquer tipo de decência cristã. Agente sentia-se no pecado só em pensar de pensar, quanto mais acreditar.

Melhor era supor que tudo não passava de uma invenção da imprensa ou de uma mãe desnaturada. Deus jamais poderia permitir tal dano à quem quer que fosse.

Era-nos dito que a blasfêmia é o único pecado imperdoável diante dos olhos de Deus.

Se perguntarmos à qualquer líder religioso o que é isso (a blasfêmia), de imediato ele dirá que é duvidar de Deus, do seu poder, de sua proteção, de sua recompensa e tantas outras de suas “infalíveis promessas”.

A mente do crente paralisa. A confusão toma conta. O medo do inferno nos invade. Só nos resta negar... Duvidar das evidencias, da mãe chorosa, das matérias jornalísticas, das fontes policiais, da perícia criminal, do cadáver ali presente que grita e clama por justiça...

Duvidar de tudo, menos de Deus e do seu suposto poder.

É o ponto em que a linha da loucura, da desumanidade e do sadismo ser tornam tão finas entre elas, que uma adentra ao espaço da outra e por um instante (ou pelo resto da vida), não sabemos mais quem somos, o que estamos fazendo ou qual o nosso propósito no mundo.

Por medo de Deus e dos seus castigos além dos temíveis flagelos que igreja impõe aos que duvidam de Deus, tudo isso nos faz viver uma dupla realidade, sempre apostando na imagem do Deus Justo e misterioso que a tudo vê nada faz para evitar o mal.

Somente se envolvendo na suposta obra de Deus como obreiro, trabalhando para os “donos da igreja” ou andando muito com tais lideranças, é que podemos ver com nossos próprios olhos ou sentir na própria pele o que muitos destes chacais são capazes de fazer para manter as aparências, salvar a própria pele, seu ministério, sua carreira e/ou suas fontes de lucros.

O meu desejo é que qualquer pessoa inadvertida não tente flagrar um líder religioso (ou obreiro de destaque) em um ato de hipocrisia ou de luxuria oculta.

Se ocorrer ainda que sem querer, faça de conta que nada viu ou denuncie às autoridades civis seco caso for grave. Nunca denuncia às autoridades eclesiásticas do seu próprio ministério ou grupo de fé. Há uma chance de 99 pra 1 que você tome uma invertida e saia dali como caluniador, ainda que contenha um “caminhão de provas” contra o malfeitor.

A “santa igreja” jamais te perdoará por esse “ultraje” e pelo resto de tua vida tu serás amaldiçoado e perseguido, inclusive por aquele cujo abuso estava sendo praticado e tu fostes sua defesa.

Caso descubram que tu soube de algo (ainda que não tenham certeza), não apenas você como também os teus filhos e toda tua família poderão correr sérios riscos de vida. Quando não, seus negócios, emprego ou reputação poderão ser “misteriosamente” afetados.

Entre todas as bestas ensandecidas que devem ser evitadas nesta vida, nada se compara a uma (ou alguns montões) que usam a bíblia, batina, paletó, a cruz, a igreja ou qualquer outro símbolo religioso para se proteger. Ameaçar seus lucros ou expor o mal caráter de um espécime como este, pode ser fatal. A depender de quem seja o infrator, poderes políticos e policiais e não apenas o religioso poderá se indispor igualmente contra você.

Para que você esteja na mira de sua fúria, um flagrante direto nem precisa ocorrer.

Se souberem que tu fostes abordado por alguém que foi (ou está sendo) vítima de abuso de um “santo” deste tipo, você terá sua vida monitorada. Se for confirmado que a vítima compartilhou contigo tais lamúrias, você corre (correrá) sérios perigos.

É como se o flagra tivesse sido feito por você e não por este outro.

Ainda que não fosse sua intenção, agora você compartilha de um segredo hediondo e esforços não serão medidos para que tu sejas eliminado ou sua história de vida comprometida, para que, se por ventura tenhas coragem em denunciar, de nada valerá seu testemunho.

Dizem que com Deus não se brinca.

Eu digo porém que Deus nunca foi visto por ninguém. Nem fazendo o mal, nem fazendo o bem!

Sua suposta bravura reside apenas na cabeça dos fiéis ou nas páginas enfeitadas de alguns livros tido como sagrado.

Sua fraqueza e indiferença aos que sofrem, por outro lado são latentes e seria extremamente vergonhoso confrontá-los, caso sua existência pudesse ser comprovada.

Bem mais perigoso é “brincar” com um dos representantes de Deus que com “Ele próprio”.

