AS 72 HORAS MAIS LONGAS DA HISTÓRIA!

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Ato 1

As 72 horas mais longas da história!

*Por Antônio F. Bispo

Éramos o povo do cercadinho.

Todos os dias estávamos lá, na saída do Alvorada ou em outros locais estratégicos para bajularmos o nosso mito.

Alguns de nós éramos pagos pra isso. Outros não.

Tínhamos a impressão de que éramos amado por ele e que ele nos amava de verdade.

Assim como um fanático religioso conserva a ilusão de ter um Deus pessoal só para si a fim de realizar seus desejos mais nefastos só por que o bajula e o cobre de palavras vãs, assim também nós passamos a nos comportar em relação ao nosso ídolo.

Fizemos dele o nosso ungido e passamos a trata-lo como um “presidente pessoal” e não de toda uma nação. Achávamos que de um modo ou de outro, cedo ou tarde ele iria prender ou exterminar todos os que julgávamos inferiores e apartidários. Nossos anseios mais obscuros e desejos mais profanos poderia agora ser nele projetado, enquanto ocultado pelas falas de quem “não tirava deus da boca”.

Um culto foi formado ao seu redor e demonizávamos os que honestamente queriam abrir os nossos olhos.

Ele (como funcionário público número 1 da nação) deveria ocupar seu tempo presidindo e governando em função do bem estar de todos, coisa que o seu cargo claramente exigia. Porém (talvez), devido ao nosso louvor incessante, ele passou e a se comportar como um esnobe astro de cinema no auge da fama. O eterno figurante da quinta série com resquício de obsessão anal era o papel que ele melhor interpretava quando estava diante de seus súditos. O de masculinidade tóxica era sua segunda melhor atuação.

Tínhamos por certo sermos nós o povo escolhido dessa geração. Julgávamos ser escolhidos por Deus, além de amado por ele. Sonhávamos em mandar nesse país por longos anos e fazer de nossa vontade uma extensão do seu próprio desejo. Repetíamos frases de efeito e bordões desconexos citados por ele como forma de mostrar que éramos parte do seu rebanho.

Estávamos disposto a pegar em armas e a destroçar outros povos e nações que ousassem criticar o nosso ser idolatrado. Ele nos completava assim como nós a ele.

Outrora vivíamos desgarrados, “oprimidos pelo comunismo” e ele nos juntou em um só propósito. Nos livrou da mamadeira de piroca, dos banheiros unissex e estimulou a compra de armas de fogo, mesmo alguns de nós não tendo dinheiro nem para comprar o básico para sobrevivermos. Ele nos amou primeiro enquanto estimulava o ódio contra quem de nós discordasse.

Ele despertou em alguns de nós aquilo que de pior poderia haver no ser humano: o preconceito, a soberba, a ganancia, o orgulho, a trapaça e a cobiça e o desprezo pelos mais fracos (e minorias). A fabricação e compartilhamento de notícias falsas foi um marco memorável em nosso movimento, mesmo repetindo o tempo inteiro que a verdade nos libertaria.

Em alguns outros ele fez surgir o sentimento patético de subordinação exagerada às hierarquias militares e às lideranças religiosas, cujos chefes com eles concordavam. Aos que deles divergiam, a anarquia era imediatamente incitada para que o “iníquo” fosse substituído por algum “puritano conservador” de sua confiança e assim todo o rebanho pudesse ser manipulado.

Ele se dizia imbrochável. Até parecia ser, apesar de recuar sempre quando o Xandão engrossa a voz.

Dizia-se também que diante do centrão, ele se comportava como tchuchuca.

Apesar de ostentar virilidade, tinha um ego fraco e se não fosse com frequência bajulado, ficava meio deprê. Ele precisava tanto de nós quanto nós dele. Gostávamos dessa retroalimentação.

Ele dizíamos o que queríamos ouvir e nós o elevávamos à categoria de ungido de Deus e escolhido. Era o nosso messias por aclamação.

Ele tratava a nós, o povo do cercadinho como se fossemos uma representatividade legitima dos desejos de mais de mais de 200 milhões de brasileiros. Fingíamos ser, mesmo sabendo que não.

Éramos menos de 200 bajuladores oficiais entre os mais aguerridos.

Todos disputávamos entre nós mesmo para ver quem seria o maior dos maiores.

Alguns dentre nós foram traídos e descartados nos primeiros dias do seu mandato.

Éramos como abutres, comendo os olhos de nossos antigos parceiros e aliados.

Dilaceramos a carne (ainda em vida) do moribundo descartado pelo mito para que revivendo este, não pudesse ocupar sua antiga posição. Todos queriam ser o “sumo sacerdote da bajulação” perante ele.

Ele dizia sempre:

-Estou aqui por vocês! Faço o que faço por vocês! Vocês são a minha voz, minhas mãos e meus pés...

Ahhh... Era tão bom ouvir isso todos os dias!

Era como se fossemos invadidos por um orgasmo cósmico.

Imaginar que um rebanho com menos de duas centenas de gente (abobalhada) pudesse influenciar (decidir) o destino de um país inteiro, aumentava ainda mais o desejo de ser capacho.

