O TRONO VAZIO

Parte 4 do texto: O Diabo no Psiquiatra

*Por Antônio F. Bispo

Enquanto as imagens dos indígenas famintos eram mostradas, várias outras cenas acompanhadas de denúncias horrendas eram igualmente exibidas.

O diálogo entre Deus e o Diabo havia cessado momentaneamente e ambos estavam aturdidos com os fatos narrados de forma dantesca por alguns repórteres humanos.

Era uma denúncia atrás da outra. Todas elas com teor que superavam a malignidade do próprio demônio. O Tentador, deitado ali no divã celestial estava prestes a surtar outra vez. Pensando ter sido substituído por aquela “gente santa”, Ele estava fazendo de tudo para acreditar que Deus não havia a eles o seu trono, mas os fatos diziam o contrário.

Como em outros tempos, o slogan DEUS, PATRIA e FAMÍLIA era apenas uma cortina de fumaça que os “servos de deus” usavam para dar vazão ao lado sombrio que possuíam.

Queriam ser mestres da maldade ao mesmo tempo em que exigiam ser chamado de “cidadão de bem” pela sociedade local e por gente de índole semelhante, ainda que distante.

O “povo santo” sempre O surpreendia.

Não se passava um só ano sem que o reino dos céus e do abismo fossem abalados por alguma travessura dessa gente que não tira deus da boca, cujas mãos estão constantemente sujas de sangue, suor, lodo e lágrimas dos oprimidos.

A vangloria, a hipocrisia, o falso moralismo e a deturpação de fatos para incriminar seus inimigos continuavam sendo suas principais “qualidades”. Eram mestres da ilusão que se apresentavam como senhores da humildade.

Como médico e paciente (e amigos de longas datas), ambos (Deus e o Diabo) voltaram suas atenções para o monstruoso noticiário logo à frente do divã em que repousava o maligno.

Em certo ponto o Diabo exclamou em tom choroso:

-Mas Deus...Ela mandou secar a fonte de água do Palácio do Planalto para colher as moedas que ali estavam... Ela disse ser para ti, para tua casa, para os teus projetos... Ela matou dezenas de lindos e raros animais em troca de algumas moedinhas...Nem judas foi tão tolo e ganancioso. Tudo isso para o teu louvor, não para o meu, sendo que fui eu o escolhido como pai da maldade! Será que ela também usurpa meu trono? Por que destes tais comando?

Deus retrucou de imediato:

-Pra mim mesmo não! Nunca, em hipótese alguma recebi um centavo sequer das doações que os humanos fazem dizendo ser para mim ou meu reino. Afinal, onde raios eu iria gastar dinheiro humano? Eu não preciso de nada por que sou autossuficiente, ao mesmo tempo, posso criar tudo o que eu quiser, se eu quiser, com um simples estalar de dedos!

Deus prosseguiu:

-No passado eu até me divertia com a matança de homens e animais que eram ofertados em meu nome. De nada me servia, mas pelo menos me davam prazer em ver as pessoas duelando, defendendo a minha honra como seu eu precisasse da ajuda deles pra alguma coisa. Porém, depois que começaram a receber tais oferendas em forma de dinheiro... tudo perdeu a graça! De nada mais me vale esta relação. Só os pastores e os donos das igrejas se deliciam com tais rendimentos. Eu nem toco nesse dinheiro. Penso até que houve um declínio do homem na condição de sapiens quando esses ritos começaram a ser impostos nos locais de culto!

Aquela era um declaração chocante até para o maligno. Deus continuou:

-É uma extrema burrice fazer coletas para mim, minha casa ou meus propósitos, sendo que visivelmente todas as doações são usados ou administrados por gente maligna ou para propósitos ruins. Todos enxergam isso, aceitam isso ou concordam com isso. Mesmo assim, quando os pastores ficam ricos e poderosos o bastantes à ponte de oprimi-los por influência na política e outras causas justamente pelo acumulo desses valores, os crentes vem me pedir ajuda para livrá-los de tal tirania. Não era só parar de dizimar, não irem mais as igrejas e deixarem subserviência cega? Mas não... me pedem para destruir um mal que diariamente eles alimentam com as próprias mãos (e bolso). Isso é o cúmulo do absurdo... Me pergunto se no futuro esses ainda serão chamados de Sapiens...

Vendo que Deus se desviava um pouco do sentido original ali presente, o diabo também resolveu provoca-lo, fazendo perguntas que não estavam no roteiro de uma consulta “médica comum”, mas que também, de certa forma afetava os domínios do seu reino e seu papel como destruidor de almas.

À queima roupa, disse então o capeta:

-Onde está o seu filho?

Deus fez-se de rogado e retrucou:

-Como? Não entendi! Eu sou Ele e Ele sou Eu! Somos uma mesma pessoa, não lembra? Foi assim que passei a ser descrito depois do Concilio de Nicéia. Mesmo tendo textos do Antigo Testamente dizendo ser Eu indivisível e que compartilhar minha glória com outro seria um pecado grave, eles O criaram semelhante a mim, não lembra? Por isso somos um. Não há limites pra fantasia humana. Não fui eu quem fiz estas regras. Não sabeis tu?

