O Governo Collor (1990 - 1992): avanço neoliberal, êxtase reformista e agonia
As eleições presidenciais de 1989 foram cercadas por grande expectativa, afinal de contas, o último candidato eleito pelo voto direto havia sido Jânio Quadros no longínquo ano de 1960. Feita a Redemocratização em 1985, Tancredo Neves (PMDB) sobrepujou Paulo Maluf (PDS) na preferência do Colégio Eleitoral, embora o político mineiro não chegasse a subir a rampa do Palácio do Planalto. Acometido por uma infecção grave, Tancredo Neves faleceu em um hospital em Brasília. O vice, José Sarney, assumiu a presidência e reconduziu o país ao marco do Estado Democrático de Direito. Em 1988, foi promulgada a “Constituição Cidadã”, misturando a um só tempo direitos individuais, sociais, funcionamento do Estado e descrição das funções autônomas para equilíbrio entre os entes da federação (União, Estados e municípios). A Constituição de 1988 consagrou no texto da Lei a busca pelo Estado do bem-estar social, entendido como principal intérprete das aspirações do povo brasileiro.
A eleição presidencial em 1989 reuniu vinte e dois candidatos, sendo considerada até hoje a maior da República. Marcaram presença no pleito ilustres figuras políticas que tanto apoiaram contra se opuseram ao regime militar anterior: Leonel Brizola, Aureliano Chaves, Paulo Maluf, Guilherme Afif Domingos, Mário Covas, Ronaldo Caiado e até mesmo, Sílvio Santos, colocaram o nome à disposição. Aliás, situado na primeira colocação nas pesquisas oficiais, o apresentador Sílvio Santos (Senor Abravanel) teve a candidatura impugnada às vésperas da eleição em primeiro turno após decisão do Superior Tribunal Eleitoral. No despacho da decisão, o tribunal entendeu que Sílvio levaria vantagem sobre outros candidatos em função da ultra-exposição que gozava em rede nacional todos os domingos.
Os dois candidatos mais votados no pleito foram o ex-governador de Alagoas, Fernando Collor de Mello (Partido da Reconstrução Nacional) e o sindicalista fundador do Partido dos Trabalhadores (PT), Luís Inácio Lula da Silva. O segundo turno das eleições foi um legítimo picadeiro de baixarias. Collor passou a veicular na propaganda que Lula tivera uma filha fora do casamento. Por outro lado, o metalúrgico Lula rebatia dizendo que o opositor era um “sepulcro caiado”. Por fim, os meios de comunicação, sobretudo a Rede Globo e a Revista Veja, passaram a apoiar abertamente a eleição de Collor, o qual ganhou o suporte das classes médias e do empresariado a partir de uma imagem de juventude, dinamismo e vitalidade. Collor era filmado constantemente como praticante de esportes como karatê, corrida e passeios de motoaquática. O jovem candidato brilhava até mesmo como co-piloto de jato militar em tomadas durante o horário nobre na televisão. A mística da propaganda também explorou Collor como um “caçador de marajás”, pois durante o Governo do Estado de Alagoas, o candidato exonerou alguns funcionários públicos que tinham elevados salários. No domingo, 17 de dezembro de 1989, Collor venceu a disputa com 42,75% dos votos, totalizando mais de 35 milhões de eleitores. Lula alcançou 37,86% com mais de 31 milhões.
Para controlar a inflação, o novo presidente lançou o Plano Collor, conhecido como Brasil Novo, elaborado pela ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello. A ideia era a de realizar uma profunda reforma financeira e do Estado para estabilizar a economia, modernizá-la e recuperar a capacidade de investimento. Uma nova moeda foi criada, o Cruzeiro, e adotou-se novo congelamento de preços, medida usada sem sucesso durante os anos do governo Sarney. O elemento mais explosivo do Plano Collor acabou sendo o bloqueio das cadernetas de poupança e contas-correntes por 18 meses. De uma hora para outra, milhões de pessoas foram impedidas de movimentar as contas bancárias, podendo sacar no máximo algo em torno de R$ 17 mil nos valores de hoje. Quem tivesse acima de 50 mil cruzeiros entraria no confisco. O governo esperava controlar a inflação retirando de circulação US$ 57 bilhões de dólares. Em compensação, o dinheiro bloqueado seria devolvido um ano e meio depois com um juros de 6%. Muitos pais de família entraram em desespero ao verem o confisco das economias de toda uma vida. Vários se suicidaram. Outros mergulharam no álcool. Curiosamente, em pesquisa da Folha de São Paulo em março de 1990, 60% dos entrevistados acreditavam que as medidas econômicas de Collor seriam úteis para controlar a inflação.
