ESTUDOS MAÇÔNICOS- O PONTO DE ENCONTRO

O PONTO DE ENCONTRO

 

Já não é tempo de temer o Senhor, mas de amá-lo. Ele que é o Ancião dos Anciãos; o Desconhecido. Ele tem uma certa forma que nos é conhecida, e mesmo assim, Ele nos é desconhecido. Sua vestimenta nos aparece como branca; seu aspecto, brilhante. Ele está sentado sob um trono de faíscas de fogo, que está submetido à Sua Vontade. Ele não tem princípio nem fim.

Antes que pusesse sua coroa para estabelecer Seu Reinado, ele delineou e encerrou o Ilimitado dentro de limites. Correu uma cortina diante Dele e nele começou a desenhar seu reinado. Mas nada existia (ainda) exceto em nome. A real existência se fez manifesta desta maneira: Quando Deus quis criar a Torá, que havia estado oculta por eternidades, antes da criação do mundo, ela se atreveu a dizer: O que tiver que estabelecer a Sua Lei deve primeiro estabelecer seu próprio Ser.” Zhoar- A revelação do mistério da existência de Deus, pg 81.

 

Para os cientistas, o início do tempo coincide com o nascimento do universo conhecido, momento esse chamado de Big Bang. Assim, o tempo teria começado a existir junto com o espaço, razão pela qual essas variáveis sempre são representadas por dois vetores em forma de L, cujas linhas começam em um ponto zero e se alongam na mesma proporção.

Mas antes de o universo ter nascido, o tempo ter começado e o espaço começar a ser preenchido, o que havia? Essa é uma pergunta cuja resposta nenhum cientista ousa afirmar que sabe. Eles só dizem que uma forma extremamente poderosa de energia provocou a grande explosão que lhe deu origem. Dizem até que essa explosão ainda pode ser vista hoje em telescópios de grande potência pois a sua luz ainda não se extinguiu. E a força inicial dessa explosão ainda continua a projetar essa luz pelo nada cósmico, preenchendo o universo como se ele fosse uma enorme bexiga que está sendo preenchida por um eterno sopro de extraordinária potência.

As observações astrológicas feitas nos laboratórios científicos do mundo inteiro confirmam essa visão. Mas ela não é nova nem foi descoberta pelos astrônomos modernos. Apenas é confirmada pela observação do universo interestelar, feitos por esses estudiosos com seus potentes telescópios e corroborada pelos teóricos da física quântica com suas descobertas sobre o comportamento radioativo dos elementos existentes no interior do átomo.  

Há milhares de anos os cultores da Kabbalah já diziam o que os astrônomos modernos e os cientistas do átomo estão descobrindo hoje. Não existe consequência sem causa, e o universo, se ele um dia saiu da explosão de um campo de energia, então é porque antes dessa explosão, essa energia já existia.

Ela é a causa de existência do universo. É lógico também especular que tudo que existe, existiu e existirá no universo já estava presente nesse “quanta” energético que um dia se manifestou em uma magnífica explosão de luz. Jorge Luiz Borges, em seu conto “O Aleph” faz um interessante retrato desse átomo inicial. Por isso muitos estudiosos da física quântica veem na descrição que a Kabbalah faz do nascimento do universo, muitos paralelos entre esses dois campos de conhecimento.

 

Passando para o território da religião, encontraremos na Bíblia uma interessante descrição desse fato. Mas os cronistas bíblicos, ao registrá-lo, não foram menos metafóricos e misteriosos do que os cientistas que procuram explicar como toda a matéria universal surgiu. A Bíblia fala que “no início Deus criou o céu e a terra. Que a terra estava informe e vazia e as trevas cobriam a face do abismo.” E então, do meio às trevas Deus fez sair a Luz. E Ele viu que a Luz era boa e por isso a separou das trevas. E com a Luz Ele fez toda a realidade existente.

