O GRANDE BUFFET DOS HIPÓCRITAS

*Por Antônio F. Bispo

Certa vez ouvi alguém dizer que, antes de tudo, a bíblia é como uma grande mesa de self servisse: cada um pega o quer, o que pode pagar, o que sua saúde lhe permite ou o aquilo que seu paladar conhece, deixando todo o restante nas bandejas ainda que mais nutritivo ou saboroso.

Quando perguntados por que não se servir-se de tudo, estas pessoas ao invés de assumir os seus motivos pessoais (saúde fraca, pouco dinheiro, paladar restrito pela ignorância e preconceito...), elas preferem dizer que as demais comidas são perigosas, nojentas ou não comestíveis. Quando não, põem defeitos no cozinheiro ou em toda estrutura do local.

-No mercado da fé, cada um compra ou se alimenta do que quer!

Uma outra pessoa que conhecia acrescentava:

-Qualquer que afirme precisar (se esconder atrás) de uma bíblia, de uma igreja de um deus ou de uma religião para ser gente boa, esta pessoa estar apenas tentando ocultar erros (culpa) do próprio passado ou garantir um álibi para não ser julgado de uma culpa (responsabilidade) futura!

Este último ainda dizia:

-Note que entre os que dizem ter Deus como guia, em sua maioria estão inclusos os que causaram e ainda causam danos à outrem e não querem com estes se reparar. Por isso falam da fé para fazer de conta que tudo já se resolveu só pelo fato de crer em algo. Além disso, estes recintos também estão infestados de gente corrupta, que pensa que “doando” 10% de tudo que faturam à uma igreja terão a deus como cão de guarda ou agressor particular, apontando-o contra qualquer um que lhes aborreçam e indiretamente com seu modo de crer dizem: “pega ele Deus! Eu te pago pra isso”!

Demorei anos para constatar pessoalmente essas afrimações.

Mesmo depois de adulto, estudando teologia e convivendo (estudando, trabalhando, liderando) com crentes de várias de igrejas diferente, eu insistia em pensar (dizer) que todas elas (igrejas) estavam certas desde que estivessem clamando a deus, acreditando em seu filho como salvador e esperando o dia da remissão, ou seja a suposta vinda de Jesus.

Eu dizia sempre que deus amava à todos e que todos seriam salvos independentes de onde estavam ou com quem estavam, se estivessem fazendo a coisa certa!

Este era o maior problema...FAZER A COISA CERTA!

De acordo com cada líder fundador de uma igreja, dos que impõem à força usos e costumes e dos que defendem os próprios pontos de vista (mesquinho) sobre deus, o mundo e a vida em geral sobre suas próprias visões, todos eles estão certos, só eles estão salvos, e somente estes (as vezes um grupo inferior a 100 pessoas) irãoi para os céus. Todos os demais, do passado, do presente ou do futuro foram ou irão para o inferno, por que não cumpriram determinado rito ou se absteve de determinada coisa “instruída por deus somente àquele líder”.

Que lástima! Esse deus é tão sádico quanto seus veneradores.

A fé um terreno pantanoso, e diferente do que se pensa, quanto mais se cava, mas grudado no lodo a pessoa fica. Só a razão e a lucidez podem libertar um escravo da religião. “Quebrar a cara” dentro das igrejas também ajuda muito.

Às vezes, as pessoas só mudam de comportamento (ou forma de pensar) mediante a traumas profundos e isso é o que não faltam dentro dos locais onde a ignorância e a submissão irrestrita são considerado moeda de troca pelos “santos do senhor”.

Mesmo diante de tantas evidencias, um “cego de cristo” prefere continuar na caverna, na zona de conforto da própria estupidez e ter que encarar o mundo e as coisas como realmente elas são.

Foi justamente em um buffet de um luxuoso hotel (literalmente), que eu pude usar um desses traumas para reavaliar meus conceitos sobre a bíblia, as igrejas e os distúrbios psicossociais que estas são capazes de causar, baseados na defesa de uma suposta sacralidade e/ou cumprimento de(os) propósitos divinos.

Naquele dia, cerca de 200 pessoas do meu ramo de negócios haviam sido convidadas para um treinamento sobre os novos produtos e serviços que a empresa matriz passaria a oferecer.

Individualmente éramos todos independentes e poderíamos decidir se queríamos ou não estar ali. Sendo um treinamento para melhor desempenho, claro que fomos. Sem falar que era um fim de semana em um dos melhores hotéis da região com tudo pago. Só os melhores (mais produtivos, líderes de equipes, gerentes, supervisores) estavam ali.

Teríamos 2 dias de palestras com vários oradores experientes, tendo cada um deles um espaço de até 2 horas pra falar sobre sua área de atuação e como aplicar isso em nossas equipes.

Estávamos pra começar o último período do segundo dia, encerrando assim o evento e voltarmos para nossas casas.

O hotel era um outro estado da federação, com várias pessoas de todas as regiões do Brasil. Cerca de 8 palestrantes já haviam falado até então, faltando apenas dois deles para finalizar o evento.

Ao meio dia nos dirigimos para a ala de alimentação do hotel.

Esperávamos na fila de um vasto buffet, todos anciosos (como no dia anterior) para degustar das muitas comidas ali exposta, e sem exageros, colocávamos no prato aquilo que aparentemente era bom.

Julgávamos pela cor, textura e cheiro que emanava do alimento.

