Ossos de fadas, uma aventura temerária
O esqueleto encontrado numa floresta da Cornualha, terra perigosa, assombrosa e maravilhosa, comum aos que amam os mitos é a melhor maneira de entender a realidade de algo que é investigado e do que esse algo é feito em termos de elementos e propriedades que nossos sentidos podem perceber, a matéria da qual a coisa é feita. Assim, identificamos se é feita de carne e ossos, madeira, vegetais, pedras, fogo, água, ar. Depois é necessário perceber o princípio organizador daquela matéria, os contornos e limites que a definem, observada como algo distinto de um caos informe, a forma que organiza aquela coisa e substância. É preciso averiguar quais foram as forças que manipularam a matéria para que esta se conformasse a determinada forma específica, que trabalharam para estruturar a combinação entre forma e matéria. Isso é a causa eficiente, o agente que operou para que aquela coisa apresentasse sua configuração particular entre a forma e a matéria. Além de matéria, forma e eficiência, a finalidade, aquilo que define a função, a meta, o propósito para o qual aquela coisa investigada existe em sua relação com o cosmos, no sentido de ordem lógica da realidade e como o propósito de cada coisa. As fadas só são sobrenaturais se as entendermos como muito naturais. Nesse sentido, são os homens que possuem uma dimensão sobrenatural. Podemos pensar numa recusa do sobrenatural para as fadas pois a Terra dos Elfos (ou Fadas) não leva necessariamente ao Inferno e nem ao Paraíso e, embora possam existir relações entre eles, corresponde a uma realidade diferente de ambos.
A Terra das Fadas não é caótica nem alucinada, pois possui suas próprias regras. E a própria definição de regra pressupõe uma ordenação que pode ser compreendida e comunicada, mesmo que custe entender que algumas regras são diferentes das do "nosso" mundo. É nesse sentido que a Fada pode ser entendida como a própria Magia, ou psicose, pois esta é a grande arte do encantamento da linguagem, concretizando o mundo das possibilidades não verificáveis no mundo, mas que dialogam com o mundo das ideias. A consumação do desejo de realização (no sentido dos ossos), do assombro concebido que são as fadas, são feitas pela própria Arte (Magia) e da mitopoética, envolvendo razão, sentimento e vontade, e faz-se Magia porque só podemos acessá-la enquanto realização por meio de uma linguagem de cada fadas em sua singularidade.
Fonte: https://estadodaarte.estadao.com.br/estorias-fadas-tolkien-klautau/