ENCRUZILHADA

Minhas homenagens aos velhos artistas que morreram durante os anos de 2020 a 2022.

A COVID 19 ceifou a vida de crianças, adultos e muitos idosos. Não é o caso de citar nomes ou os dados estatísticos das mortes anônimas. Ficam indagações sobre como as pessoas enfrentam a doença e a morte? É possível aprender nos momentos mais difíceis de medo e dor? Como sentimos esta passagem?

Pode ser que estejamos tomando uma posição idealista, mas esta dimensão de crescimento e espiritualidade são apontados pelas culturas orientais. A morte do ponto de vista da natureza, e o ser humano faz parte dela, é uma decorrência de finitude, já que tudo que existe tende a acabar. Se tivéssemos culturas mais próximas dos indígenas, dos indianos, chineses e mexicanos, a morte poderia ser encarada com alegria mais que a tristeza. Com isso não se acaba com a saudade que ficará nos corações dos que permanecem vivos.

Vários médicos, psicólogos, sociólogos, literatos e esotéricos reconhecem o lado positivo do envelhecer, embora a maioria emburrecida pelo lugar comum das sociedades de consumo de massa, teime em dizer que é o pior período de suas vidas. Chocadas pelo fim que pode chegar, param no tempo, ficam saudosistas de um passado que não volta mais, e com essas “doces recordações” como válvula de escape, perdem a alegria de viver. Em geral, adoecem rápido recalcando seu desespero por ter de se desapegar da matéria e do medo da morte.

Contudo, o tempo da velhice é o tempo das reflexões sobre possibilidades e limites da vida. A idade avançada cobra o seu preço. Quem não cuida da saúde quando jovem irá ter problemas se tiver vida longa. Porém, se compararmos as vantagens e desvantagens entre as faixas etárias vemos que em todas elas há dificuldades. A criança e o velho são os mais frágeis em força e saúde, vulneráveis às manipulações e violência. Mas, se o velho pertencer aos grupos privilegiados com independência financeira, saúde e bom humor pode fazer o que quiser. Já as crianças são totalmente subordinadas a seus responsáveis. Os indivíduos fogem tanto à tomada de consciência e autonomia que costumam dizer que a melhor fase da vida é ser criança ou ser um jovem de vinte anos. Ou seja, vivem fugindo da responsabilidade do adulto. Quem sabe se esse ponto de vista psicológico, não pode explicar parcialmente, a tendência da humanidade a se acomodar aos clichês, adotando uma “consciência de rebanho”, ou seja, tudo que “o chefe mandar, faremos todos”.

Não somos pessoas tão originais como pensamos, sempre submetidas às desigualdades socioeconômicas e às diferenças culturais entre grupos e classes, criados dentro de padrões e regras sociais. De acordo com o poder aquisitivo temos acesso ao livre-arbítrio, enquanto os despossuídos dos bens materiais terão que se submeter às duras condições de sobrevivência. Os abastados e de médias rendas vivem e os pobres sobrevivem e são submetidos a todo tipo de preconceito e discriminação. Essas são as reais condições do sistema capitalista que conhecemos. Somos populações controladas pela vigilância e punição (Michel Foucault). Podemos negar isso?

O preconceito contra a idade avançada é generalizado na população como um todo, mas é evidente que os pobres quase nunca chegam à velhice. No entanto, ter de envelhecer é encarado como estigma por todos, que nem querem isso e nem morrer. E é este estigma que é trabalhado pela mídia, e outros meios de manipulação mental, para perdurar o conformismo com os valores predominantes. Todos que convivem com velhos sabem dos chistes e das consequências sobre a psiquê, daqueles que se sentem desprezados por seus semelhantes. Esse mal-estar não é exclusividade dos velhos, pois há outros grupos que também são alvo dos estereótipos.

Todos esses problemas, que afetam indivíduos ou grupos considerados diferentes, fazem parte das funções institucionais, que controlam pela repressão ou pelas ideias, o potencial ameaçador de todos que escapam dos ditames normativos. Se fossemos cientes das condições concretas da organização social ficaria evidente que o velho é depreciado porque não é mais produtivo-- nem na reprodução da espécie e nem como força de trabalho. Em um mundo em decadência, crianças e velhos serão sempre alvo do controle populacional.

Todas as principais instituições como o Estado, a Família, a Escola, a Igreja são fundamentais para manter a coesão societal. A palavra de ordem é promover o consenso e evitar os conflitos e contradições, por isso é tão inconveniente conviver com quem é do contra. Para mudar a mentalidade das pessoas precisa ir bem mais fundo do que alterar as condições estruturais de um país, tem que atingir o que é mais difícil de desaparecer, os valores entranhados nos corações e mentes. A imposição de cima para baixo dos ideais que mantem a sociedade coesa é que permite mergulhar a todos nas sombras da ignorância, da insensibilidade, da crença no melhor dos mundos como “tábua de salvação”.

Fundamental, aos velhos é se munir de interrogantes e fazer a ponte entre o “mundo exterior” e o “mundo interior’. Para se preparar nesta travessia tem que se desapegar do mundano, da alma apequenada presa às competições, riquezas e futilidades.

Fernando Pessoa que entendia a vida como a sucessão de desafios no poema “Mar Português” afirmou:” Valeu a pena? / Tudo vale a pena/ Se a alma não é pequena/ (...) Deus ao mar o perigo e o abismo deu /Mas nele é que espelhou o céu”.