Queríamos experimentar o novo ao mesmo tempo que não queríamos passar ridículo ou causar desperdícios, enchendo o prato de comida que ainda não conhecíamos, tendo possivelmente um gosto ruim. Então, destas pegávamos o mínimo possível. Se gostássemos, repetíamos. Se não, era pouco o suficiente para serem ignorada pelos demais.

Um de nossos amigos pôs quase nada de comida e encheu o prato quase todo de proteína animal, principalmente carne de porco e calabresa.

Foi quando um chato atrás de nós irrompeu (sem ser convidado) dizendo:

-Sabia que deus não se agrada disso? Sabia que é errado comer carne de porco? Está na bíblia, capitulo tal, versículo tal! Sabia que por causa disso deus castigou ou permitiu que fossem castigados o seu próprio povo? Seria bom nunca esquecer disso...

Olhamos todos para trás, para ver quem era o energúmeno.

Cinco ou seis pessoas atrás de nós, quase dobrando a fila estava um sujeito “arrumadinho”, todo embecado, usando relógio, roupas e sapatos caros, além de possuir uma grande quantidade de gel na vasta cabeleira. Era ele o autor daquela intromissão inadvertida.

Uma visão típica de play boy snobe, tentando à todo custo chamar a atenção dos outros. Um “crente cheio de deus e guardador dos mandamentos divinos”, termo que ele auto intitulou depois.

Um de nós se preparou para responder à altura.

Um outro mais à frente cutucou-lhe as costelas e disse baixinho:

-Melhor não revidar. Ele é um dos filhos do donos da empresa. Está custeando parte de nossa estadia aqui e será um dos palestrantes finais...Não sabemos qual será a função dele daqui pra frente. Vamos evitar atritos desnecessários...

E assim foi feito.

Silenciosos sentamos à mesa poucos logo à frente.

O rapaz que “encheu o prato de carne de porco” sentou ao nosso lado com um olhar de culpa, como se tivesse feito algo realmente pecaminoso. Come se houvesse acabado de cometer um crime gravíssimo naquele instante.

Por azar, o “santão” também sentou entre nós.

Foram quase 30 minutos de sermões ininterruptos (sem que ninguém houvesse pedido sua opinião em nada).

A comida estava uma delícia, mas a companhia daquele “ser de luz” fazia-nos desejar a simplicidade nossos lares ao invés daquele hotel 4 estrelas.

O cara era literalmente uma bosta. Apontava defeito em tudo. Falava o tempo inteiro de deus, da bíblia de sua igreja e o quanto deus estava irado com a humanidade por estar comendo “comida imunda” e não guardar os Sábado.

Sim! Tinha que ser!

Estávamos diante daquele tipo de sujeito que julga que a solução para os problemas do mundo se resumiam em apenas duas coisas: guardar um “dia santo” e não comer “comida pecaminosa”.

Parecia que se fizéssemos apenas isso, todos os demais problemas seriam resolvidos.

Como se a ganancia, a inveja, a lascívia, as traições, o desamor, a impiedade a as demais moléstias de todos os homens sumissem apenas fazendo essas duas coisas.

Como se todas as pessoas sem lares, sem comida e doentes do mundo inteiro, passariam a ter casas, alimentos e saúde infinita somente por que fizeram isso (como se já não tivessem feito no passado sem sucesso algum).

Como se os terremotos, as queimadas, a poluição do ar, das águas e extermínio da fauna e da flora de algumas regiões viessem a se reverter única e exclusivamente pela “guarda” de um único dia e não ingestão de apenas uma espécie de animais entre tantas outras.

Diante desse discurso patético, a maioria de nós apenas meneava a cabeça e continuava comento como se nada estivéssemos ouvindo.

Resmungávamos de forma vaga sem nem olhar pra ele:

-Ahã. Sim. Sei. Que coisa né? Rapaz...como o mundo tá perdido!

Um outro (o mais presepeiro nós) passou a comer de forma provocativa, meio lasciva, olhando bem nos olhos do chato, mastigando bem devagar o alimento e até lambendo os próprios lábios e a ponta do calabresa qual ia ingerir, como se quisesse fazer daquilo não somente um ato “pecaminoso” como também uma “invertida sexual” contra o puritano ali presente.

Rsrsrs. A vontade rir era imensa, mas nos controlávamos.

O gordinho, coitado... Era só culpa, srsr. Foi quem mais “apanhou” do servo inútil.

Os olhos do inquisidor encontrou nele a fraqueza necessária para fazer daquela situação um palanque para se auto promover.

Isso é comum a quase “toda pessoa cheia de deus”. Quando acreditam ter achado o âmago do sentimento de culpa de alguém, selam esta pessoa e cavalgam em suas costas, explorando esta suposta fraqueza, como se estes fossem suas mulas, conduzindo-as para onde bem entenderem.

Geralmente estes as conduzem de forma sádica ou de modo que possam tirar proveito moral ou financeiro em cima do “pecado” alheio. Aquilo que eles chamam de culpa, pecado ou motivo da ira de deus, na maioria dos casos são instintos humanos, comuns a todos os animais, a exemplo do desejo de comer, beber, acasalar e socializar. Mas os crentes (abobalhados) conseguem transformar tudo e um ato de afronta ao seu deus ou a sua fé. Ali estava um desses, típico falso moralista.

(Continua...)

Ferreira Bispo
Enviado por Ferreira Bispo em 11/12/2022
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