A RELIGIÃO DO FUTURO

- Espiritismo: ciência ou religião?

- Espiritismo e física quântica

- Darwinismo metafísico

- Prisão de ventre espiritual

 

 

Espiritismo: ciência ou religião?

 

No século XIX, o espiritismo apareceu como uma novidade para os adeptos da filosofia oculta porque prometia provar, com métodos científicos, a existência do mundo espiritual. Á frente dessas pesquisas estava o professor francês Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804-1869), mais conhecido pelo pseudônimo que adotou, ou seja, Alan Kardec.[1]

Em sua obra “O que é o Espiritismo?”, Kardec afirma que suas experiências com os fenômenos espirituais têm paralelos com a teoria eletromagnética da física. Essa teoria, como se sabe, foi desenvolvida para explicar a origem e a aplicação dos fenômenos elétricos, obtendo como resultado o extraordinário desenvolvimento econômico e social proporcionado pelo uso da eletricidade.

Evidente que essa afirmação nunca foi aceita pela ciência oficial, dada a absoluta falta de provas materiais. Mas garantiu ao espiritismo uma grande aceitação entre os intelectuais que procuravam uma doutrina mais coerente com suas próprias crenças positivistas, mas não descartavam a possibilidade de que, oculta pelo véu da realidade não manifesta, pudesse existir algo mais do que a fria mecânica newtoniana. Isso era o que suas sensibilidades exigiam e o espiritismo lhes prometia conceder.

Foi assim que o espiritismo se tornou uma religião, que na sua fundamentação teológica, procurava oferecer aos seus seguidores um caminho de aperfeiçoamento espiritual diferente dos que eram oferecidos pelas demais religiões, que se baseavam unicamente nas intuições pessoais de seus fundadores e seguidores. Nesse sentido, seus praticantes diziam que sua religião se revestia de princípios científicos, pressupondo-se que seu codificador, e depois dele, seus seguidores, tenham feito experimentos que permitiam classificá-la como científica, ainda que os cientistas refutassem essa possibilidade.

 

Darwinismo metafísico

 

Na verdade, o espiritismo, tal como foi concebido por seu codificador, sofreu uma sensível influência das teorias evolucionistas propostas por Charles Darwin. Como a filosofia da época em que Alan Kardec começou seu estudos estava profundamente influenciada pelo positivismo – que só aceitava os pressupostos que pudessem ser submetidos aos métodos científicos de comprovação - os adeptos dessa doutrina tiveram que buscar em pesquisas e modismos da época (a maioria pseudocientíficos) algumas fundamentações teóricas que pudessem colocar a sua crença dentro de condições aceitáveis para o rigor científico que se exigia para qualquer realização intelectual sobreviver no difuso mundo da cultura de então. Nessa lavra encontraremos teorias sobre magnetismo, medicina natural e até elementos do socialismo utópico, no sentido de dar contornos lógicos a temas como reencarnação, solidariedade, harmonia e caridade, que estão no cerne da doutrina espírita.

Destarte, esses eram temas muito caros ao sentimento religioso europeu do século XIX, que integravam conceitos como o monoteísmo, a justiça divina, a imortalidade da alma, o destino escatológico do universo etc.

A inserção desses conceitos no espiritismo buscou torná-lo aceitável para uma mentalidade positivista. Nesse sentido é que ele nos aparece bastante próximo do evolucionismo proposto por Darwin em sua obra, porque faz com que as almas individuais, as sociedades, as ciências e as religiões também se submetam a um processo de aperfeiçoamento ao longo do tempo, até atingir um estado ideal. Algo semelhante ao processo de evolução que o filósofo jesuíta Pierre Teilhard de Chardin viria a desenvolver para a própria espécie humana em seu famoso tratado de antropologia, publicado no livro “O Fenômeno Humano”.

Assim, na cadeia universal do desenvolvimento cósmico, o espiritismo constituiria um passo evolutivo na história da filosofia, da ciência e das religiões, eliminando desse campo cultural o caráter pseudocientífico que fazia os positivistas torcerem o nariz para todas as experiências metafísicas.

O espiritismo e a física quântica

 

Foi, pois, a própria pretensão de Kardec e alguns de seus seguidores, de dar ao espiritismo uma roupagem científica, que proporcionou motivo a alguns estudiosos modernos para ligar os pressupostos do espiritismo com as descobertas da física quântica e começar a fazer ilações que hoje preocupam os praticantes mais tradicionais dessa doutrina.

Na opinião destes últimos, o espiritismo é uma religião e como tal, não pode ser submetida aos métodos da ciência, pois esta está circunscrita ao mundo material, profano e passível de conhecimento pela inteligência humana, enquanto a religião pertence a um mundo sobrenatural, sagrado e inconcebível pela nossa mente, e que só pode ser atingido por um estado superior de consciência chamado de iluminação.

