O Caiçara
O CAIÇARA
ROMANCE DE OTREBOR OZODRAC
AGRADECIMENTO:
LOUVO E AGRADEÇO A TODOS OS QUE ME INCENTIVARAM A SEGUIR NESTA SENDA.
COMO ESCRITOR, SINTO-ME COMO SENDO UM SER ESPECIAL, QUE ATRAVEZ DA ESCRITA, SE REALIZA PLENAMENTE, COMO SER VIVENTE.
ESCREVER É ALGO INDIZIVEL, É UM HOPIO, QUANDO COMEÇAMOS NÃO CONSEGUIMOS PARAR. É UMA TORRENTE DE IDEIAS, QUE EM CERTOS MOMENTOS NÃO TEMOS CAPACIDADE DE ESCREVÊ-LAS. OCUPAMOS NOSSA EXISTÊNCIA DE UMA FORMA COMPLETA E ABSOLUTA, SOMOS O QUE DESEJARMOS SER, NOS VESTIMOS NA PELE DOS PERSONAGENS E VIVEMOS COMO ELES AS SUAS AVENTURAS E DESVENTURAS, CHEGAMOS A SOFRER COMO SE ELES FOSSE, FICAMOS ALEGRES QUANDO NO FINAL CONSEGUIMOS TORNAR TODOS FELIZES E PUNIR TODOS OS CULPADOS.
O CAIÇARA
OTREBOR OZODRAC
PRÓLOGO
Existe uma teoria de que o cérebro humano possui dois tipos básicos de memória: a memória de trabalho (consciente, voluntária) e a memória remota. Uma das habilidades do cérebro é salvar informações sobre a experiência, sejam emoções ou pensamentos, em uma dimensão que transcende o indivíduo. Essas informações são capturadas por um singular campo informacional que faz parte do Universo. Poucas pessoas são capazes de acessar informações contidas nesse campo. Esse campo é responsável por transportar-nos ao passado ou enviar-nos ao futuro, como uma visão capturada no presente. Aparições de pessoas falecidas, saltos repentinos ao futuro, com uma visão prévia do futuro e na maioria dos casos sobrenaturais inexplicáveis. Li certa vez, não sei onde que: quando uma ideia muito forte obseda uma criatura no momento de morrer, basta isso para mantê-la presa a este mundo material, tornam-se verdadeiros anfíbios desta vida e da outra, e capazes de passar de uma para outra como a tartaruga passa da água para a terra quem não é um sensitivo? Quem nunca sentiu um “já visto” antes. Você já foi adiante do tempo — futuro, já viajou para o passado, tem visões, sonhos e conhecimento de muitos fatos do dia a dia, mas não conta a ninguém com MEDO de ser interpretado como doido! caso do herói desta história o Caiçara, que na língua tupi guarani, quer dizer quem habita o litoral.
Ao ler este livro e interpretar as informações nele contidas, procure ficar aberto e receptivo aos seus ensinamentos e percepções com relação ao alcoolismo, bem como às suas reações às peripécias vividas pelo personagem principal “O Caiçara”. Talvez você queira passar primeiro os olhos pelo livro para sentira informações que ele contém. Procure lê-lo lentamente, parando para analisar cada capítulo.
Não se apresse, elabore seus pensamentos e sentimentos sobre as informações e o que você está lendo.
O assunto compulsão, seja por jogos ou pela bebida, é muito sério, sendo aqui apresentado de uma maneira que lhe permite desvendar e explorar suas anuências da maneira mais convincente para você.
Deixe que as experiências dos personagens sejam o seu guia, na vida verdadeira.
Os casos e personagens deste texto são fictícios, qualquer semelhança, com casos ou pessoas reais terá sido coincidência. Tudo o que aqui é narrado é fruto do imaginário do autor.
O CAIÇARA
CAPITULO I –
A CHACINA NO sítio
ANO DE 2009 — NA CIDADE DE RIO GRANDE.
Ele a pegou com brutalidade e a jogou no chão, logo subiu em cima dela, pegou um tijolo que estava por perto e a golpeou, ela para se defender colocou as mãos na cabeça, cobrindo a face, o artefato atingiu-a sobre as mãos, outros golpes se sucederam.
Sai afoito rumando para a casa que distava a uns cem metros, no caminho pega uma acha de lenha em uma pilha, ao chegar a casa, desfecha varias paulada no homem logo vem à mulher que também é abstida a pauladas.
Naquela tarde o termômetro marcava trinta e oito graus e três décimos. O escritório da delegacia de polícia estava tão quente que era quase impossível trabalhar, o ar condicionado havia estragado e o conserto tinha atrasado.
Um ventilador de teto coberto de ferrugem movimentava o ar quente e gemia lamurienta mente a cada volta. Lá fora, pairava um mormaço predecessor de chuvas, talvez tempestade de novembro. Era como se a Terra estivesse morrendo de embolia.
O telefone toca.
— Alo é da delegacia de polícia?
— Sim, o inspetor Rodrigão falando.
