NO METAVERSO DA LOUCURA!

*Por Antônio F. Bispo

Passeando pelo teatro da vida, deparei-me com uma peça em cartaz.

Chamava-se: “Tememos o metaverso. Não aceitamos realidades paralelas”!

Achei o título interessante o decidi entrar. Queria ver a encenação e quem eram os produtores do evento. Certamente deveriam ser pessoas bem lúcidas e com argumentos científicos convincentes, além de possuírem um caráter ilibado (pensei).

Sentei-me na fileira do meio à fim de ver melhor o elenco, afinal, além dos figurinos e do roteiro, gosto de apreciar também a linguagem corporal dos atores, suas expressões faciais, bem como a sincronia de suas falas enquanto atuam.

Me fascina o modo como cada ator dá vida ao próprio personagem e por vezes me ponho a estudá-los sem que estes percebam. O que vejo no teatro da vida posso aplicar ou não à minha própria existência.

Naquela dramatização em questão, o assunto abordado era o avanço das inteligências artificiais e a criação de um universo paralelo ao nosso, onde aos poucos e sem perceber, perderíamos a noção do mundo real e quando nos déssemos conta, estaríamos mergulhados neste outro, sem distinguir o real do imaginário.

Havia um alarde extremista entre os atores e a alguns espectadores na plateia, como se uma ameaça voraz estivesse ao nosso encontro e algo precisava ser feito com urgência.

As cortinas subiram.

Aos poucos, os figurantes começaram a entrar no palco, cada um vestido à caráter, tipificando com exatidão o personagem em representado.

Era o teatro da vida. Os figurantes representavam a si próprio em suas vidas cotidianas.

Um rebanho inteiro entrou no palco seguido pelo seu pastor.

Não era um pastor de ovelhas, ao mesmo tempo sendo, já que era assim que o próprio grupo se definia.

Um cenário eclesiástico surgiu do nada e no meio da pregação o pastor alertava aos seus fiéis:

-Prezados irmãos, devemos estar atentos. O diabo é sujo! A inteligência artificial veio para nos confundir. Poderemos em pouco tempo estar vivendo em um mundo de mentiras. Precisamos orar e vigiar para que Deus nos proteja e nos dê discernimentos. É o fim dos tempos!

A plateia ouvia atenta, querendo saber o que viria depois.

O pastor enumerou vários problemas locais e mundiais. Problemas tão antigos quanto o próprio homem.

Para cada suposta solução apresentada pelo chefe religioso, um tipo diferente de contribuição financeira era solicitada aos fiéis.

Dízimos, ofertas, campanhas, votos e desafios diversos, além das compras diárias de todo tipo de bugigangas ungidas fabricadas pela igreja.

Todo crente era intimado a aderir tais projetos sem pestanejar, caso contrário, ameaças de morte, pestes, pragas e maldições diversas eram disparadas abertamente contra o ou os resistentes. Todas intimidações eram seguidas de versículos bíblicos. Todas ditas em tons de ultimato. O chefe sempre apontando o dedo à frente, quase dizendo o nome do “meliante” que resistia, de modo que obedecer era inevitável.

Tudo ali envolvia doação de dinheiro à igreja ou serviços voluntários dos crentes ao seu líderes e aos propósitos destes, de modo o tempo útil desperdiçado dos fiéis pudesse de alguma forma ser transformado em arrecadações para a igreja ou seus donos.

A casa de Deus ali representada era como uma grande bolsa de valores: para cada “artimanha do maligno”, os crentes perdiam dinheiro na “bolsa de Cristo”, de modo que suas próprias ações passavam a valer cada vez menos.

Sendo assim, ele precisavam trabalhar mais, se esforçar mais e viver mais em “santidade” para compensar as percas anteriores.

Santidade era sempre sinônimo de mais doação, mais serviços voluntários e mais demônios à ser combatidos. Era um eterno frenesi. Uma paz temporária que só era obtida previamente pelo pagamento de dividendos ao dono daquela igreja.

Apesar de no universo dos teólogos (fundadores da igreja como a conhecemos) Deus ser Autossuficiente e Auto existente, ali no METAVERSO DA LOUCURA, Deus era um pobretão, um tirano miserável, que gastava mal e poucas horas tudo o que conseguia, precisando sempre de mais dinheiro, mais doações e mais comércio em suas casas para satisfazer suas necessidades, apesar de ninguém saber quais de fato eram estas, já que ele era incorpóreo.