O Governo Collor foi marcado pela ideia de modernização em que o Brasil deveria se inserir na economia internacional a qualquer custo. Barreiras protecionistas para a importação de produtos de informática, por exemplo, foram sumariamente retiradas. Para que uma empresa pudesse importar um simples computador pessoal era preciso cumprir uma série de trâmites burocráticos junto à CACEX, a Comissão de Exportação e Importação ligada ao Banco do Brasil. A equipe econômica de Collor retirou mais de 2000 embargos que limitavam a importação apenas dos produtos de informática. O mercado brasileiro precisava se adequar aos novos tempos. E depressa.
Inicia-se também um processo de privatização de estatais com a criação de um superministério para desburocratização do Estado. Collor privatizou 18 estatais, com ênfase no grupo de empresas que compunham a Siderurgia Brasileira S.A. (SIDERBRAS). A USIMINAS, em Ipatinga, tornou-se a principal empresa privatizada, sendo adquirida pelo Grupo Gerdau. Assinada por Collor em 2 de junho de 1992, a Lei de Improbidade Administrativa tornou-se um marco importante no combate à corrupção por tornar possível a responsabilização de agentes do Estado pelo desvio de recursos e mal uso dos bens públicos. Na política externa, Collor lançou as bases para a construção do MERCOSUL entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, o mais ambicioso projeto de integração econômica entre países do Cone Sul. O Sistema Único de Saúde (SUS), idealizado pela Constituição de 1988, foi implantado por Collor em 1990 através de leis que garantiam a universalidade do atendimento médico, inclusive para estrangeiros. Mais tarde, Fernando Henrique Cardoso daria condições técnicas e orçamentárias para que o SUS se tornasse uma realidade nos postos de saúde de todo o Brasil.
Ainda que dentro de uma perspectiva bem-sucedida que misturava políticas neoliberais com alguma proteção social, o Governo Collor chegou sem apoio parlamentar em 1992, muito em função da baixa popularidade motivada pelo confisco das poupanças. Faltava um caso de corrupção para demolir a administração. E ele veio. Em entrevista à Revista Veja, o irmão do presidente- Pedro Collor — apontou que o tesoureiro de campanha eleitoral, Paulo César Farias, havia recebido dinheiro fora dos gastos declarados ao Superior Tribunal Eleitoral (Caixa 2) e construído várias empresas-fantasmas, as quais passaram a pagar contas pessoais do presidente Collor. Logo a Câmara dos Deputados organizou uma “Comissão Parlamentar de Inquérito” (CPI) para apuração das denúncias. Durante as instruções da CPI, descobriu-se que o motorista Eriberto França transportava dinheiro para PC Farias. O Fiat Elba usado para deslocamento presidencial havia sido pago com dinheiro de Caixa 2. Outros fatos vieram à tona, como a abertura de contas no exterior utilizadas para desovar o dinheiro não-declarado da pretérita campanha eleitoral.
Ao mesmo tempo, o Movimento “Fora Collor” ganhou as ruas das cidades do país pedindo o impeachment do presidente. Os “caras-pintadas” marcaram uma juventude pós-redemocratização preocupada com a ética na política e os rumos do Brasil. Aprovado o impeachment na Câmara dos Deputados, o Senado afastou o presidente do cargo por 76 votos contra três. Collor renunciou em favor do vice, Itamar Franco (PMDB), na expectativa de que não viria a suspensão dos direitos políticos. Mais tarde, Itamar Franco reuniu as lideranças do Congresso e deu aval político à criação do Plano Real, o mais arrojado programa de política monetária da história do Brasil. Dos escombros do Governo Collor surgiu um processo que derrubou a escalada inflacionária que há décadas assombrava o país.