A descrição é metafórica, mas se quisermos aproveitá-la para fazer uma boa especulação, podemos dizer que foi mais ou menos isso que Einstein também intuiu com a sua equação E=mc2.  Curiosamente Einstein também era judeu. Não sabemos dizer se ele era conhecia a Kabbalah, ou se era adepto dessa linha de pensamento. Talvez fosse. Nenhum grande cientista que lida com os fenômenos do universo, principalmente no campo da física quântica, intimamente desdenha da metafísica, até porque ele sabe que não sabe de onde vem a energia que formata o universo físico. Ele só tem certeza de que ela existe e que vem de uma dimensão que está além do que sua mente consegue penetrar.

Externamente ele pode até negar a existência desse mundo oculto que existe atrás dessa cortina que a Kabbala chama de Véu de Paroketh, pois os postulados do positivismo ainda assombram os cientistas com suas fogueiras inquisitórias, fazendo com que eles, muitas vezes, reneguem suas intuições, como modernos Galileus à frente dos bispos da Inquisição. Mas para si mesmos, em suas camas à noite, certamente murmuram, como Galileu “E pur se mueve[1]

Sabemos que Newton, o pai da teoria da gravidade não teve nenhum constrangimento em fazer experiências alquímicas, assim como Van Helmont, Roger Bacon, Paracelso e outros cientistas. E hoje a maioria dos cientistas do átomo não riem das intuições cabalistas e das estranhas visões dos alquimistas, pois o mundo que a física quântica tem desvelado aos seus olhos revelam a existência de um extraordinário paralelo entre as suas descobertas e as visões desses magos, que o obscurantismo religioso fez questão de perseguir e que o positivismo científico tanto desdenhou.

  

A visão cabalística do nascimento e desenvolvimento do universo é vista hoje com muito respeito por alguns cientistas que estudam o comportamento da energia no mundo quântico. Eles sabem que essa visão foi gerada por um grupo de rabinos judeus que interpretam a Bíblia de uma forma metafórica e mística, desenvolvendo estranhas imagens numa linguagem ininteligível para os não iniciados nos mistérios da língua hebraica.

Isso porque eles trabalham no campo da religião e nesse campo tudo é simbólico. E o simbolismo ainda é tabu no terreno do positivismo científico, por isso o cuidado com que eles tratam o assunto, evitando cair no território minado do esoterismo. Mas quando um leitor leigo lê uma dissertação científica sobre o nascimento e o desenvolvimento do universo, e as forças elementais que o formatam, não consegue deixar de pensar que cientistas e pensadores esotéricos estão comungando do mesmo pensamento sobre esse assunto e apenas colocando em linguagem diferente as suas visões.

Para os cabalistas, fisicamente, Deus "surgiu" junto com o universo pois este é o resultado da sua própria energia manifestada. E se falarmos em termos de tempo ele teria a mesma idade que o mundo físico ostenta. Por isso a Kabbalah o chama de "Ancião dos Dias". Mas como realidade potencial, Ele já existia antes de o universo ter nascido, pois foi Ele quem o fez. Ele era uma “existência negativa” que para manifestar-se como “existência positiva” tinha que criar, para si mesmo, um corpo material. Por isso também a Kabbalah fala de Deus como “O Ancião dos Anciões” ou o Grande Imanifesto.

A Bíblia identifica Deus como o "Espírito que se movia sobre as águas." Uma expressão enigmática que nunca pode ser explicada a contento dentro da lógica comum, pois se tudo se apresentava apenas como trevas e a terra era informe e vazia, que “águas” eram essas sobre as quais o Espírito de Deus se movia? Pois, ao que parece, elas já existiam antes de Deus separar a luz das trevas.