Destarte, dizer que os fenômenos espirituais podem ser explicados pela física quântica é desvalorizar o espiritismo em seus valores sacros, trazendo para o mundo da matéria um conteúdo que é essencialmente transcendental.

É que a física quântica estuda o comportamento da matéria em escala microscópica (o átomo e seus componentes). Grosso modo, podemos dizer que ela é o estudo da origem da própria matéria, ou seja, da energia que está na sua gênese. A física quântica tem origem nos experimentos feitos a pouco mais de um século pelo físico Max Planck e seaseia na descoberta de que a troca de energia entre sistemas atômicos só podem ocorrer em múltiplos de um determinado valor, que é chamado “quantum”, ou seja, uma indeterminada quantidade de energia. Essa energia se manifesta ora em forma de partículas, ora em forma de ondas, apresentando estranhas propriedades, como a ubiquidade (estar em dois locais ao mesmo tempo), a vacuidade (não-localização) e outras bizarrices que fazem os mais imaginativos estudiosos dessa matéria pressupor que estão na presença daquilo que os sensitivos chamam de mundo espiritual.

Essas interpretações ganharam corpo com as publicações de Jack Sarfatti e Fritjof Capra, dois físicos teóricos que criaram, na Califórnia, o Fundamental Fysiks Group, um círculo informal de debates entre estudiosos dessa matéria para desenvolver e popularizar interpretações místicas da física quântica. Esses debates geraram várias obras do gênero, ligando as descobertas desse ramo da física à temas da Cabala, da cosmogonia védica, da filosofia gnóstica e principalmente do espiritismo.

O conhecimento enciclopédico oficial nos ensina que a física é uma disciplina que se destina ao estudo das coisas materiais, das partículas subatômicas e das leis que regem o universo. O mundo espiritual nunca foi objeto de seus estudos, já que estes sempre ficaram confinados no âmbito da religião e da filosofia. A codificação do espiritismo no século XIX, feita por Alan Kardec, não mudou essa situação, embora, como foi observado no início deste texto, ele e alguns de seus seguidores tenham tentado dar fumos de positivismo à doutrina espírita.

       A física moderna ainda hoje ignora e muitas vezes é até adversa à idéia de que possa existir uma parte espiritual nesse ramo da ciência. Por isso, uma possível interação entre o mundo da matéria e o mundo espiritual continua sendo descartada pela comunidade científica como algo digno de ser investigado. Além disso, as constantes fraudes apuradas nessa área têm contribuído ainda mais para que uma disposição contrária ao estudo da fenomenologia espiritual persista entre os estudiosos dessa matéria.

Neste contexto não é difícil entender porque pesquisas na área de física quântica (ou em qualquer outra área da física) e espiritismo não são realizadas com seriedade. Além das dificuldades experimentais que se apresentam numa pesquisa dessa ordem, o cientista que se aventurar nessa nova área do conhecimento certamente terá grandes dificuldades para obter recursos financeiros e o suporte logístico necessário para a realização do seu trabalho. Daí, podemos dizer que não existe, hoje, qualquer resultado científico que estabeleça alguma relação provável entre mecânica quântica e espiritismo, ainda que alguns autores tenham procurado estabelecer essa relação como se fosse uma verdade comprovada. Artigos dessa natureza só podem ser considerados no seu valor especulativo.

Entretanto, isso não quer dizer que seja improvável uma relação entre o plano físico e o plano espiritual. Se o universo (como o próprio vocábulo designa) é uno, então estamos falando de planos diferentes de existência, mas que pertencem à uma mesma realidade. Alguns fenômenos mediúnicos de natureza física, como materialização e telecinese, por exemplo, são realizações provadas no plano da realidade objetiva e um dia serão explicados pelas teorias da física vigente. Dentro dos contornos da lei de gravitação teremos também a explicação do fenômeno das mesas girantes e a órbita elíptica dos planetas. Da mesma forma, não é ousadia supor que as mesmas leis físicas que governam as interações dos elementos básicos da matéria possam, no futuro, explicar os fenômenos de materialização já reproduzidos em laboratório. Assim, se a mecânica quântica ou a teoria da relatividade ou qualquer outra teoria da física moderna desenvolverão, no futuro, ferramentas e modelos capazes de descrever esses fenômenos, é algo que podemos esperar que aconteça, sendo a inteligência humana o que é.

Destarte, os praticantes do espiritismo tradicional, que veem a sua prática como uma religião e sentem que ela está sendo desvalorizada pelo conteúdo materialístico que lhe está sendo dado pelos imaginativos adeptos da teoria quântica, não devem se preocupar demasiadamente. Como diz um eminente cabalista, o universo é criado pela manifestação da Potência do seu Criador. Essa potência está presente principalmente na vontade humana. Por isso, “quando o justo deseja, ele pode criar um mundo”. Tudo é passível de conhecimento pela inteligência do ser humano. Inclusive o mundo espiritual, porque se trata de um mundo manifestado por Deus juntamente com o plano material, ou seja, ele está sujeito às mesmas leis que o Criador colocou no processo de criação universal. Só há um território em que a mente humana jamais poderá penetrar: é o plano divino, onde somen-

te o próprio Criador pode conceber.

