O SANTO DESTRUIDOR DE SONHOS!

PARTE 2

Finalizamos aquele almoço e logo procuramos nos desvencilhar daquele inquisidor medieval.

Fomos para o saguão do hotel e rimos das peraltices do cara que ficou provocando o “servo de deus”, lambendo a ponta da calabresa, obrigando-o a desviar o olhar sempre que tentava inquiri-lo.

Era como se de alguma forma (escondida), aquele “santo” fosse tocado com aquele gesto lascivo, mas pra mostrar compostura, preferia ferir e doutrinar o gordinho da bisteca suína, já que com os outros não tivera muito sucesso.

Fomos interrompidos em nossas risadas por um dos secretários do evento que viera informar que em 5 minutos a palestra seria retomada e que todos deviam estar na sala de reuniões.

Tão logo saímos, nos acomodamos nos assentos já marcados e dali a 10 minutos depois estamos ouvindo o palestrante.

Adivinhe quem? Isso mesmo, o mauricinho puritano!

De imediato, ele começou dizendo que sua fala deveria ter sido a última do evento para “fechar com chave de ouro”, porém pediu antecipação pois entre as 17:30 e 18 horas, ou seja, dali a poucos horas ele deveria se recolher aos seus aposentos e cessar todo labor, pois todas as Sextas-feiras assim que o sol se punha o “dia do Senhor” teria dado início, até pôr do sol do dia subsequente.

Sim. Tinha que ser!

Como se não bastasse ter estragado nosso almoço, agora estava ele ali para estragar também as últimas horas do nosso treinamento (aquilo não era um evento religioso. Era de negócios!).

Ele se empolgou nesse assunto (guarda de dias santos), e falou por quase 5 minutos, louvando a si mesmo, falando o quanto prezava em zelar pelas “leis de deus” e por isso desejou antecipar sua fala.

Disse que não iria retornar à sua casa naquele dia pois não mais dava tempo, mas daquele instante em diante ficaria ali com sua família, passariam todo o Sábado trancafiados no quarto do hotel, cantando e lendo versículos bíblicos, para somente depois, no Domingo, voltarem a curtir a estadia.

Sua fala gerava ânsia de vômitos, mas ninguém tinha coragem de dizer.

Foi quando um dos outros palestras vociferou algo para ele (ainda que sem som) e ele decidiu mudar de assunto.

-FOCA NO ASSUNTO. NOSSO TEMPO É CURTO!

Foram essas palavras que julgamos ter ouvido por meio da leitura labial.

Então, o chato de galocha se recompôs e começou a falar o que deveria, passando em rápidas pinceladas o objetivo de estarmos ali.

Não demorou muito para que ele fosse traído pela própria hipocrisia e logo ele começou a falar sobre a história da sua empresa, como tinham chegado até ali e quais foram os métodos adotados para atingir o seu suposto sucesso.

Ficamos chocados quando ele citou tão empolgadamente os seus métodos de crescimento.

Um deles, senão o principal era o SUBORNO! Quando ele via (sabia da existência) de um concorrente na mesma região, ele partia para o ataque.

Primeiro fazia uma “oferta de paz”.

Tentava fazer com que o dono do estabelecimento deixasse de ser um distribuidor direto do produto ou serviço e passasse a ser um correspondente dele, do modo que ele queria, com os termos que ele determinava. Quase sempre isso significava que o seu concorrente ganharia 50% menos e trabalharia 200% mais para manter o mesmo nível lucro antes de se juntar a ele.

Caso o concorrente não aceitasse tal “parceria”, ele passava a subornar os funcionários destes usando métodos variados: comprava secretamente informações privilegiadas da empresa; convidava os funcionários da concorrência para serem seus parceiros, oferecendo o dobro do salário (ainda que não tivesse a intenção de cumprir); incentivava outros funcionários a criarem casos dentro da trabalho para assim serem demitidos e “botar o patrão no pau”; este, por sua vez, sem recursos financeiros e humanos para tocar o negócio, o “perdedor” não tendo outra escolha senão a de abandonar o ramo ou vender-se como escravo para o seu concorrente.

Quando nada disso funcionava, ele subornava o dono do prédio onde o estabelecimento comercial funcionava.

Ele incentivava o proprietário a cancelar o contrato com o inquilino atual pedindo de volta o ponto, assumindo assim a multa do contrato determinada nos termos, tudo isso só para ver seu concorrente “se lascar”.

O falido só saberia meses ou anos depois quem teria sido o arquiteto daquela macabra façanha.

Ás vezes, ele pagava inclusive para o dono do imóvel (depois de expulsar o concorrente) manter o prédio fechado, sem movimento algum, para que outro inquilino do mesmo ramo não funcionasse ali.