Stephen Hawking é um dos mais respeitados cientistas modernos. Ele escreve que no início do universo, quer dizer, no momento seguinte à explosão do campo energético que lhe deu origem, um "oceano" de quarks e antiquarks se formou, dando origem à várias partículas atômicas chamadas de prótons, nêutrons, mésons e bárions, de cuja união saíram os núcleos de hidrogênio, hélio, lítio e deutério que estão na origem da massa física do universo.[2]

Esses elementos, segundo esse grande cientista, (considerado por muitos colegas um novo Einstein), estão na origem dos primeiros átomos. Portanto, assim nasceu o universo real: a partir de "um mar primordial" de energias dispersas, originadas da explosão de um centro único de infinita potência radioativa. [3]

Por seu lado, a Bíblia diz que Deus, antes de começar a fazer o mundo, era um Espírito. Ele se movia sobre as "águas primordiais". Se ousarmos combinar a metáfora bíblica com as especulações de Hawking, poderíamos imaginar Deus como a "Mente", ou a "Mão", que organizou essas energias dispersas, concentrando-a em pequenos grãos chamados átomos, que seriam as "sementes" das quais sairia tudo que existe no mundo.

Destarte, seria caso de rir se chamássemos o Pulmão de Deus de relatividade e à sua Mão gravidade? Pois se um promove a expansão do universo e o seu preenchimento com a Luz infinita, a outra organiza todo esse caos, ajuntando a matéria produzida pela aceleração da Luz, em sistemas funcionais.  

Poder-se-ia perguntar onde Deus estava antes de começar o mundo. Ou que Ele era. Os cientistas, se ousassem esquecer que precisam ser positivistas, diriam que Ele era um campo de energia desconhecida que existia em potencial, mas não como realidade física. Já os cabalistas responderiam à essa pergunta dizendo que Deus era uma “Existência Negativa” – uma entidade espiritual - que se manifestou como “Existência Positiva” quando criou o universo numa formidável explosão de Luz.

Esses termos (Existência Negativa e Existência Positiva), designam Deus “antes” e “depois” de fazer o mundo. Nesse sistema, a energia concentrada de Deus, que a Kabbalah chama de Ain (o Zero Absoluto, total ausência de qualquer existência material), é visto como uma forma de "energia" que em dado momento manifesta um “desejo” de compartilhar a sua Potência. Como não tinha um recipiente com o qual Ele pudesse compartilhá-la, Ele gera o espaço vazio e sem forma (o cosmo) que a Kabbalah chama Ain Soph (O Ilimitado). Para preencher esse espaço, Deus concentra a sua Potência num ponto único de extrema densidade energética e gera o “átomo primordial” das especulações dos atomistas ou o “ovo cósmico” das tradições gnósticas. Esse átomo se rompe numa formidável explosão de Luz, chamada, na Kabbalah, pelo sugestivo nome de Ain Soph Aur, ou seja, a Luz Ilimitada, que se expande no espaço cósmico dando origem a todas as coisas. 

Ou como consta da Jewish Encyclopedia, em seus comentários ao Zhoar: Antes de dar qualquer forma ao mundo, antes de produzir qualquer forma, Ele estava sozinho, sem forma e sem semelhança com qualquer outra coisa. Quem então pode compreender como Ele estava antes da Criação? Por essa razão, é proibido emprestar-lhe qualquer forma ou semelhança, ou até mesmo chamá-lo pelo seu nome sagrado, ou indicá-lo por uma única letra ou um único ponto...Mas depois que Ele criou a forma do Homem Celestial [עלאה אדם], Ele o usou como uma carruagem [מרכבה] para descer, e Ele deseja ser chamado de acordo com Sua forma, que é o nome sagrado 'Yhwh"...[4]

                                                                                                   

Essa visão mística do nascimento do universo é definida no Sepher Há Zhoar, o livro básico da Kabbalah, com a curiosa metáfora que diz: “antes que o equilíbrio de consolidasse, o Semblante não tinha semblante”. Aqui está inserta a estranha ideia de que antes de fazer o mundo, ou seja, antes de o Espírito de Deus manifestar-se como existência física, Ele já existia como uma forma de energia, que embora não manifesta, continha em si mesma todos os atributos do universo manifestado. Inclusive as próprias "águas" em que ele se movia, que pode ser entendida como a substância radioativa da qual Ele viria, mais tarde, a gestar a vida. Ao manifestar a sua potência através da grande explosão do Big Bang, Ele criou para si mesmo uma “existência positiva”, ou seja, um segundo polo pela qual a sua energia pode se espalhar e realizar o seu “Desejo” de compartilhar.