Ali, no teatro da vida, diante de toda plateia e sem ficar nenhum pouco intimidado pelos que assistiam, o reverendo prosseguiu em seu discurso:

-Irmãos, aproveitando a ocasião, convido-vos a ofertamos de pé, honrando mais uma vez ao Senhor com nossos dízimos e ofertas. Hoje é a segunda que tiramos. Antes do final do culto teremos mais outra como de costume. Faça suas reservas. Aceiramos dinheiro, PIX, cartões e qualquer outro tipo de doação. Lembrem-se que Deus ama o que dá com alegria, pois tudo o que temos é dele e para ele doaremos outra vez. Não sejais tímidos, doem o máximo que puderem, pois não estão doando a mim, mas a Deus, e Ele e em dobro vos recompensará! Amém igreja?

Em uníssono todos concordaram sem pestanejar.

De imediato os obreiros da igreja começaram as coletas e para cada mão que entrava no gazofilácio (aquilo que parece um gigante coador de café) eles olhavam, sorriam e diziam:

-Tudo isso é para Deus, irmãos, confie, Aleluias!

Vendo toda aquela lambança, de algum lugar do teto ou debaixo do piso (sabe-se lá) uma voz poderosa ecoou.

Era a voz da consciência.

Talvez ela nem fosse externa, fosse interna mesmo.

Talvez ela sempre estivesse lá, mas nunca a observamos. Naquela circunstancia ela parecia bastante estridente e incômoda.

A voz disse ao reverendo e as suas ovelhas:

-Que sois vós senão um bando de hipócritas? Temeis as novas tecnologias e os supercomputadores com receio de que estes vos ponham em uma realidade paralela, sendo que há milhares de anos vós, por conta própria, diariamente em seus ritos religiosos fazem tais práticas abertamente, sem constrangimento. Vós doais diariamente rios de dinheiro aos vossos líderes religiosos dizendo ser para Deus, mesmo sabendo que não, enquanto são capazes de negar até um mísero pedaço de pão aos que estão ao vosso redor e padecem com os dissabores da vida. O que é isto senão a manutenção de uma realidade paralela? Acham que estão enganando a quem?

A voz prosseguiu:

-Que são os deuses senão um constructo humano cuja fabricação e louvor serve apenas como uma porta, um escape de uma realidade à outra? A quem vocês acham que estão dando dinheiro nesse momento? Aos deuses? Lógico que não? Mesmo assim o fazem, sabendo que a realidade que buscam e acreditam nunca existiu e nem existirá. Vós criais uma realidade paralela todos os dias em vossos ritos e de lá não querem sair, pois assim, desse modo medíocre podeis ser os senhores e protagonistas de vossa própria narrativa, não é mesmo?

Nessa ocasião, virei-me para ver de onde vinha a voz e por incrível que pareça, vi parte da plateia esmurrando a própria cabeça enquanto dizia de modo furioso:

- Sai daqui! Sai de minha cabeça! Vivo em um país laico. A constituição me permite que eu tenha meus rituais de culto. Você não pode dizer que isso está errado. Só eu sei o que é bom pra mim. Eu gosto disso. Isso me preenche. Vá embora...

Os que figuravam como ovelhas em cima do palco foram os mais afetados pela voz.

Devido ao vício em viver numa realidade dual, eles mal reconheceram a voz de sua própria consciência e começaram a dizer palavras de ordens, a amaldiçoarem sua própria voz interior, enquanto pareciam querer estourar os próprios ouvidos de tanto comprimi-los com as mãos.

Enfurecidos eles diziam:

-Vá de retro Satanás! Eu sei que é você tentando me enganar. O sangue de Jesus tem poder! Eu sei que meu Cristo vive. Eu sei que vou para os céus. Eu sei que os céus é real. Eu sei que tudo o que faço aqui é para Deus e você não me engana!

Depois de tanto esmurrarem o próprio crânio querendo expulsar de lá o pouco de sanidade que ainda tentava florescer, eles entraram em estado catatônico. Alguns rezavam sem parar o Salmo 91. Outros o 23. Outros balbuciavam velhas orações e latim e outros ainda fazendo o sinal da cruz em ritmo frenético, clamavam pela Santíssima trindade, por todos os santos já canonizados e pelas miríades celestiais. A voz em suas cabeças era perturbadora demais para ser ouvida sem causar reboliço.

No teatro, olhei à procura de mais alguém que não estivesse neste frenesi. Encontrei vários.

Eram filósofos, antropólogos, sociólogos, astrofísicos, alguns biólogos e outros cientistas voltados às humanas e exatas. Não havia alarde entre eles. Havia paz e serenidade. Eles assistiam à tudo sem expressar nenhuma reação de espanto.

Alguns faziam anotações. Outros coçavam o queixo tentando entender. Outros apenas comiam pipocas e apreciavam à vista. Para estes, naquele recinto tudo era normal, previsível e calculável.

