O primeiro banho de verdade nunca se esquece
Para muitos de nós que nascemos no interior, ainda nos anos 40 ou 50, era muito comum tomarmos banhos em grandes bacias de alumínio ou mesmo de zinco, quando não, em pequenas tinas de madeiras, com água esquentada em grande latas ou baldes em fogões de lenha ou de carvão, já que não existia nem água encanada e muito menos luz elétrica, na maioria das casas, sobretudo aquelas mais afastadas do centro da cidade – como era o caso da de nossa família, que foi uma das primeiras a dar origem ao bairro em que morámos até a nossa juventude.
Tal situação condicionava, naturalmente, as casas não terem banheiros muitos adequados ou confortáveis. E os vasos sanitário, por sua vez – se é que assim pudemos chamá-los – eram muito simples e, normalmente, construídos de tijolos com acabamento de madeira sobre as próprias fossas em uma “casinha”, que poderia ou não ser de alvenaria, dependendo do “status” da família, geralmente em algum lugar do quintal, um pouco mais afastado das casas, por óbvias razões.
Embora as condições financeiras de nossa família não fossem das melhores, já que meu pai, na época, era um simples trabalhador do antigo DER – um departamento do Estado responsável pela construção e manutenção de estradas – minha mãe, em particular, primava pela higiene de todo o ambiente e para com os cuidados da saúde da família, mantendo tudo constantemente muito bem asseado. Certamente, por esta razão, ela exigia os banhos diárias simples na bacia ou tina, com sabão feito em casa e o uso de buchas vegetais – normalmente colhidas em nosso próprio quintal - e, nos finais, de semana, os banhos considerados os mais completos, o que significava, também, além de serem mais demorados, lavar os cabelos e cortar as unhas.
Embora estas descrições possam parecer um tanta grosseira - creio – esta era uma condição muito comum para muitas famílias brasileiras na época, em grande parte das regiões do país, e que hoje são só lembranças para muitos.
Vale lembrar que entorno dos sete ano de idade - já nos anos 50 - tive o privilégio de passar as primeiras férias na casa de minha tia que morava em Santo André, no ABC paulista. E, então - pela primeira vez - me vi diante de algumas maravilhas da criação humana. Entre elas o chuveiro, a banheira e o lavabo, além do próprio vaso sanitário, com água quente ou fria jorrando pelas torneiras. Que extraordinário a sensação de sentir água quente, vindas de cima, escorrendo pelo corpo, sem precisar usar qualquer utensílio manual para ela chegar à cabeça e, também, poder “mergulhar” naquela enorme banheira branca de textura muito especial, além de conhecer vários tipos de sabonetes e escovas próprias para os banhos.
Com certeza, posso afirmar, que em minha imaginação infantil, repentinamente, deixei – por alguns significativos instantes – de navegar em um simples barco de madeira para cruzar os mares em um transatlântico extraordinário, de cor branca, em uma inesquecível viagem que permanece em minha memória há mais de 65 anos.
Já quase no final dos anos 50 - graças a iniciativa do meu cunhado mais velho que era, também, meu padrinho - passamos a viver a saudável experiência de tomar banhos através de uma espécie de chuveiro adaptado a um balde, que se mantinha no alto através de uma carretilha, onde era colocado água aquecida pelo mesmo sistema anterior, ou seja, no fogo.
Embora isto possa parecer uma experiência simples ou, ao menos, inusitado, para a maioria dos brasileiros dos dias de hoje, pode-se imaginar como era a vida no interior em meados do século passado, aqui mesmo no Brasil, já que significativa parte da sociedade era composta por verdadeiros colonizadores, vindos de muitas partes do Mundo para as várias regiões do nosso país, ou seus descendentes diretos, como era o caso de meu pai que tinha pai e avós italianos e minha mãe que era filha de português.
De certa forma, em comparação as famílias que moravam nos campos e trabalhavam nas roças, embora em condições humildes, vivíamos razoavelmente mais confortáveis, uma vez que o tal progresso se aproximava de nós com mais rapidez, nos permitindo conhecer, ainda nos anos cinquenta, sabonetes, pastas dentifrícias e outras coisas industrializadas, que colaboravam para a manutenção do bem-estar da família.
José Paulo Ferrari – 13 de fevereiro de 2023