Antes de fazer o universo (ou seja, anteriormente ao Big Bang), Deus vivia numa dimensão de “existência negativa”, na qual a mente humana não pode penetrar justamente porque ela só pode conceber um plano de existência positiva, onde as ações podem ser identificadas e suas causas recenseadas. Por isso a não menos curiosa ideia desenvolvida por algumas correntes filosóficas da antiguidade de que, para haver criação, é preciso a existência de duas forças contrárias, dois polos de ação energética que atuem em sentidos contrários, mas convergentes. Essas duas forças, na filosofia chinesa mais antiga são chamadas de Yin e Yang. Positivo e negativo. Macho e fêmea. Ou se quisermos, matéria e espírito, como foi traduzido pela mente ocidental. Resumindo, trata-se de uma intuição desenvolvida por vários pensadores, de que existe um movimento dialético na origem da vida do universo.[5] 

                                                                          

 

Uma pergunta que pode surgir dessas especulações poderia ser: será que Deus, que vivia uma Existência Negativa, resolveu fazer o universo para poder ter uma Existência Positiva? E assim poder criar? Essa é uma das razões de os cabalistas cristãos terem definido Deus (e sua manifestação humana na pessoa de Jesus) como o Verbo que se fez carne e habitou entre nós. (No início era o Verbo, o Verbo estava com Deus, e um Deus era o Verbo) – João, 1:1.2

De fato, o conceito da divindade desenvolvida pela Kabbalah supre a necessidade que a mente humana tem de situar um início para o universo e imaginar, não um fim para ele, mas uma finalidade. Deus, o Espírito, ao fazer o universo, fez para si mesmo um corpo material. Sem esse corpo Ele não teria como criar. Como fez depois, para o homem Adão, uma fêmea (outra metáfora para a qual a Kabbalah tem uma explicação bastante criativa). Sem ela não haveria criação e a humanidade não existiria. Dessa forma tudo se encaixa, e nós podemos concluir: o universo é o corpo material de Deus. Por isso ele é feminino e masculino ao mesmo tempo. Ele é a natureza, mãe das Cem Famílias, ou seja, a humanidade, como a definem os taoístas. Por consequência, quando maltratamos a natureza estamos maltratando o próprio corpo do Criador.

      

 

 

 

 

 

 

 

 

 


[1] Alusão feita á corrente filosófica inaugurada pelo filósofo francês Augusto Comte, o Positivismo, que sustenta que apenas os conhecimentos científicos podem ser considerados verdadeiros. Para essa linha de pensamento, crenças religiosas, especulações metafísicas sem comprovação na realidade, teorias que não podem ser provadas etc. não são válidas como fonte de conhecimento. “E pur se mueve” é uma frase atribuída ao astrônomo Galileu Galilei (1564-1652), depois de ser obrigado a retratar-se perante o Tribunal da Inquisição, da sua tese de que a terra se movia em volta do sol e não o contrário. A frase significa “mas ela se move”, significando que seja qual for a crença, a verdade científica é incontestável.

[2] Quark é a menor partícula de energia até hoje identificada como uma das 36 hipotéticas “quantas” que os cientistas acreditam serem os constituintes das partículas elementares que dão origem aos átomos que formam toda a matéria universal.

[3]  Uma Breve História do Tempo, op. citado

[4] Kohler, Broydé, Kaufmann, Isaac Jewish Encyclopedia.-2008 

[5] Essa intuição aparece em vários sistemas de pensamento deste o atomismo grego e o taoísmo, que veem na oposição entre duas forças o movimento que dá origem a todas as coisas no universo. Inclusive nas forças que orientam a vida das sociedades esse movimento dialético teria um papel fundamental, como é defendido pela sociologia marxista. No pensamento religioso o mais ferrenho defensor dessa tese é o chamado maniqueísmo. Na filosofia chinesa do Taoísmo, yin e yang são duas energias opostas e complementares. Yin significa trevas, escuridão. É representado pelo lado pintado de preto, e yang é a luz, representado pelo branco.