CONFISSÃO DADIVOSA

Em mim, mais e mais se instaura a Poesia em sua face hermética, porém não me agradam os exageros: fórmulas tão intrincadas que beiram ao enigma, devido às dificuldades de cognição. Presta muita atenção: estamos falando no estrito âmbito do território misterioso da Poética.

Aliás, podemos começar com uma lição que aprendi de há muito e que se pode reduzir a uma singela observação: caso tenhas em mão um escrito que se pretenda como exemplar pertencente ao gênero poético, e, ao lê-lo de cabo a rabo pela vez primeira, no final da leitura tiveres entendido tudo, não deixando qualquer dúvida sobre o seu conteúdo, este pode ser tudo quanto à sua classificação literária, exceto um poema com poesia.

Sim, porque podemos constatar, sem muito esforço e perda de tempo, poemas em que não ocorre o comparecimento da Poesia na peça poética, especialmente nos domínios do lírico-amoroso. A essas singelas construções textuais costumo denominar de bilhete de amor ou recado amoroso.

No entanto, mesmo não sendo espécimes poéticos que contenham, suscitem ou emitam Poesia como centelha da expressão de linguagem em sentido conotativo, característica identificadora deste gênero literário, estas tipificações banhadas de doçura e eivadas de derramamentos emocionais também possuem público certo, especialmente nas redes sociais da virtualidade internética.

Bem, voltemos aos escritos que se apresentam com boa dose de hermetismo, normalmente pejados de imagética: aqueles em que as imagens voejam e fazem piruetas nas meninas de nossos olhos, imprimindo inusitadas farsas, falácias, fantasias, sonhos, em nossas células neuronais passíveis de mil invenções.

Gosto de abrir o poema e conversar com seus convivas, saber de miúdas experiências no moído existir: suas alegrias e traumas postos a nu, contingencialmente, sem caçar nem convocar a opinião pública para o eventual sucesso.

Não que a Poesia confidencie, delate e/ou exponha loucuras e diárias mortes a cargo do poeta-autor e sua incontrolável puerilidade, no entanto, é plausível que possa vir a acontecer. Sotreta, de somenos, ela comparece no emaranhado de palavras que compõe o poema.

Então, eu a sigo, e mais, tento persegui-la, pretendendo, fora de laboratório ou visitação intimista, vir a descobrir falésias tormentosas de chuvas, areias, vendavais e/ou vertentes do Mistério e suas implicações.

Eu sou apenas mais um arauto desse Mito que está previamente entranhado nas coisas, nos fatos, enfim, em quase tudo que o humano ser respira, come, toca ou dedilha com foros de falácia ou oração.

E o Absoluto supre e suporta o ser inquieto. Espiritual e fisicamente. É tão forte o abraço que nem tenho tempo para dizer se gosto ou não de ser fonte derivada de signos avoengos prenhes de "lucidez enternecida". Sim, esta é a poesia erguida na concretude de palavras a que chamamos poema, nesta singular síntese conceitual de Armindo Trevisan, nonagenário professor, poeta, filósofo e crítico de arte, e que não se necessite dizer mais sobre o espiritual deste sábio rio-grandense.

Destarte, todos os dias a Poética me toma de assalto e a palavra se enclausura em entremeadas células.

No entanto, “o caos morde a palavra” neste terceiro decênio do terceiro milênio. Aprendo com este mesmo caos e seus agentes, a cada segundo, a importância de revisitar a nossa casa de convivência.

Todavia, se eu não andarilhar no mundo, a vida não terá sentido. O poema, poesia erguida para um outro tempo, continua sendo o desafio predileto. Ele reconstrói e afixa a lápide memorial.

Meus olhos, aliás, estão cansados de chegadas e partidas.

MONCKS, Joaquim. O CAOS MORDE A PALAVRA. Obra inédita em livro solo, 2022.

https://www.recantodasletras.com.br/escrivaninha/publicacoes/preview.php?idt=7662551