O diabo já esperava por essa fala. Os boatos de fato eram verdadeiros. Deus não queria admitir que o seu filho estava há muito ausente e por isso estava se esquivando do óbvio. Era vergonhoso admitir que o seu ungido havia sido outra vez capturado pelas mãos humanas e como na primeira vez.

O diabo foi direto ao ponto e disse:

-Não me faça de bobo! Sei muito bem sobre as confabulações humanas ao nosso respeito, afinal também sou parte disso. Me refiro porém ao modo histórico e técnico como essas fantasias tem influenciado a história humana. Não pergunto por ti, o indivisível e majestoso Ser. Não me refiro ao cara durão, venerado por judeus do antigo testamento, o deus que não levava desaforo para casa e que destruía até mesmo os seus servos apenas por suspeitar que os tais haviam pensado em tocar em objetos de destinados a outros deuses.

O Diabo suspirou e prosseguiu:

-Me refiro ao seu unigênito, Aquele que um dia se fez carne e habitou entre os homens e por eles fora morto. Onde ele está? A última vez que O vi fora no topo do Templo, antes de tê-lo testado no deserto e no cume do Monte Santo. Nessas três empreitadas eu perdi feio. Assim como teu servo Jó, Ele, o Messias não renegastes a ti nem a tua glória e nem os propósito quais tinham em mente e conseguiram me vencer. Aliás, além dos escritos apocalípticos, estas são as únicas vezes em que fui citado interagindo de forma digna com inimigos à minha altura. Todas as outras estórias ao meu respeito retratam apenas a ti mesmo, sua própria ira e frustação com a humanidade como era no passado. Tu estás em constante conflito com sua perfeita criação e me põe de frente para que os erros dos teus frutos não venham à tona. Mas tudo bem...Deixo passar pois não temos vida própria. Precisamos da criatividade humana para que um roteiro de vida e ação sobre nós e nossas personalidades sejam mantidas.

Deus retribuiu a fala com um ar de autoridade:

-Alto lá rapaz...Cuidado. Não me provoques. Ainda sou o todo poderoso, o eterno, o soberano...

Mas uma vez o devaneio tomou conta do Divino e Ele quase não parou de falar até que houvesse citado todos os títulos e supostos poderes dados pelos teólogos, pastores, padres e doutores da igreja. Ele amava relembrar cada uma desses atribuições e se perdia no tempo ao enumerar todas.

O diabo trouxe-lhe de volta a si depois de alguns minutos de autoglorificação e disse:

-Então, não vai me dizer para onde o levaram? Tenho ouvido vários boatos a respeito de sua ausência. Parece que ele preferiu a companhia dos homens à do próprio pai, não é mesmo? Quais seriam os motivos? Ele foi sequestrado como dizem, ou foi de livre e espontânea vontade?

Deus silenciou. Não precisava responder.

Jamais poderia assumir que seu filho estava ausente do trono e sendo manipulado por gente maligna, que usavam de sua imagem (não de seus ensinamentos) e suposto poder, para oprimir e extorquir gente pobre, ignorantes ou amedrontados.

A ideia de que Jesus estava no trono ao lado de Deus era um ponto crucial para a obediência humana. Em certa ocasião da estória, até Maria se tornou mãe de Deus, e foi posta no trono ao lado do filho e do pai.

Nesse aspecto, Deus era filho dele mesmo, que por sua vez engravidara sua própria mãe e nascera de si mesmo...Era muito difícil de assimilar mas a crença humana tudo supera. Travar o raciocínio e viajar por várias estradas simultaneamente é um dos aspectos importantes da fé.

Uma grande revolta no reino dos homens poderia surgir, caso soubessem que o trono estava vazio. Nem todos tem maturidade o bastante para manterem o respeito aos seus semelhantes sem serem coagidos pela ideia do inferno ou a recompensa dos céus.

Geralmente só os ateístas e gente sem deidade alguma conseguem a façanha de viver em paz com seus semelhantes sem exigir dos céus uma recompensa...

Como cães abanando o rabinho esperando um biscoito depois de ter feito alguma travessura imposta pelo dono, assim também se comportava parte do povo santo. Era imprevisível saber o que eles poderiam fazer mediante um anuncio de tamanha proporções.

Deus precisava manter isso em segredo. Ele era bom na arte do silêncio, afinal, nunca de fato fora visto ou ouvido pessoalmente falando algo, e deixava tudo por conta das hipotéticas hipóteses de seus supostos profetas.

O Cristo romano fora eleito o novo mediador entre deus (ele mesmo) e os homens justamente para intermediar, facilitar ainda mais o contato com o mundo celestial já que Deus estava sempre lá, na dele, todo caladão, só vendo os homens se matarem e as vezes instigando a própria matança como diversão.