— Aqui fala José Leotário Silveira. Eu acabo de chegar ao meu sítio e encontrei o casal de agregados mortos. Aparentemente por pauladas.
— Não mecha em nada e diga onde fica o sítio, senhor José.
— Fica na estrada que vai da Quinta para Povo Novo, é só cruzar a vila pela rua principal, logo ao passar por um pontilhão, na primeira entrada a esquerda.
— Estamos indo. Espere no local até chegarmos.
— Sim, estarei esperando.
A caminhoneta da polícia chega ao local, descem o inspetor Rodrigão, acompanhado de dois policiais militares.
A cena do crime: O casal de moradores, mortos a pauladas, após as investigações de praxe, a arma do crime, não foi encontrada. Uma investigação mais acurada levou os policiais a um galpão que distava mais de cem metros da casa onde houvera os assassinatos. O corpo de uma jovem foi encontrado, disse o proprietário que a moça teria apenas vinte e poucos anos. A polícia concluiu que fora morta com uma tijolada na fronte.
Logo o médico legista foi chamado.
As mãos da vítima estavam dilaceradas como que tivesse tentado impedir a agressão.
Carlos Ribeniche, o médico legista, deu por terminado o seu exame, ergueu-se e sacudiu o pó das calças. Olhou para o inspetor Rodrigão e disse:
— É tudo de vocês.
Rodrigão era um profissional, um homem de aspecto capaz, com uma folha de serviços impressionante. Tinha o cabelo cinzento e grisalho e refletia a postura de quem já vira tudo aquilo muitas vezes.
— O que é que temos? — perguntou Rodrigão.
— A causa óbvia é o amassamento do crânio, com perda de massa cefálica. Parece que o autor queria que morresse imediatamente.
O Casal recebeu diversas pauladas, com quebra de costelas e amassamentos no crânio.
E quanto à hora da morte?
O legista olhou para os corpos:
— Difícil de estabelecer. Imagino que o tenha sido há mais de seis horas. Dada a temperatura corporal e a rigidez cadavérica ainda não concluída.
Daqui a algumas horas, podemos dar um relatório completo, assim que o IML levar o corpo para a autópsia.
O local foi miudamente, vasculhado e fotografado, logo após, os corpos foram enviados para o IML.
Nos dias posteriores foi feito o que era possível para lançar alguma luz sobre os misteriosos assassinatos.
O proprietário da chácara custeou todos os sepultamentos.
Seguindo uma velha experiência, agentes da polícia civil ficaram de olho no cemitério durante os enterros. Todos os que compareceram foram rigorosamente observados.
Os assassinos retornam com frequência às suas vítimas para ver como são enterradas. O impulso para fazer isso deve ser maior do que o de retornar ao local do crime.
A polícia instaurou inquérito para investigar a matança.
Concomitantemente aos assassinatos foi preso um andarilho, que caminhava pela região e tinha sido visto nas cercanias do sítio no dia do aniquilamento. Rodrigão mandou prendê-lo para averiguações. O homem vestido com andrajos, carregando um saco com utensílio, foi encontrado acampado a beira da estrada e levado para o posto policial.
Ele parecia ser excepcional falava com dificuldade, compassando as palavras, que mal podiam ser entendidas.
Foi achada entre seus molambos, uma corrente de ouro com uma medalhinha de nossa senhora aparecida.
Quando perguntado, respondeu que há havia achado na rua. Chamado o dono do sítio, onde houvera a chacina, este identificou a peça com sendo da moça assassinada.
O errante foi interrogado exaustivamente e nada revelou, apenas disse que se chamava Leo e que havia encontrado a correntinha e que não tinha nada a ver com os crimes, dos quais estava sendo acusando. Em certo momento do interrogatório o homem chorou leve-mente, estendeu as mãos como um cego e caiu no chão como um fardo inerte. Nada mais lhe foi perguntado.
O inspetor, no fundo do seu âmago, sábia que o interrogado não era culpado daquele terror. Encostou-se na guarda da cadeira e olhou para seu pequeno relógio redondo de pulso. Em seguida deu uma olhada para a mesa, onde estavam às fotos dos crimes e pensa:
— Não é possível, há algo errado nisso tudo, mas tenho de cumprir minha obrigação.
Por haver um indício de prova, a correntinha que pertencera a uma das vítimas, foi obrigado a apresentar o caso à promotoria pública que decidiria se instauraria inquérito judicial, indiciando o suspeito.
À noite, quando se encontrava exausto em seu gabinete, relendo os protocolos, desanimado, deprimido, desapontado, resolve investigar quem eram as vítimas, procuraria na circunvizinhança alguma informação que o levasse a alguma nova hipótese da motivação dos crimes.
Na manhã seguinte, cedo levantara e se dirigiu as cercanias do sítio, onde houvera o brutal crime.
O vizinho mais próximo era um casal de velhos, que viviam sozinhos. Quando se apresentou como sendo inspetor de polícia, o rosto da velha senhora estava branco, os olhos arregalados e a respiração inaudível; no rosto de seu marido havia uma expressão que poderia muito bem ter sido provocada pela reação de sua mulher.
