Sobre a timidez
A timidez nasce de um sentimento de autoproteção em que a pessoa prefere o conforto da morosidade ao convívio frutífero com outros, tendo em vista que frequentemente essa relação pode se revelar conflituosa. A vontade em não se expor pode parecer, à primeira vista, uma espécie de afetação de nobreza reconhecida como superior apenas pelo tímido. Passar um certo período da vida com características de timidez é quase sempre inevitável, sobretudo quando a pessoa atravessou etapas da sua história pessoal marcadas por solidão, bem como algum tipo de distanciamento em relação às pessoas, geralmente associados às duas primeiras décadas de vida. O ruim é quando essa timidez torna-se crônica a ponto de suprimir as chances de convívio frutífero com as pessoas por toda a vida.
Em geral, indivíduos tímidos são viciados no conforto da não-exposição. Dificilmente são cobrados, dificilmente recebem cobranças em tarefas profissionais mais difíceis e quase nunca deixam qualquer marca positiva ou negativa na consciência do próximo.
Em geral, os tímidos têm algo a mostrar, mas não o fazem para evitar algum tipo de indisposição com o meio circundante. Em um nível mais profundo, todo tímido associa um ímpeto egoísta com uma necessidade enorme de autoproteção. Talvez por causa de algum mecanismo psicológico, torna-se muito melhor a manutenção do conforto do que a possibilidade clara de ajudar alguém. Fato é que as pessoas tímidas sentem horror em ferir suscetibilidades, fazendo com que se esgueirem pelo chão da realidade - e dos encontros - como se fossem vampiros acuados que evitam a todo custo o contato com a luz natural. Não raro, a timidez produz um sofrimento cuja origem mostra-se de difícil detecção. O tímido não entende, em absoluto, as razões do seu isolamento, a falta de perspectivas relacionais ou mesmo a inapetência dos outros em reconhecer-lhe mérito ou virtude. É como se o tímido sofresse pela carência de um fruto cujas sementes ele nunca plantou, exceto no âmago próprio da sua imaginação. Períodos extensos de timidez podem levar o indivíduo a três distúrbios: a lassidão, a preguiça e o escapismo.
Na lassidão observa-se uma espécie de enfado de viver. A pessoa acostuma-se a reagir às situações da vida como um sobrevivente em uma situação de guerra constante. Nenhuma energia adicional pode ser gasta com nada, tendo em vista a escassez dos recursos básicos para a subsistência. No caso, o tímido acometido por lassidão não necessariamente trava uma luta contra a natureza em busca de água e comida, mas torna-se intelectualmente passivo diante dos desafios apresentados. Lê e não entende; cansa-se depressa quando colocado diante de algum problema que exija concentração; observa-se na economia da fala (quase monossilábica) uma disposição de linguagem voltada apenas a resolução de tarefas simples. Comprar pão, pedir um remédio na farmácia, pagar a gasolina com o cartão de débito, desejar um bom dia instrumental aos colegas de trabalho enquanto desvia o foco rapidamente para outra situação. Eis as funcionalidades!
Enquanto isso, a preguiça se instala como disposição da alma no tímido. O preguiçoso abandona o cultivo das próprias potencialidades em nome do descanso para um cansaço interminável. Como ninguém está interessado no que o tímido tem a dizer – assim ele pensa – nada mais lógico do que abandonar talentos em uma caixinha, a qual será posta no fundo de um cofre bem escondido dentro de casa. Talvez a parábola bíblica tenha chamado atenção para esse fato ao se referir aos três homens que ganharam moedas. Aquele que ganhou do destino apenas uma cavou um buraco profundo no qual enterrou seu único talento. Quando o fim dos dias surgiu sobre as nuvens, o juiz perguntou ao tímido sobre a finalidade dada à moeda. “Guardei para não perdê-la!” – retrucou o homenzinho tímido. Por fim, até aquela lhe foi arrancada para que ficasse sem nada. Esquecer os próprios talentos em um buraco é o esporte predileto do tímido crônico que desenvolve a preguiça como um abandono de si. Preso nas conformidades da razão enganada, o preguiçoso tentou proteger-se do mundo a todo custo até que um dia percebeu que fez um esforço inútil. Poderia ter tentado iluminar o caminho de alguém, mas para isso talvez seja necessário que se desprenda um pouco da busca constante por abrigos.
Finalmente, o terceiro distúrbio visível em tímidos crônicos refere-se ao escapismo. Trata-se de uma consequência direta dos outros dois abordados. O escapismo oferece uma alternativa menos dolorosa ao peso de existir. O escapista tem a necessidade de empregar todo o tempo livre em algum tipo de diversão incapaz de fomentar a inteligência, produzir orientação na vida ou beneficiar pessoas que estejam no seu círculo de convívio. O escapismo é a hibernação da inteligência. Empreender horas a fio no videogame e em plataformas de streaming obscurece a capacidade de discernimento, mas oferece um alívio momentâneo à responsabilidade de existir. Existe uma gradação nas formas de diversão escapista em cujos níveis mais profundos o indivíduo pode comprometer-se definitivamente. Videogame, seriados e esportes estão na superfície do escapismo, permitindo um retorno em caso de iluminação mental. No entanto, se a pessoa adentrar no terreno da pornografia, da bebida e das drogas, o resgate torna-se penoso. Se a atitude de escape se converter em comportamento vicioso, não apenas a inteligência se apequena como também o corpo se põe como servo dos desejos. Aquilo que parecia timidez se transforma na bestialização da pessoa, comparando-se aos animais na busca incessante por conforto, satisfação e prazer.
O tímido está sempre em risco. Se não encontrar dentro de si mesmo os meios pelos quais pode tornar-se frutífero na vida, acabará enfrentando – na melhor das hipóteses – uma vida menor, aquém das suas potencialidades. Em casos extremados, desenvolverá comportamentos viciosos que lhe roubarão a humanidade. A timidez não vale a pena. O custo que se paga por ser tímido acaba sendo cobrado com juros exorbitantes no futuro.