Hoje, com os conhecimentos do mundo que se hospeda no interior do átomo, que a física quântica trouxe para a ciência positiva, fica mais fácil especular com a ideia – já defendida por Jung e outros pesquisadores- de que o espírito de que falam os kardecistas é uma função da consciência humana. Até porque esta, sendo formatada a partir de impulsos elétricos, pode extrapolar os limites do mundo físico e até sobreviver no tempo e no espaço como partícula ou onda, tal como ocorre com o chamado quanta.

Assim, a possibilidade de que o mundo espiritual possa ser, um dia, desvelado pela física quântica é algo que está dentro da realidade concebível. Até porque, se o mundo espiritual existe é porque ele foi “pensado” pela mente humana. E tudo que a mente humana concebe é porque tem existência no mundo real, já que ela não trabalha no vazio. Essa, aliás, é uma das chaves que a Cabala nos proporciona para entender o funcionamento do processo que dá origem e sustentação ao universo: essa chave é a reciprocidade, que é definido como o Desejo de Receber e Desejo de Compartilhar. Esse pressuposto estipula que quem recebe algo deve compartilhar o que recebeu. Esse é um dos dois princípios da conservação da energia. O primeiro estipula que ela tenha dois polos para se manifestar: um positivo e um negativo. O segundo exige que ela seja transmitida, pois energia que não se transmite esgota-se no próprio recipiente que a recebe.

Por fim, podemos dizer que em nada as ilações das pessoas que procuram explicar os fenômenos espirituais através das leis da física quântica desvalorizam o espiritismo como religião, porque ela, na verdade, é uma doutrina de aperfeiçoamento do ser humano, que prega, acima de tudo, um extremado amor pelo bem, pelo justo e pela virtude, como caminhos para uma volta triunfal da nossa alma ao núcleo gerador, de onde um dia ela veio, como partícula de energia expelida pelo próprio Criador. E nesse sentido, o espiritismo e a Cabala cantam um belo dueto. Ambos, alimentados pelos conhecimentos revelados pela física quântica, talvez possam constituir a religião do futuro.

 

                                                               Prisão de ventre espiritual

 

Porque tanto na Cabala quanto no espiritismo o objetivo é mitigar a força do nosso Ego, no seu Desejo de Receber só para si e compartilhar a Energia que todas as nossas Almas recebem do Criador e têm a obrigação de veicular pelo universo da Criação.

 Quem não recebe não tem para dar, mas quem recebe e não doa, provoca dor e sofrimento no mundo. Essa é a causa de toda infelicidade que  grande parte da humanidade sofre. É o resumo do processo que chamamos pobreza e ignorância.

Todos fomos feitos com o Desejo de Receber. Ele é a noção nuclear da formação do nosso Ego. Todos queremos riqueza, poder, fama, autoestima, reconhecimento, amor, felicidade, prazer; essas são todas as coisas boas que a Luz Ilimitada do Criador pode nos conceder.

Só que não podemos ser egoístas a ponto de querer Receber essa Luz somente para nós. Ela pertence a todas as criaturas do mundo, e também a todas as demais coisas que a natureza cria, porque todas são feitas da mesma Energia que compõe o nosso organismo.

Por isso, o Desejo de Receber, sem o desenvolvimento de um correspondente Desejo de Compartilhar, ou seja, um Desejo de Receber só para nós mesmos é como o desconforto da pressão que um excesso de alimento provoca em nosso estômago. Ele gera um grande acúmulo de gases provocando uma “prisão de ventre espiritual”.

Prisão de ventre provoca um desconforto físico muito grande. A prisão de ventre espiritual é pior ainda porque faz uma pessoa se sentir infeliz mesmo ostentado as melhores condições de vida possíveis. Já vimos isso acontecer com pessoas muito ricas ou famosas. Elas perdem o sentido da vida justamente pela opulência em que vivem.

Porque o sentido da vida está justamente no equilíbrio entre o Receber e o Compartilhar. É o princípio da conservação da energia. Ela precisa circular. Acumulada em um ponto único só gera calor e pressão. Podemos fazer uma analogia com uma represa que só recebe a água de um rio e não tem um sangradouro. Um dia ela se romperá por força da água acumulada nela.

Assim acontece com a Energia que o Criador nos fornece. Todos nós a recebemos. Ela está armazenada em nossa Alma. Se não a retransmitirmos ela causará a nossa ruptura espiritual, e esta, como sabemos, é a pior de todas as doenças.

 


Sintese do caítulo sete da Obra "Contemplando a Estrela Flamejante. No prelo para publicação