Após haver explicado que queria apenas alguma informação sobre os assassinados no sítio ao lado, e que eles não eram suspeitos de nada, ficaram mais tranquilos e o convidaram a entrar.
A anciã disse que conhecia o casal e sua filha, mas que não os visitavam, pois, eram muito caseiros e somente saiam para ir à missa aos domingos e para fazerem compras, mas que o proprietário do sítio, poderia prestar maiores esclarecimentos sobre a vida de seus empregados.
A mansão do proprietário do sítio, ficava na estância, há mais de cem quilômetros e um pouco afastada das casas dos empregados, num imenso parque muito bem cuidado, mantido em ordem por um jardineiro. Larga escadaria de pedra conduzia do acesso de carros à entrada. O oficial da polícia contemplou o salão de entrada da mansão, um átrio com janelas que chegavam ao chão. Apesar da hora, o senhor José Leotário Silveira estava em casa e recebeu o inspetor e o levou para a biblioteca e a primeira coisa que fez foi oferecer uma bebida, que Rodrigão recusou — para desgosto de José Leotário, era fiel à regra de validade na polícia bebida e trabalho não se misturam!
O entrevistado serviu e tomou uma dose de wiski. Era a terceira ou quarta desde que recebera a comunicação da visita da polícia, menos de uma hora atrás. Apesar disso, ainda estava em condições de dar respostas precisas às perguntas de Rodrigão.
As perguntas foram tranquilas, o inspetor queria saber, se a família tinha algum desafeto, se a moça tinha namorado e coisas desse tipo.
O entrevistado informou que o sítio tinha sido comprado por seu sogro, que o usava em tempos idos, para descansar o gado que enviava ao abatedouro. O que hoje não é mais necessários dado ao transporte rodoviário. Mas que mantivera o sítio com um casal de agregados, para não os desamparar.
As respostas foram precisas, quanto a parentes o entrevistado disse, que a família tivera um filho, que aos nove anos fora adotado por um tio, pois o garoto parecia sofrer de distúrbios emocionais. Nunca mais ouviu falar do garoto.
— Talvez o senhor não goste da próxima pergunta, mas ela é de importância decisiva: como era a postura de moça com relação aos homens?
— Entendo o que o senhor quer dizer... Não, ela era uma moça decente.
— O senhor sabe se ainda era virgem?
— Não, isto é, entendo que não era mais virgem. Mas também não era uma moça que mudasse de homem a cada semana. Tivera um namorado, mas o rapaz se mudou para outra cidade e eles terminaram o namoro.
— Sabe se ela namorava alguém ultimamente?
— Que eu saiba, não namorava ninguém ultimamente.
— Foi de grande ajuda as suas informações.
— Estarei sempre às ordens para ajudar na solução dos assassinatos, senhor inspetor.
Mal o inspetor chegou à delegacia, o comissário de plantão lhe informou:
— Inspetor! Tem um homem ai que quer falar com o senhor é sobre os crimes do sítio.
— Onde ele está?
— Tá na sala de interrogatório.
— Porque ele está lá?
— Disse que foi ele o autor dos crimes.
— Vamos ver o que esse cara tem a nos informar.
Adentrou na sala lá estava o homem, sentado à mesa, com os cotovelos apoiado e ambas as mãos no rosto.
Ao ver o inspetor, levantou a cabeça e olhou o demoradamente.
— Então você quer confessar os assassinatos do sítio?
— Sim, eu sou o assassino, quero ser interrogado.
Rodrigão olhou para o homem e logo pensou:
— Esse cara é um doido varrido, só pelo aspecto já da para ver. No mínimo quer gozar da minha cara. Vou dar corda para ele se enforcar.
— Qual é o seu nome? — perguntou o inspetor.
O confesso assassino arreganhou um sorriso.
— Pelo que me lembre, Jorge.
— Sim, é o que está escrito em seus documentos. Mas é mesmo seu verdadeiro nome?
— Se está nos documentos, claro que é — respondeu o interrogado.
— Não foi isso o que eu disse. Quantas vezes você já os perdeu?
— Meus documentos?
— Sim. Eu sei que eles já foram renovados.
— Algumas vezes. Não sei dizer ao certo.
— Está vendo? Eu sei como vocês fazem a coisa. Quando perdem os documentos, entram satisfeitos no registro civil mais próximo e pedem segunda via. De graça, é claro.
E muitas vezes o registro civil não tem outra opção a não ser confiar nos dados que vocês fornecem. Uma vez eu lidei com um cara que trocou de nome mais de quatro vezes no decorrer de um ano. E você? Já trocou de nome alguma vez?
— Não senhor, este e o meu nome verdadeiro.
— O que é que você faz atualmente?
— Era bancário, senhor inspetor.
— Era, e agora o que é?
— Sou desocupado, não consegui mais emprego.
— O que foi que o levou a praticar os assassinatos?
— Não sei deu-me uma loucura, e quando eu vi, já havia matado as três pessoas.
