O INCONSCIENTE E AS CONTRADIÇÕES HUMANAS
A fim de abarcar as contradições humanas mais abissais, bem como toda complexidade que envolve o seu ser, às suas luzes e sombras, Hartman na filosofia e Freud na psicanálise (além de muitos outros pensadores) postularam desde o final século XIX a concepção do desconhecido que integra a totalidade de cada ser humano, ou seja, a instância psíquica do inconsciente e suas mais diversas manifestações por meio do comportamento verbal ou gestual de cada indivíduo existente na terra.
Esse foco em desbravar o psiquismo produziu uma nova maneira de se fazer ciência, indo além de qualquer tentativa de estudar o homem a partir de uma perspectiva meramente psico-fisiológica e médica, e dando espaço para a compreensão de uma vida por meio da escuta de sua singularidade, seus fracassos, sofrimentos e angústias tal como nunca houve antes. Com essa sistematização e amálgama de conhecimentos clínicos e empíricos, se abriu o caminho para uma epistemologia que enfatiza tudo o que não é possível de ser controlado, o quase inexprimível e também o inaudito ou o inefavel.
Foi daí que se chegou a descoberta de conteúdos mais profundos do que aqueles produzidos por tendências conscientes. Ora, sem a consciência profunda das tendências mais sombrias nas condutas de uma pessoa e de um grupo numa determinada sociedade e cultura, não se podería ir tão longe no estudo científico, filosófico e antropológico do que conhecemos de forma um tanto ingênua como homo sapiens.
Não precisaríamos fazer longas reflexões para descobrirmos que os opostos fazem parte da humanidade e de sua história ao longo das eras, tal como havia salientado nos seus escritos Jung (e também os pós junguianos), como por exemplo, o bem e o mal, o racional e o irracional, a saúde e a doença, o espiritual e o material, dicotomias essas que ora levaram muitos a uma busca de superá-las, ora numa tentativa de encará-las como um processo dialético permeado de conflitos,tensões e sínteses.
Tais elementos, de fato, constituem todas os perigos e tensões que existem de maneira tão frequente no mundo. E em muitas pessoas quase não existe aquele lampejo de consciência de que são movidas por paixões avassaladoras, vícios e algumas antinomias que pode inclusive levá-las aos cumes de seus próprios desesperos.
Todavia, o que faz toda diferença na vida de um ser é a preocupação fundamental de encarar o seu lado sombrio e a realidade catastrófica do mundo de forma heroica, lúcida, sincera e apaixonada, uma luta arduamente travada que abre espaço para uma maravilhosa sabedoria de vida no decorrer da existência e para o encontro com a luz do sagrado como forma de orientar os seus passos num mundo em permanente conflito; ou seja, entre a guerra e a comunhão, a desavença e a amizade, a dor e a alegria, a esperança e a desesperança, a aflição e a serenidade.