Era mais ou menos assim: Deus ameaçava com inferno aos homens que não queriam amá-lo de livre e espontânea vontade. Depois usava a Jesus (ele mesmo) para convencer os tais a se redimir diante de Deus e amá-lo incondicionalmente. Se isto não fosse o bastante, ele enviava o Espírito Santo (Ele mesmo), para convencê-los de outros modos (pelo lado emocional) e interceder junto ao pai (Ele Mesmo) com gemidos inexprimíveis em favor de nós.

Como dito, não é coisa fácil de se entender. Somente pela “inteligência da fé” isso poderia ser esclarecido na mente de um “sábio”.

Naquele instante, diante do Pai, o maligno resolveu juntar as pontas soltas e explorar verbalmente esse ponto, deitado ali no divã.

Sua quase certeza se deu de imediato ao chegar naquele recinto no início da consulta.

Acontece que ao entrar ali, no início da “consulta”, a primeira coisa que avistara fora um trono vazio.

Era o trono do Messias, dele, o Nazareno, aquele qual dizem ter nascido de uma virgem e morrido num madeiro 2 mil anos atrás. Jesus, a versão remasterizada de si mesmo (Deus) para os propósitos que a NOVA ORDEM SOCIAL romana exigia. Cada nova fase da “agenda global” requer um novo deus, ou pelo menos uma nova versão da deidade já venerada. Tem sido assim com as tecnologias e tudo que de útil (para propósitos específicos) a humanidade inventa.

“Tudo o que a mente humana é capaz de conceber, ela é capaz também de conceber” ...

Sendo frutos da imaginação humana, o diabo havia de concordar com aquela citação de coaching em início de carreira. Era rasa, mas fazia sentido naquele instante.

Estando no trono vazio ao lado de Deus, o diabo deitara justamente no assento do Mito romano sem nem se importar de fato onde sentara. Afinal, ele fora o guardião do trono por milhares ou milhões de anos até que o Cristo fora inventado e tomado seu lugar.

Afinal, há quanto tempo o trono estava daquele jeito?

Alguns diziam que desde a época dos cruzados. Outros diziam que fora desde a morte de Joao, o escritor do apocalipse e últimos dos profeta vivo.

Diziam que desde o dia em que a última testemunha viva de seu nascimento, morte e ressureição se fora, que a igreja tomou rumos diferente daquilo que deveria ser.

O Nazareno (diz a mitologia), passou toda sua curta vida ensinando o básico, fundamental e o mais importante para a paz interior e a paz entre os povos: O RESPEITO MÚTUO, A RECIPROCIDADE E OS LAÇOS FRATERNAIS ENTRE OS MEMBROS DE UMA MESMA SOCIEDADE.

Há quem diga que ele enfatizou o amor aos seus semelhantes (carnais e humano) acima do amor ao próprio Deus e por conta disso mesmo foi instigado o seu assassinato como blasfemo e malfeitor.

Ele chegou a dizer que de nada valeria as oferendas a Deus se a prática do mal intencional fosse uma constante e a falta de perdão nas nossas relações pessoais não estivessem em evidência. Algo realmente bárbaro de se dizer naqueles dias em que a regra era olho por olho.... Aqueles ensinamentos revolucionou muita coisa.

Pois bem...poucos anos depois de sua suposta morte e ressurreição, à partir do momento em que Constantino pôs a mãos nessa marca e passou a comercializa-la no mundo inteiro, Jesus, o Cristo foi a primeira franquia internacional que o mundo conhecera. É a mais antiga também. Por sinal a mais lucrativa.

É uma FRANQUIA LIVRE PARA PESSOAS PRESAS.

Os que se libertaram dessa utopia tendem a ser perseguidos por aqueles que particularmente podem ser assemelhados “obesos da fé”.

Eles creem tanto e consomem tanto tal “produto divino” que sua artérias estão ficando entupidos de tanto “PÃO QUENTINHO DOS CÉUS”. Não se exercitam, não se locomovem, não estimulam o próprio cérebro...

Pior que essa morbidez afetam não apenas eles mesmos. Médicos, cientistas, e todos que fazem faz ciências humanas exatas e biológicas sua base de rotina, precisam ajudar essa gente quando a fé falha para solucionar problemas reais. Vale notar que ela sempre falha.

Por esse e outros motivos, a proposta do reino de Deus segundo as igrejas católicas e protestante se tornou altamente lucrativo e qualquer pessoa que diga o contrário disto, poderá ser severamente punido ou até morto, dependendo em que região do plante a pessoa esteja.

Do nada, outra vez o Diabo disparou:

-É verdade que ele foi visto armado com pistola, numa gangue de motoqueiros que faziam parte da motociata do Jair?

CONTINUA...

Texto escrito em 12/2/23

*Antônio F. Bispo é graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia.

Ferreira Bispo
Enviado por Ferreira Bispo em 12/02/2023
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