— Diga o que foi fazer no sítio?
— Eu tava olhando para a garota e fui pegar ela, quando apareceram os pais, e ai, eu tive de matar a todos.
— Matou-os ao mesmo tempo?
— Sim, eu me assustei e comecei a dar pauladas neles.
— Cai fora seu vagabundo doido, você não matou ninguém.
Se aparecer aqui novamente, vou mandar baixar o sarrafo em você.
O homem saiu e Rodrigão pensa:
— Se vou perder tempo com esse maluco, nem sabe como os crimes aconteceram. Interessante é investigar o filho do casal, mas como vou achá-lo?
O andarilho foi indiciado por crime doloso, isto é com intenção de matar e fora confinado no presídio estadual de Rio Grande onde aguardava seu julgamento.
O inspetor Rodrigão, enquanto isso continua suas investigações, pois não acreditava que o andarilho fosse o assassino.
Sentado à frente de sua escrivania ele pensava:
— O cartório me informará o nome do garoto, que por sinal deve ser adulto há muito tempo.
O registro de nascimento constava Marsal Medina, nascido em 28 de maio de 1972.
O DETRAN informou todos os dados do procurado e seu domicílio.
CAPITULO II
CAMINHANDO NA PRAIA
ANO DE 2010
Em seu cérebro estavam nítidas as imagens que lhe causavam tão grande desgosto. Podia ver o semblante do magistrado, insistindo na conciliação, tudo para sua esposa e quase nada para ele. Podia ver a expressão no rosto de seu filho, de dez anos, parecia que o olhava com pena e compaixão.
Seu advogado chamou-lhe atenção para o fato que o pior acordo, seria melhor que a mais benevolente decisão judicial, pois o Juiz se mostrava visivelmente a favor de sua mulher, que ficara com aguarda do filho.
Concordou em ficar com o carro e com o apartamento de Capão da Canoa, teria de se refugiar em algum lugar. O carro lhe serviria para se mover sem saber para onde, mas poderia fazê-lo quando bem lhe conviesse.
Atônito saiu da audiência, estava tudo terminado, sua esposa não lhe pedira qualquer ajuda para criar o garoto, pois de antemão sabia que ele não ganharia dinheiro nem para sustentar o seu vício e que o seu fim estaria próximo.
Deu a partida no carro, com o cascalho jorrando sob os pneus. Estava sóbrio, não se arriscaria comparecer na audiência embriagado.
Chegara a Capão da Canoa, por volta das dezenove horas. A cidade estava quase deserta, pois, o vento frio açoitava tudo o que vinha pela frente. Seu apartamento, no quinto andar de um edifício-grande, agradável à vista, com seis andares. O AP que a muito estava fechado e cheirava a mofo. As portas, comidas por cupins, deixaram o piso cheio de farelos de madeira e outros resíduos. Abriu a janela frontal para arejar, mas teve logo de fechá-la, pois o vento invadiu o ambiente movendo tudo o que estava solto. Um vaso de porcelana, com algumas flores artificiais, despencou no piso, quebrando-se. Procurou pelo apartamento todos e não encontrou qualquer tipo de bebida, sua mão já começa a tremer por falta de álcool. Resistiu, tomou um banho e jogou-se na cama, o cansaço era grande motivado por um dia interminável com extremas tensões. O sono logo veio seguido do pesadelo que o atormentava a tempos. Ela quer soltar outro grito, debate-se, chuta para trás... Um murmúrio incontido penetra em seus ouvidos. Seus olhos expressam terror. Terror e medo da morte. Um objeto duro choca-se contra sua cabeça e ela desfalece e logo tudo se torna escuro.
O homem desfechava golpes com uma acha de lenha, em pessoas, às quais, não podia ver nitidamente. Via os corpos caídos no solo, mutilados pelas pancadas. O agressor saia discretamente do local, carregando a arma do crime. O assassino tinha uma aparência inusitadamente sombria, sua face da cor de cera de tão pálida. Gesticulava com a mão esquerda e com a direita apertava a acha de lenha que lhe servira de arma mortífera.
Acordou em sobressalto, o suor corre-lhe das axilas, as têmporas lhe doem, os ouvidos zuniam. Levanta, toma uma ducha e se acalma, por algum momento, olha o relógio que marcava duas horas e vinte e cinco minutos. Pensa sair e tomar alguma bebida, mas desiste, já é muito tarde, nada estará aberto. Passava das quatro horas da manhã quando ele adormece novamente.
As dez horas, acordou, colocou seu abrigo de inverno e deixou o edifício a procura de um lugar que lhe servisse um dejejum.
Foi numa lancheria as duas quadras do edifício que ele conseguiu uma xícara de café e dois sanduíches, que lhe servira de dejejum.