Quando isso também não dava certo, ele abria uma loja igual ao lado do “inimigo” (que por sinal não tinha tanto poder de fogo) e aniquilava-o por meio de ofertas fabulosas ao clientes, mesmo sem obter lucro algum, só no intuito de fazer com que o comércio do outro viesse à ruina.

Ele também afirmou corromper donos de veículos de comunicação para não rodar ou diminuir a propaganda dos outros, em contrapartida só rodar (ou rodar mais) a dele.

Por meio de jingles e chavões baratos ele também procurava denegrir (ainda que de forma velada, pouco perceptível) a moral dos donos das empresas e dos serviços por elas prestados pela concorrência quando estes demonstravam resistência, e não queriam ser seus aliados (digo, escravos).

-Quem não é por nós, está contra nós! Devemos pisar na cabeça dos inimigos enquanto eles ainda estão deitados. Jamais deixem que eles ganhem forças. Aniquile-os. Esmague-os. Extermine-os...

Creeeeedo!

Ele dizia isso sem nenhum remorso e com tanta confiança que por vezes parecia que estávamos em uma luta armada ou enfrentando impiedosas hostes infernais. Mas eram só pais, mães de famílias e trabalhadores autônomos querendo aprender novas técnicas de vendas para ampliar o alcance dos seus negócios e com isso nossa lucratividade.

Ele se deliciava ao contar coisas horrendas como se fossem combates espirituais, cujo capitão (deus) o tivesse guiando ao sucesso.

Ele ria. Mudava o tom de voz. Pulava e dava socos no ar, ao enumerar quantas vezes havia feito aquilo na vida e quantas vezes já tinha dado certo.

Enumerou com prazer quantas empresas havia conseguido fechar e quantos pais de famílias tiveram de desistir dos sonhos de serem pequenos empreendedores por sua causa.

Se sentia como um crente do velho testamento esmagando todos os incrédulos por onde passavam, cujo único pecado dos massacrados era não conhecer ou não crer no seu “deus verdadeiro”.

Ele atribuía todo “sucesso” nos negócios ao Criador (indiretamente ele atribuía à sua igreja e sua forma medíocre de ver o mundo e rotular pessoas ao seu redor).

Fiquei (alguns de nós também ficou) de boca aberta, estupefato, sem acreditar em nada do que estávamos ouvido. Se não estivéssemos ali, não acreditaríamos jamais se um terceiro nos viesse contar.

Aquilo era coisa de gangster. De milicianos. Gente que meche com drogas, trafico e todo tipo de ilegalidade.

Judicialmente (dependendo do contexto) aquilo poderia até ser legal perante a lei, mas diante de Deus, do deus qual ele dizia servir, isso era certo?

Não era aquele o homem que apenas 30 minutos antes estava nos julgando pela forma que nos alimentávamos? Não era ele mesmo que apena 5 minutos atrás estava exaltando a guarda do sábado?

Rapaz...inacreditável!

Qual bíblia ele estava lendo?

No mesmo local (Exodo capítulo 20, versículos de 1-14) em que se está escrito que o Sábado deve ser guardado, também é dito que não se deve desejar a mulher, os bens ou os funcionários das outras pessoas...Ele não leu essa parte?

Na mesma bíblia em que diz que deus “abençoa os que guardam a sua palavra”, também é dito que ele “toma as dores dos injustiçados, dos traídos e dos que levianamente sofreram danos por pessoas que passam o tempo inteiro maquinando o mal contra o seu semelhante”. Será que esse rapaz também não leu esse trecho?

Que vergonha...quanta hipocrisia!

Me lembrei imediatamente do que havia ouvido anos antes:

-A bíblia é um grande buffet dos hipócritas! Cada um pega somente o que é capaz de cumprir. Tudo o que for mais difícil ser feito (como respeitar seus semelhantes), eles ignoram ou dizem não ter mais validade para os dias atuais!

...

Naqueles dias eu ainda era evangélico.

Esse e centenas de outros traumas me marcaram profundamente ao longo dos 23 anos que vivi diariamente (literalmente) na suposta casa de deus.

Ainda que eu não fosse um fanático, eu estava rodeado deles.

Ainda que eu não fosse um hipócrita, chegava a ser conivente com a hipocrisia alheia, para não desagradar aos “ungidos dos senhor”, nem escandalizar a “santa igreja”.

