CRIANÇA NÃO ERRA
Imagino uma alma no seu plano, no seu mundo espiritual, tendo experenciado a vida em seres os mais diversos, na sua constante busca do aperfeiçoamento.
Imagino essa alma sendo convidada a fazer morada no corpo de um ser humano que fora gestado.
Imagino ela ter que apagar toda memória de vidas anteriores, para um recomeço, sem, no entanto, perder sua essência, mantendo a potência de desenvolvimento.
E ao deixar que esse imaginário prospere, visualizo esse espírito encarnado num corpo tão pequenino que dependerá de outras almas já em corpos maiores, chamadas de protetores com nomes de pai, mãe, padrasto, madrasta, professor, mestre...
E me pergunto em quantos corpos pela eternidade esse espírito precisou morar.
Enquanto esse pensar se apossa de mim, invade-me a curiosidade querendo saber como reagiriam os protetores de criança (pais...) sabendo que seu filho guarda a alma de um ser que fora iluminado. Também a curiosidade questiona sobre o protetor que acredita que a criança venha ao mundo zerado de qualquer potencialidade, uma página em branco, em que ele escreverá o roteiro dela.
Neste momento, assustado, sinto os pés na terra. E o susto é atordoador. A reflexão é necessária. A interrogação é gigantesca. O que fizemos nesses séculos todos?
Então, a potência de um grande pintor é esmagada porque o protetor quer um cientista na família? a potência de um humanista é ceifada pela importância de um magnata do petróleo? ou aquele que veio para desenvolver sua potência de educador é desviada para a medicina?
E permito-me a mais uma observação. Essa alma que vem participar do convívio de outras duas almas chamadas de protetoras de fato vem em busca de proteção ou para proteger a ambas, alertá-las para o desvio incorreto que tomaram? Seria essa sua missão?
No momento em que os “protetores” se zangam, aborrecem-se do comportamento do “protegido” e querem ou castigam-no não seria aí um castigarem-se? Provavelmente não se sintam assim, ou vendo no comportamento do protegido o seu reflexo no passado, ou reconhecendo que errou no cumprimento da sua responsabilidade de cuidar. Mas erra duplamente, pois culpa a quem não a tem e castiga a um inocente.
E fico com o revolucionário entendimento de que o papel fundamental dos protetores não é dizer o que o protegido deve fazer ou tornar-se, mas assumirem a inteira responsabilidade de, para as suas próprias evoluções, identificarem a potência contida na criança e possibilitarem o seu florescer, dar à alma que veio a eles a chance de seguir seu caminho evolutivo.
Criança é sempre criança. Ela não erra, erram os protetores quando abdicam das suas responsabilidades observadoras e condutoras.
É virtuoso reconhecer a culpa.
Ilustração do meu neto Miguel Rocha