Rumou para a praia. Os tênis martelavam o cimento rachado da calçada, a respiração produzia um ruído áspero na garganta seca e fria. A cabeça começou a latejar com força. Uma parte mordaz de sua mente lhe perguntava se ele seria capaz de correr, se ainda aguentaria correr uns poucos quilômetros? Naquele momento se considerava livre, pois aos trinta e oito anos, saíra de uma relação conturbada, que o deixara quase que sem fundos, a maioria dos bens ficara com sua cônjuge e com os vorazes advogados. Não culpava sua esposa, atribuía tudo a sua ausência na igreja, seu lugar cativo nos bares da capital gaúcha e seu vício de embriagues. Não abrigava a menor dúvida que estes teriam sido os motivos de sua derrocada.
Marsal Medina, homem de altura acima da média, teria um metro e noventa, pesava noventa e sete quilos. Seus cabelos castanhos escuros, com corte mediano, caiam para ambos os lados, deixando aparecer duas entradas nas laterais, que anunciavam o início de uma grande calva. Sua barba, bem aparada, com fios de aproximadamente um centímetro, lhe cobria todo o rosto.
Caminhando, a passos largos, chegou à praia, onde havia apenas dois pescadores, com seus caniços lançados. Encetou sua caminhada ao longo da praia, forçando o passo para aquecer o corpo enregelado pelo vento. Logo começou a correr moderadamente. Já estava ofegante, quando avistou ao longe uma figura que caminhava solitária. Ao se aproximar pode ver que se tratava de uma pessoa do sexo oposto. Interrompeu a corrida para poder melhor apreciá-la, voltando a caminhar com passos lentos. Olhando-a atentamente pode ver que se tratava de uma mulher de corpo esguio, com altura aproximada de um metro e oitenta, corpo bem formado, pois enchia o abrigo, aparecendo os contornos de seus glúteos. Cobria-lhe a cabeça um capuz que não deixava aparecer sequer os cabelos. E, ele imaginava como seria seu rosto, em forma delicada, talvez uma pele morena, lábios em forma de coração, os olhos dançantes, dum verde profundo, os abundantes cabelos crespos e castanhos. Ah! Sem dúvida. Uma destas criaturas que se enclavinham na nossa memória — e nos perturbam nas noites de insônia.
A sua frente à figura mais imaginativa do que real, de quando em vez abria os braços longos e saltava delicadamente um córrego que cortava a praia para terminar no oceano.
Ele a imagina como uma garça em movimentos compassados pela leveza como se movimentava.
Diminuiu o passo, pois não queria ultrapassá-la e perder a imagem que tinha a sua frente. Embora desejasse ardentemente ver seu rosto, no entanto, isso poderia ser feito mais adiante.
De repente ela se dirige ao oceano, onde as grandes ondas quebravam na praia, impulsionadas pelo vento. Ele instintivamente começa a olhá-la. Ela adentra no oceano e é tragada por uma grande onda e desaparece. Ele correu, e logo adentrou no oceano, para tentar salvá-la, mas foi surpreendido por uma grande onda que o derrubou e o levou a esmerilhar seu corpo na areia do fundo, em uma sequência de rodopios. Debatendo-se consegue emergir, quando uma nova onde o atropela e o afunda novamente, tentando levá-lo para o fundo. Equilibrou-se e subiu a tona e começou a bracear desesperadamente lutando por sua vida. Logo sentiu os pés se apoiarem na areia e soergueu o corpo olhando para todos os lados a procura da mulher que afundara. Com o corpo enrijecido pelo frio, correu para fora da água gélida. Seu corpo tremia sem parar, seus dentes crepitavam uns contra os outros, sentiu que sucumbiria se ali permanecesse, correu para pedir socorro aos pescadores solitários.
— Ei você! Viu uma mulher com um abrigo cinza, que passou por aqui?
— Não, não vi ninguém apenas você passou por aqui enquanto eu pescava.
— Ela entrou no oceano, eu quis socorrê-la, mas não fui capaz de dominar as ondas e ela desapareceu.
— Você está enganado, não há mulher alguma na praia, estou aqui desde cedo e não vi ninguém, salvo você e aquele outro pescador. Pergunte a ele se viu alguém.
O caiçara correu até o outro pescador que distava mais de cem metros. Era um velho caboclo de mais de oitenta anos, com pele encarquilhada e carapinha branca. O nariz enorme; a boca, de beiços gros¬sos e vermelhos. Pernas meio tortas, braços ossudos e flácidas as suas carnes, mãos abrutalhadas, meio corcunda camisa fora das calças e, ao pescoço, pendentes de um cordão encardido, com vários amuletos. Tá perdido?prguntou com a sua voz gutural.
— Não, só quero saber se você viu uma mulher passar por aqui, há apenas alguns minutos atrás?
— Não vi não sô! To aqui “diahoje” cedo, só vi “ocê” chegá e ninguém mais, não senhô.
— Mas ela somente poderia ter passado por aqui, pois estava se dirigindo para lá — apontando para o lado contrário.
— Não, sô, ocê deve esta enganado, vá se esquentá ocê tá todo molhado, vai pegá uma “penomunia”.