O Exemplo de Dona Marion nos faz reviver diariamente, “passando em nossa cara” o quanto é perigoso estar entre alguns destes que usam e abusam do nome de Deus diariamente como se fosse um chuveirinho dourado.

Este não devem ser temidos, porém subestimá-los destes ou entregar-se de peito aberto aos seus supostos chamados divino, pode ser fatal.

O exemplo de persistência desta mãe guerreira, de certa forma é um pouco incomodo, pois cada vez que sua história é contada, é como se parte da bíblia, da fé ou da crença de alguém está sendo rasgada. Fingir que nada disso aconteceu pode ser o melhor caminho para que a fé de alguns não entre em colapso.

Sua luta e destemor ao enfrentar esta grande igreja pedindo justiça sobre a morte de seu filho jamais podem ser esquecidos.

Eles podem servir de estandarte, um exemplo de liberdade para uma mente cativa que outrora depositava nos deuses e nos seus representantes, a razão e o fim de toda uma existência pacata e servil.

Sua dor e sofrimento servem de alerta à cada pai ou mãe, que de olhos fechados (ou vendados) depositam toda confiança nas mãos de pessoas falíveis e por vezes desumanas, como se estas fossem o próprio Deus, só por que dizem representa-lo.

Exemplos como estes podem servir de faróis à muitos, que vagueando perdido nas águas da religiosidade medíocre que por vezes as igrejas tem à oferecer, ao se depararem com o túmulo do rapaz ou com a dor, sofrimento e as injustiça sofridas por esta mãe, terão nisto um aviso, demarcando as águas rasas, pedregosas e turbulentas de uma igreja, ainda que muitas destas afirmem ser grandiosos portos seguros ou oceanos de profundo conhecimento, verdade, justiça e equidade.

Cada vez que a história dessa mãe a e morte deste rapaz é mencionada, tropeçamos num imensa rochedo qual ninguém poderá mover, e nesta massa estará escrito com letras garrafais (ainda que muitos neguem) os seguintes dizeres: DEUS NENHUM TE SALVARÁ DOS QUE DIZEM SERVÍ-LO OU REPRESENTÁ-LO! SALVE-TE A TI MESMO EVITAMOS OS LOCAIS E PESSOAS QUE LUCRAM COM A FÉ E A IGNORANCIA ALHEIA!

Assim como vários artistas ou pessoas importantes receberam leis, eventos ou locais em seu nome ou memória, tomara que um dia (ainda que tardio) a memória desta mãe e deste filho sejam imortalizados por citações semelhantes.

Assim como a Lei Maria da Penha surgiu para nomear e fazer justiça não apenas a uma, mas a todas as mulheres que sofriam abusos por seus conjugues, quem dera no futuro nos deparemos com a Lei Lucas Terra, que fará justiça à todos que sofrem abusos financeiros, morais ou sexuais ou tiveram sua honra ou reputação comprometidas quando envolvidos (ainda que sem querer) em tramas macabras dentro das instituições religiosas.

Talvez seja impossível (e nem é necessário de certa forma) acabar com a crença religiosa das pessoas. A constituição lhes dá esse direito.

É imperativo porém, que na luta constante pela liberdade e igualdade entre os homens, aqueles que se dizem ser guia e modelos para outras pessoas (ainda que no universo da fé), respeitem todos os direitos civis já conquistados.

Almejo ver o dia em que a constituição do nosso país terá o mesmo peso e poder dentro dos recintos de culto.

De modo nenhum a liberdade religiosa pode se impor à liberdade à vida, a paz e ao respeito de qualquer indivíduo, bem como das leis vigentes que lhes garante tais proteção.

Enquanto houver dois pesos e duas medidas quanto ao poderio do mercadores da fé, milhares de senhoras como a dona Marion, estarão chorando caladas, lamentando à perda ou danos irreversíveis causados por uma igreja ou seus representantes.

Enquanto a reputação de Deus, de sua suposta igreja ou de um líder indecoroso qualquer estiver acima das dores dos oprimidos, a escravidão disfarçada de liberdade manterá parte dos homens em um poço de estrume e qualquer um que queira torna-se limpo, será alvo de duras investidas, pois ao livrar-se do esterco da hipocrisia que hora o envolvia, revelar-se-á todo fedor que ainda encobre os seus compatriotas.

Que nossos conceitos possam ser revistos.

Saúde e Sanidade à Todos.

Texto escrito em 14/5/23

*Antônio F. Bispo é graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia.

Ferreira Bispo
Enviado por Ferreira Bispo em 14/05/2023
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