Todo ex-religioso tem um passado tenebroso que procura esconder ou fingir que nunca aconteceu. Isso não quer dizer que todo religioso fizera coisas horrendas no passado. Mas é inegável que qualquer pessoa tendo passado ao mínimo 3 meses numa igreja qualquer, não tenha tido motivos para denunciar uma ou mais pessoas do seu “bando” sobre abusos físicos, morais, financeiros ou sexuais. Mesmo sendo o fiel um próprio abusado, por vergonha ou medo dos supostos castigos de deus, eles preferem abafar os casos, principalmente quando fora o causador destes.

Depois disto (e de outros tantos mais), um outro ditado que ouvi de uma outra pessoa que dizia:

-Só 3 tipos de pessoas defendem imparcial e veementemente a bíblia e a igreja como sendo objeto e instituição sagradas e inerrantes: 1-os que com elas lucram (os ilusores); 2-os que por meio dela compram sonhos (os iludidos e ignorantes); 3- e os totalmente desonestos, que sabendo de como tudo funciona, preferem tirar vantagem dos dois lados!

Está aí algo difícil de refutar (de modo coerente).

Vivendo em um país aparentemente laico, é importante ressaltar a liberdade de crença religiosa como um direito civil adquirido, ainda que a fé de alguém possa ser considerada como pífia, contraditória e moralmente defeituosa.

A mesma laicidade dá a ao próprio observador (religioso ou não) o direito de expor toda essa hipocrisia e como esta afeta a vida dos demais, incluindo os não religiosos ou pessoas de outras religiões (igrejas) que são afetadas por aqueles que interpretam de modo particular a bíblia para que esta atenda somente os seus desejos mais nefastos.

Como todas (sem exceção) fazem interpretação própria desse livro, vale ressaltar que todas elas (igrejas, culto, seitas) são um risco à ordem social quando desejam impor aos outros e à todo custo sua forma particular, isto inclui os que estando dentro querem sair.

Lembrando também que o crescimento ou dominância louca destas agremiações não dependem exclusivamente dos líderes ou fieis religiosos. Eles querem mais, sempre mais. Dominar o mundo é o desejo (ainda que inaudito) de todo chefe religioso.

Eles não sabem quando parar e mesmo sendo avisados que deveriam, não parariam, nem com o uso da força, até por que, para um fanático, morrer pela suposta causa santa é um privilégio, não uma perca.

As forças políticas também pouco ou nada fazem para conter o crescimento e abusos sociais que eles cometem, até por que precisam de tais currais eleitorais para se promoverem.

O freio para tais bestas (ou bestialidades em nome da fé), reside na arte, na música, na dança, na literatura, no cinema e em tudo o que possa retratar de modo cômico e sem sentido o quão inútil é o “agir de deus” em relação às ações dos que deles dizem representar e confiar. Ponha cara-a-cara a fé em relações às obras (ou vice-versa) e a própria religião se destrói.

Ateus, céticos, cientistas, filósofos e teólogos tem servido de freio contra os mais lunáticos desde o início dos tempos. A vida moderna com seus recursos tecnológicos também tem sido de extrema importância para o desapego desse tipo de ilusão.

Ao descobrir que uma aspirina cura mais a dor de cabeça que 10% do seu salário e subserviência total a um pastor, muita gente tem pensado duas vezes em recorrer a uma igreja para pedir orações em dias de enfermidades.

Isso serve também para outros assuntos.

Nunca espere lucidez, moralidade, justiça e equidade de qualquer pessoa que diga ser 100% instruída por deus ou pela sua “santa palavra”.

Todos eles são perigosos de uma forma ou de outra, principalmente os que dizem ouvir diretamente sua voz ou conhecer os íntimos desejos do coração seu coração. Cuidado redobrado em relação à estes. Tragédias, suicídios coletivos, invasões, abusos financeiros e sexuais estão sempre ligados a este tipo mentalidade de uma forma ou de outra. Fujam deles!

Um trauma- todos tem, tiveram ou terão numa igreja. Isso é mais garantido que a suposta salvação ou paraíso celestial.

Estes traumas podem ser usados usado como uma alavanca para desenterrar as hipocrisias dos fundamentos de sua própria crendice ou como catapulta para te lançar além dos muros da ilha ou da bolha que todos chamam de igreja. Pode também servir de ancora para te vitimizar, não sair mais dali e receber a impiedosa piedade de todos.

Você decide.

No buffet dos hipócritas, melhor nem sentar-se à mesa.

Revejam Seus Conceitos!

Texto escrito em 11/12/22

*Antônio F. Bispo é graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia.

Obs.: A parte 1 desse texto chama-se O GRANDE BUFFET DOS HIPÓCRITAS. Caso queira ler, procure aqui nessa página ou em minha página pessoal que irá encontra-la

Ferreira Bispo
Enviado por Ferreira Bispo em 11/12/2022
Código do texto: T7669677
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