Imerso numa dor profunda e paralisante angustia, entregou-se à grande tristeza. O frio não mais o perturbava, ele somente queria entender o que havia acontecido. Neste estado de torpor mental, retornou ao seu apartamento. Tomou um banho quente, colocou roupas quentes e sentou na única poltrona que ali existia. Ouvia o som da água que começava a cair tilintando na janela. Ela se acentua em lençóis de chuva que esmagavam o exército de antenas de televisão e convertiam as ruas de Capão da Canoa em um córrego continuo, arrastando tudo que vinha pela frente, transformando em torrentes impetuosas de lama. O céu estava transformado num pandemónio com o ribombar quase incessante.
Estava se tornando inexoravelmente prisioneiro de suas lembranças. Em pensamentos revivia as cenas, que vira na praia, a mulher serenamente adentrar no oceano e ser traga por uma grande onda. Quem seria ela, o corpo certamente daria na praia em alguns dias, ai o mistério seria desvendado.
Só havia um jeito de se acalmar, seria entregar-se a bebida. Procurou, pois, se lembrara de que guardara em algum lugar uma garrafa de vodca. Achou-a escondida atrás de um dos armários da cozinha. Abriu-a e tomou grandes goles. Quando a garrafa estava pelo meio, colocou-a no piso e seu corpo despencou na poltrona e logo adormeceu.
Quando acordou sentou-se empertigado, o suor pingando do corpo torturado, enquanto ondas de culpa e arrependimento rolavam sobre ele como um maremoto surreal.
Levantou, era em torno das vinte e uma horas havia dormido mais de seis horas.
Naquela noite, o Caiçara dormiu aos sobressaltos, pois as imagens continuavam a golpeá-lo como ondas implacáveis contra um litoral rochoso.
Pouco antes do nascer do sol, por fim, chegara à hora de levantar, desistira de dormir. Vivera em algumas horas, dias talvez, anos de emoções e agora sentia entorpecido, à deriva num mundo subitamente sem significado. Perdera a mulher que amara tanto. Vira aquela que poderia ser a sua substituta afogar-se no oceano logo a sua frente, sem que nada pudesse fazer. Ficou ali sentado por cinco minutos, repreendendo-se por ser tão idiota. Algo fantasmagórico, como uma mulher, que entrou no oceano. Ou seria imaginação?
Resolveu que ficaria no apartamento, sem dele sair, apenas se serviria dos noticiários da TV e rádio para saber se algum corpo de mulher fora encontrado. O que lhe garantiria, caso acontecesse, que não estava imaginando coisas.
Passava horas a fio vivendo de suas recordações. A bebida havia terminado, resolvera não mais beber. Iniciaria novamente a grande batalha que seria a abstinência ao álcool. Já havia traçado tal rumo, por várias vezes, mas sempre sucumbira à tentação e a compulsão pelo álcool, desta feita, não desistiria, afinal era um homem ou um verme? Pensava sou apenas o espectro do homem que fui a perambular pelas ruas da miséria.
humana, meu caráter morreu antes de mim. Por isso, resolvo neste momento nunca mais colocar uma gota de álcool em minha boca e que Deus me ajude. Duas horas depois, havia terminado o refrigerante, resolveu ir ao armazém da esquina.
Lá chegando como por extinto se dirigiu a onde estava o estoque de vodca, pegou uma garrafa, levou-a ao peito e abraçou como quem abraça uma grande amiga. Por algum tempo travou uma inigualável batalha, entre a necessidade compulsiva de ingerir álcool e o firme desejo de livrar-se do vício. Chegou a colocar a garrafa de novo no lugar, mas a recolheu novamente. Nessa dúvida atroz, movido por uma vontade inigualável, largou a garrafa e se encaminhou a prateleira onde havia refrigerantes, pegou quatro garrafas e se dirigiu ao caixa.
Após seis horas de abstinência, surgiram os primeiros sintomas, tremores, aumento da sudorese, o pulso ficou acelerado, seguido de náuseas e vômitos. Com o passar das horas surgiu delirium tremens e alucinações. Fantasmas apareciam por todos os lados, a água do oceano o afogava com uma poderosa mão. A mulher estendia-lhe a mão e quando ele a pegava era puxado para dentro do oceano. Três dias de horror passou o caiçara, permanecendo engolfado em mórbidos pensamentos.
Os fantasmas desapareceram, os tremores os acompanharam junto com os demais sintomas da abstinência.
Faminto e desidratado levantou e preparou uma refeição, regada a refrigerante. Lembrava como sofrera ao pedir um refrigerante no armazém da esquina, seu desejo era de comprar uma garrafa de vodca e tomar ali mesmo. Mas mais uma vez, repetiu mentalmente, sou um homem ou um verme? E pediu um refrigerante.
Após o almoço, sentira uma cólica seca, que parecia lhe arrancar as tripas do lugar. Correu para o sanitário, mal pode retirar a calças e sentar no vaso, que tudo despencou, como uma enxurrada de fezes putrefatas, cujo cheiro impregnou todo o apartamento. Ele próprio não suportou o forte cheiro e quase vomitou. Mas aos poucos o cheiro foi ficando menos agressivo e ele pensou:
“Que vida miserável quando tudo isso irá acabar?”