Do medo da criação de uma realidade construída por supercomputadores até as realidades paralelas pelos sistemas políticos e religiosos, nada era motivo de espanto.

Tudo se repetia ciclicamente e somente ouvindo a voz da consciência era possível sair dessa Roda de Samsara, expandir um pouco a própria e dar mais um passo na condição de sapiens, fazendo progresso com, ou pela sua própria espécie.

Vi também ateus ali na plateia da vida daquele grande teatro.

Entre estes, vi alguns cujo ateísmo era de berço, nunca tendo sido vítima das garras dos predadores da fé, cuja sanidade quase não fora abalada por esse tipo infecioso de mecanismo de controle social.

Como os cientistas descritos acima, eles não esboçavam reações ou eram perturbados pela voz interior. Não eram desumanos, apenas não se deixavam impactar por algo totalmente provável.

Notei também os ateísta que, outrora sendo escravos da fé, haviam a menos de uma década se libertado deste paradoxo e hoje era livres graças a ineficácia dos atributos divinos e aos escândalos causados justamente por aqueles que juravam ser os porta-vozes divino.

Estes (ateístas) por sua vez, de quando em quando demonstravam em suas expressões um misto de angustia, prazer e culpa.

Quando se viam no lugar daquela gente e reviviam mentalmente os momentos de loucura naqueles recintos, sentiam uma tremenda angústia por ter perdido tanto tempo baseado em medos tão patéticos.

Quando lembravam-se que não mais eram escravos de nenhum pastor, igreja ou “doutrina sagrada”, uma onda de alívios os inundavam.

Logo em seguida eram invadidos por um sentimento de culpa ao lembrar de quantas pessoas já haviam sido introduzidas naquele ambiente por sua causa, quando se dizia um exímio pregador do evangelho, um missionário de Cristo, um ganhador de almas...Era lamentável essa lembrança.

Pior ainda era ver tais pessoas, ali palco, atuando, protagonizando aquelas cenas de agonia enquanto sua própria lucidez tentavam tirá-los do abismo. Uma parte daquele ateu agonizava com o fanático que ele ajudara a criar, no metaverso qual outrora ele fizera parte enquanto a outra parte gozava de não mais sofrer aquelas dores.

Era preciso lembrar a si mesmo com frequência que os tais estavam ali por conta própria e que antes de estarem ali naquele grupo, eles já eram crédulos em outra congregação, em outra fé em outro ambiente igualmente doentio. Só mudaram de “aprisco”. Não era culpa sua.

O duro assento do teatro da vida me trouxe de volta à minha realidade.

Analisei ambos os lados, ambas as realidades ali combatidas, defendidas ou simplesmente aceitas.

De um lado estava às nossas portas o Sr Mark Zuckerberg, Elon Musk, o Google, o Chatgpt, a Alexia e tantos outros investidores e suas inteligências artificiais tentando nos elevar a um novo patamar na cadeia evolutiva, industrial, artísticas e com outras infinitas possibilidades.

Do outro lado estava a crença, a triste, velha e cega fé nos deuses e obediência irrestrita aos seus representantes, que com sua insensatez nos prendem com as âncoras da ignorâncias no pântano da ingenuidade e malícia humana. Quando não, estão nos fazendo remar à passos largos, no regresso das ideias, no bloqueio do pensamento cognitivo enquanto condenam de forma demoníaca tudo o quanto é novo ou faz o homem depender menos dos deuses e mais de si mesmo ou da ciência.

Que direção seguir? A resposta é óbvia!

Basta apenas nos prevenirmos das cabeçadas das ovelhas enquanto lutam contra sua voz interior, pois de tanto baterem na própria cabeça com socos, acabam virando bodes e tentarão com os seus chifres e testas poderosas derrubar qualquer um que ouse se pôr de pé, não se ajoelhando aos seus deuses, costumes e mercadores da fé.

No metaverso da loucura criado pelos religiosos e seu sistema, qualquer que ouse dar um passo à frente, logo será demonizado, combatido, perseguido ou morto, para que no futuro, estes mesmos encontrem um meio de tirar vantagem de uma invenção antes condenada.

Até uma ameaça se torna um meio ou uma peça sacra para os exploradores da fé. Tudo se torna santo desde que sirva ao propósito do governa o grupo.

Rever nossos conceitos pode ser nosso primeiro antídoto contra esse tipo de raciocínio. Evitá-los e ainda mais eficaz.

Até breve!

Texto escrito em 23/4/23

*Antônio F. Bispo é graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia.

Ferreira Bispo
Enviado por Ferreira Bispo em 23/04/2023
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