-Bibibiiiii...mija na minha boca mito... (Esse bordão, criado por um ex-aliado (também traído e escorraçado nos primeiros dias), se tornou um tema constante dos mais diversos memes e animações quando o quesito era se referir a “síndrome do gado louco”).

Alguns de nós não tinha nem o que comer em casa, mas fingíamos estarmos vivendo em um paraíso para que a popularidade dele não viesse a cair. Queríamos segui-lo e estar com ele sempre, ainda que para isso fosse preciso financiar em 120 vezes nossas viagens para vê-lo nas vias sacras, ao lado de milhares de outros compratiotas. Era uma pequena penitência que estávamos dispostos a pagar, se comparado ao que ele passou.

Ele sangrou por nós, luta por nós com um Rambo no meio do planalto, e como uma virgem pura, com hímen e lábios e intocados e permanece fiel aos seus propósitos desde sempre.

Inúmeras vezes atacamos a imprensa para defende-lo.

Milhares de outras vezes atacamos a ciência, a medicina e o bom senso dos mais escolarizados só para não deixar nosso mestre encolerizado. Até quando ele “dava cloroquina pras emas do planalto”, nós fingíamos ser aquilo uma ato lucido, uma estratégia midiática e não uma necessidade de internação compulsória ou intervenção psiquiátrica.

Fizemos diversas inimizades por nosso excesso de idolatria.

Perdemos alguns parentes e amigos para uma peste recente, mas não perdemos a afeição do mito nem da bolha que criamos em torno dele e de suas “palavras de sabedoria”.

Isso importa muito para nós.

Pela fé em deus e pelo “data-povo”, tínhamos a plena convicção que venceríamos essa batalha no primeiro turno. Até “Deus” por meio de profecias e cânticos nos círculos evangélicos havia nos dado essa garantia.

Mas perdemos.

Nossa vida virou de cabeça para baixo.

Estamos desorientados e não sabemos mais o que fazer.

Todo o nosso projetos de futuro incluíam a veneração do messias e a ansiosa espera por ele nas vias santas, as tantas que ele criou por todo lugar onde passava. Em qualquer lugar em que ele estava ou passava, o local poderia se tornar sacralizado para nós.

Fabricantes de bugigangas ficaram ricos produzindo souvenires que fizesse lembra nossa paixão pelo mito ou que atestasse que estivemos em alguma aglomeração em que ele se fez presente.

Em algumas dessas aglomerações perdemos “parceiros de luta” que perderam a vida para o covid, após aglomerados para venera-lo. Foi uma morte honrosa. Morreram “defendendo a pátria”. Serão eternamente lembrados pelos que ficaram.

Eram bons tempos. Por sorte há diversos vídeos na net para relembrar o quão “patriotas fomos”. O que para os “comunistas” era tido como um ato de loucura, para nós sempre será lembrado como um dia de gloria eterna.

Agora, a nossa maior dor também é a nossa maior esperança: O SILENCIO DO MITO...Há entre nós uma dúvida se é mais uma de suas infalíveis estratégia ou se ele broxou mesmo.

Alguns de nós estamos aqui em frente aos quarteis, passando perrengues, esperando se cumprir as 72 horas mais longas história desde que o universo foi criado.

A última vez que o Senhor fez o sol e a lua pararem para os “escolhidos” foi no vale de Ajalom (Josué 10.12). Nós somos os escolhidos de deus dessa geração.

Naquela ocasião Josué era o Messias dirigiu “povo de deus” naquele grande feito. Matamos homens, mulheres, crianças, animais e até transpassamos grávidas com os seus filhos no ventre à mando de deus. Foi um grande dia.

Nesse dia imemorável em questão, o próprio Deus deu uma ajudinha massacrando os “esquerdistas” com saraivadas de pedras dos altos céus. Além disso, conta-se que ele deu ao seu povo quase 24 horas a mais de brilho solar (impedindo que a noite tomasse seu lugar), para que com o cair da escuridão os “comunistas” não pudessem fugir e reagrupar. Foi assim que o “povo de deus” matou impiedosamente os seus inimigos de acordo com essa horrenda narração.

O nosso mito pediu 72 horas (será foi ele mesmo quem disse isso?) e lá se vão 33 dias...Sem falar que somos nós que estamos recebendo “saraivadas de chuva e granizo” em nossos acampamentos nesses dias.

Estaria deus enfurecido conosco ao invés de estar irado com os “inimigos”? Porventura deus mudou de lado e agora apoia aqueles que são a favor da “promiscuidade e venezualização do país”?

Onde foi que erramos? Fizemos tudo direitinho “como o senhor mandava” e aqui estamos sendo humilhados diante de nossos “inimigos”.

Deus, Pátria e Família era o nosso manta sagrado. Depois acrescentamos a isso a palavra Liberdade. Mesmo assim estamos em desvantagens.

Desperta-te Ó Deus, atende ao nosso clamor....

CONTINUA...

Texto escrito em 4/12/22.

*Antônio F. Bispo é graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia.

Ferreira Bispo
Enviado por Ferreira Bispo em 04/12/2022
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