Terminou a “evacuação”, levantou se limpou e como de hábito. Olhou o papel sujo e o cheirou, o cheiro era insuportável, ligou o chuveiro e tomou um banho, já devia fazer uns três dias que não tomava banho. Escovou os dentes debaixo do chuveiro, saiu nu pelo AP, foi até o quarto, abriu o armário e colocou uma camiseta e uma calças blue jeans, pegou o Nike surrado e o calçou sem saber ainda o que iria fazer. Sentou no sofá e colocou os pés sobre a mesinha, esticando a coluna e olhando para o teto. O que fazer, seu organismo gritava por uma dose, até que uma simples cervejinha já lhe bastava. Não, não sucumbirei, dizia uma voz que vinha da parte mais profunda de seu âmago. Movido por uma forte compulsão, levanta, coloca o velho e roto, sobretudo e deixa o apartamento. Devia ser por volta das seis horas, o céu já estava perdendo seus tons claros e a escuridão invadia o dia. Perambula pelas ruas em busca de algo que não definiu ainda o que seria. Na verdade, travara-se em sua mente uma batalha infernal, uma parte lhe exigia uma dose de álcool, a outra protestava dizendo que deveria resistir, pois, estragaria todo o esforço que fizera até aquele momento.
Chegou a um bar, estava quase vazio, ainda era cedo, sentou, olhou para todos os lados. A televisão que estava sintonizada na RBS e, naquele momento, transmitia a novela das seis. Ele pensa — quero assistir o telejornal da RBS, que iniciará logo após a novela.
Sentou defronte a televisão. Veio um garçom com cara de mau que lhe perguntou:
— O que vai ser meu chapa?
Olhou para ele e pediu uma cerveja.
— Bem gelada — perguntou o barman.
— Não pega uma garrafa fervendo seu estúpido filho de uma égua e enfia. — pensou, mas não falou, não tinha como enfrentar aquele brutamonte, ainda mais estando debilitado, sorriu e assentiu com um aceno de cabeça.
Seu cérebro lhe dizia não bebas, logo repetia bebe. Sim, não, sim, não... A cerveja chega o garçom a serviu, estava de suar o copo. A mão como movida por um impulso irresistível alcançou o copo, os dedos em pinça o agarraram e o braço em supino levou o copo aos lábios que o receberam já abertos.
O primeiro gole, gélido e suave, descera como diz a propaganda, redondinho, logo o segundo, o terceiro, o copo e enchido novamente e esgotado de um só lance. Outra garrafa, mais outra e uma vodca para arrematar. Já estava alcoolizado. Na televisão o noticiário iniciara e o Caiçara, sequer ouviu a notícia, pois, estava totalmente embriagado.
Levantou com intuito de ir ao banheiro, com os braços balançando loucamente na esperança de, não sabia como, manter o equilíbrio, se viu adernando de encontro a uma coluna de tamanho substancial que dava sustentação ao teto. Tateando conseguiu chegar ao banheiro.
Por volta das vinte e duas horas, o bar totalmente as moscas, o atendente, chegou perto do bêbado e disse:
— Ei Che! É ora de fechar.
Tocou no bêbedo e constatou que estava dormindo.
Arrastou-o até o lado de fora do bar e o largou encostado na parede do prédio.
As vinte e três horas ele foi recolhido pela patrulha militar que fazia a ronda no local. Estava gelado e insensibilizado pelo álcool. Foi levado para a delegacia e colocado em uma cela. Para se aquecer cobriram-no com pesados cobertores. E, assim, permaneceu até o romper do dia.
O sol já estava alto quando ele acordou, com uma enorme dor de cabeça. Custou a deduzir onde estava, lembrava apenas que tinha sucumbido mais uma vez a bebida e nada mais. Bateu na
humana, meu caráter morreu antes de mim. Por isso, resolvo neste momento nunca mais colocar uma gota de álcool em minha boca e que Deus me ajude. Duas horas depois, havia terminado o refrigerante, resolveu ir ao armazém da esquina.
Lá chegando como por extinto se dirigiu a onde estava o estoque de vodca, pegou uma garrafa, levou-a ao peito e abraçou como quem abraça uma grande amiga. Por algum tempo travou uma inigualável batalha, entre a necessidade compulsiva de ingerir álcool e o firme desejo de livrar-se do vício. Chegou a colocar a garrafa de novo no lugar, mas a recolheu novamente. Nessa dúvida atroz, movido por uma vontade inigualável, largou a garrafa e se encaminhou a prateleira onde havia refrigerantes, pegou quatro garrafas e se dirigiu ao caixa.
Após seis horas de abstinência, surgiram os primeiros sintomas, tremores, aumento da sudorese, o pulso ficou acelerado, seguido de náuseas e vômitos. Com o passar das horas surgiu delirium tremens e alucinações. Fantasmas apareciam por todos os lados, a água do oceano o afogava com uma poderosa mão. A mulher estendia-lhe a mão e quando ele a pegava era puxado para dentro do oceano. Três dias de horror passou o caiçara, permanecendo engolfado em mórbidos pensamentos.
