O ESTADO DE POESIA CONSTRÓI O POEMA
“Olá amigo Joaquim Moncks, obrigada por todas as aulas que nos transmites. Entendo que é permitido, ao se escrever o poema, expressar o sentimento do momento...”
– Maria Santos Rigo, de Canoas/RS, pelo Facebook, em 17Dez2022:
Querida poetamiga! Quanto ao que ponderas acima com a (tua) densidade de mulher sábia e generosa, quando dizes: "... entendo que é permitido, ao escrever Poesia, expressar o sentimento do momento"; esta "permissão" (talvez o vocábulo esteja mal aplicado) simplesmente não existe, porque em Arte não se pede permissão a nada nem, tampouco, a ninguém.
Porque Arte, em regra, é produto forjado pela ousadia de divergir do que está posto. Enfrentar e pagar o preço.
Prossigamos na análise, certo? No meu sentir, e isto vem ocorrendo reiteradas vezes nos últimos sessenta anos de cuidadosa atenção para com o processo intimista de criação poética, a que também poderíamos definir como "o da entrega emocional ao estado de Poesia", posso relatar que (em mim) acontece assim:
1. O primeiro registro da materialidade (concreta) da Poesia é um rabisco, uma singela anotação que emerge do primeiro momento de criação, aquele no qual o sentimento flui e a emoção comanda todo o processo de registro, de lavratura das ideias provindas do caldeirão fervente dos pensamentos. Este processo do pensar emerge inesperado e desordenadamente. É a centelha emocional que garatuja o escrito através do fluxo intuitivo-sensitivo da inspiração.
2. O segundo momento é o da "transpiração", onde a razão burila, cinzela, insere e/ou registra os significantes, examina as opções de significados, buscando dar à peça poética um formato definitivo para aquele novo instante criativo. Enfim, este segundo momento visa a busca de uma forma estética que concilie palavra candente, ritmo e imagens reproduzidas pelas figuras de linguagem, especialmente as metáforas, com tal talento que o texto criado perca o mínimo possível da genuína emoção, a tal ponto que continue a comover o eventual leitor.
3. Temos então a peça estética pronta para vir ao encontro do poeta-leitor. E é este, curiosamente, e não o poeta- autor, quem lhe vai propiciar o primeiro respirar. Até então o conjunto textual era um natimorto, pois o poeta-autor, neste momento do criar (no ato complexo de criação de sua arte, dialogava com o Bem e o Mal, sugere José Régio, um vate português contemporâneo de Fernando Pessoa, autor do livro “Poemas de Deus e do Diabo”, publicado em Coimbra, s. d., 1925), o que aqui vale lembrar, ele, José Régio consigo mesmo e os seus alter egos, frente ao caos de suas intimidades: desavenças, desejos insatisfeitos, frustrações, inquietudes frente ao mundo dos fatos, etc.
Resumindo: o poema com Poesia é uma peça estética que se apresenta como a tradução do sentimento de seu autor através de palavras, formando imagens, e é peça única, original, genuína. Em sua construção psíquica, o poema é o resultado artístico vivo da simbiose entre a emoção e a razão.
Por esta singela e, ao mesmo tempo importante conclusão, o poema é sempre pedra preciosa de alta cotação nos domínios da sensibilidade de seu autor.
Ainda que alguns estudiosos e pesquisadores atentos saibam que a sua lavratura pessoal, a sua pretensa historieta, é o fruto sazonado da inventiva, criativa arte assentada na farsa, na fantasia, no sonho e outras abstrações.
O poema com poesia é também o abrigo intimista, significante codificado que o protegeu em determinado momento, de suas inseguranças, fraquezas medos, fazendo com que o poeta-autor sinta a vida sob o seu controle, sensação obtida pelas doses benéficas provindas da felicidade e da sensação de bem-estar reproduzida em seu universo emocional.
E todos sabemos como é difícil abrir mão de um “tesouro” que nos dá prazer e gozo, especialmente na amplitude do lírico-amoroso, agridoces territórios do amor de a(r)mar.
MONCKS, Joaquim. O CAOS MORDE A PALAVRA. Obra inédita em livro solo, 2022.
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