Introdução à Imprecisão Metódica
O termo “imprecisão metódica” surge pela primeira vez na introdução do livro “Os Diários Esquizoanalíticos de Raul Brasil”, mas possui um histórico por trás de seu surgimento. Quando ingressei nos estudos filosóficos tinha isso em mente: não basta somente ler filosofia, é preciso, de alguma forma, praticá-la. A prática é a melhor forma de aprendizado, com certeza tenho essa convicção devido a minha veia artística, não há uma só aula de desenho acadêmico que não repita esse slogan: praticar é a melhor forma de aprender. De alguma forma reproduzi isso nos estudos. Não bastava apenas ler, eu precisava dar vazão àquele conhecimento por outra via, neste caso: o da escrita. No entanto, eu não sou um conhecedor, um filósofo de fato sou apenas um estudante, um entusiasta, ousadamente gosto de dizer que sou um filósofo em formação. Desta forma, tendo a escrita por método de exercício e experimentação, não é de se esperar que haja uma precisão conceitual entre o conteúdo escrito e o estudado pois escrevo justamente para entender o que li. Assim sendo, ter a imprecisão como método de estudo e de escrita (não necessariamente como método de investigação) trata-se decerto de permitir-se errar para então corrigir-se e aprender. Diante disso, meu intuito nunca foi reprodutivo, não me bastava apenas reproduzir aquilo o que achava que tinha entendido dos textos, meu objetivo sempre foi contribuir para com a filosofia. Eu não escrevo apenas sobre o que eu li, mas escrevo principalmente a partir do que eu li, e daí deixo as ideias fluírem, e nesse sentido torna-se mais importante do que nunca permitir-se ser impreciso.
Ter a precisão como método pode ser algo perigoso, porque pode nos prender dentro de um certo circuito conceitual sem que dali possamos sair, justamente por sermos “precisos” demais, repetitivos demais, a única forma de quebrantar com o circuito da repetição é justamente a imprecisão, o equívoco, o erro: mais uma vez minha veia artística interfere na filosófica. Uma “técnica” interessante dentro da poesia ou das artes visuais é justamente a integração do erro à obra: “ops derramei um pouco de tinta a mais” pois a partir do erro existem duas opções: começar de novo ou fazer algo novo e imprevisto a partir do erro, ver até onde aquele erro nos leva, e pasmem, ele sempre nos leva a um lugar imprevisível. É semelhante a o que raulwreneck gosta de chamar de acaso.
Um exemplo que ilustra muito bem isso está em um diálogo que certa vez tive com uma colega que se considerava nietzschiana. Na época eu era uma pessoa extremamente acadêmica, metódica e precisa no tocante à filosofia, não tolerava imprecisões. Discutimos sobre o conceito de eterno retorno e sua interpretação do trecho de Gaia Ciência sobre o conceito era radicalmente diferente ao que Nietzsche quis transmitir, foi aí que eu lhe disse: “você está errada, essa interpretação é imprecisa” e ela retrucou: “eu não me importo, gosto muito mais da minha interpretação do que aquilo o que ele quis dizer”, e de fato sua interpretação era bastante interessante; isso é a imprecisão metódica. Veja: não importa se a sua interpretação está de acordo com aquilo o que o filósofo quis dizer ou não, isso é chato demais, o que realmente importa é o que você faz com aquele texto que leu, o que você faz a partir do texto que leu, como você o experimenta, como o integra, o que cria a partir dele. Precisão é repetição, imprecisão é criação.
E foi com esse espírito que escrevi todos os meus ensaios até hoje, não me importa ser coerente com o que Fulano ou Beltrano disseram, o que me importa é dizer algo novo a partir do que eles disseram, haja em vista que não sou papagaio. Claro, preciso entendê-los, não vou me agarrar religiosamente ao primeiro entendimento que me vem à cabeça quando leio uma frase, mas entender não basta, entender é pouco demais, a razão nunca foi suficiente. A irracionalidade cria linhas que a razão não pode prever ou coordenar, algo surge a partir dali, basta que seja funcional e interessante, ou no mínimo: divertido, é apenas sobre isso. Nós erramos, vamos errar e que assim seja! O erro é uma rachadura no plano de repetição e essa rachadura pode ser uma toca do coelho, nada mais interessante do que ver até onde isso vai dar.