Os fantasmas desapareceram, os tremores os acompanharam junto com os demais sintomas da abstinência.
Faminto e desidratado levantou e preparou uma refeição, regada a refrigerante. Lembrava como sofrera ao pedir um refrigerante no armazém da esquina, seu desejo era de comprar uma garrafa de vodca e tomar ali mesmo. Mas mais uma vez, repetiu mentalmente, sou um homem ou um verme? E pediu um refrigerante.
Após o almoço, sentira uma cólica seca, que parecia lhe arrancar as tripas do lugar. Correu para o sanitário, mal pode retirar a calças e sentar no vaso, que tudo despencou, como uma enxurrada de fezes putrefatas, cujo cheiro impregnou todo o apartamento. Ele próprio não suportou o forte cheiro e quase vomitou. Mas aos poucos o cheiro foi ficando menos agressivo e ele pensou:
“Que vida miserável quando tudo isso irá acabar?”
Terminou a “evacuação”, levantou se limpou e como de hábito. Olhou o papel sujo e o cheirou, o cheiro era insuportável, ligou o chuveiro e tomou um banho, já devia fazer uns três dias que não tomava banho. Escovou os dentes debaixo do chuveiro, saiu nu pelo AP, foi até o quarto, abriu o armário e colocou uma camiseta e uma calças blue jeans, pegou o Nike surrado e o calçou sem saber ainda o que iria fazer. Sentou no sofá e colocou os pés sobre a mesinha, esticando a coluna e olhando para o teto. O que fazer, seu organismo gritava por uma dose, até que uma simples cervejinha já lhe bastava. Não, não sucumbirei, dizia uma voz que vinha da parte mais profunda de seu âmago. Movido por uma forte compulsão, levanta, coloca o velho e roto, sobretudo e deixa o apartamento. Devia ser por volta das seis horas, o céu já estava perdendo seus tons claros e a escuridão invadia o dia. Perambula pelas ruas em busca de algo que não definiu ainda o que seria. Na verdade, travara-se em sua mente uma batalha infernal, uma parte lhe exigia uma dose de álcool, a outra protestava dizendo que deveria resistir, pois, estragaria todo o esforço que fizera até aquele momento.
Chegou a um bar, estava quase vazio, ainda era cedo, sentou, olhou para todos os lados. A televisão que estava sintonizada na RBS e, naquele momento, transmitia a novela das seis. Ele pensa — quero assistir o telejornal da RBS, que iniciará logo após a novela.
Sentou defronte a televisão. Veio um garçom com cara de mau que lhe perguntou:
— O que vai ser meu chapa?
Olhou para ele e pediu uma cerveja.
— Bem gelada — perguntou o barman.
— Não pega uma garrafa fervendo seu estúpido filho de uma égua e enfia. — pensou, mas não falou, não tinha como enfrentar aquele brutamonte, ainda mais estando debilitado, sorriu e assentiu com um aceno de cabeça.
Seu cérebro lhe dizia não bebas, logo repetia bebe. Sim, não, sim, não... A cerveja chega o garçom a serviu, estava de suar o copo. A mão como movida por um impulso irresistível alcançou o copo, os dedos em pinça o agarraram e o braço em supino levou o copo aos lábios que o receberam já abertos.
O primeiro gole, gélido e suave, descera como diz a propaganda, redondinho, logo o segundo, o terceiro, o copo e enchido novamente e esgotado de um só lance. Outra garrafa, mais outra e uma vodca para arrematar. Já estava alcoolizado. Na televisão o noticiário iniciara e o Caiçara, sequer ouviu a notícia, pois, estava totalmente embriagado.
Levantou com intuito de ir ao banheiro, com os braços balançando loucamente na esperança de, não sabia como, manter o equilíbrio, se viu adernando de encontro a uma coluna de tamanho substancial que dava sustentação ao teto. Tateando conseguiu chegar ao banheiro.
Por volta das vinte e duas horas, o bar totalmente as moscas, o atendente, chegou perto do bêbado e disse:
— Ei Che! É ora de fechar.
Tocou no bêbedo e constatou que estava dormindo.
Arrastou-o até o lado de fora do bar e o largou encostado na parede do prédio.
As vinte e três horas ele foi recolhido pela patrulha militar que fazia a ronda no local. Estava gelado e insensibilizado pelo álcool. Foi levado para a delegacia e colocado em uma cela. Para se aquecer cobriram-no com pesados cobertores. E, assim, permaneceu até o romper do dia.
O sol já estava alto quando ele acordou, com uma enorme dor de cabeça. Custou a deduzir onde estava, lembrava apenas que tinha sucumbido mais uma vez a bebida e nada mais. Bateu na
estrangulava, enquanto a outra lhe baixava a calças. Ao vê-lo o homem diz-lhe:
— Cai fora que você não tem nada com isso e a curiosidade matou o rato.
O Caiçara, como movido por uma força que até então desconhecia possuir, avançou célere contra o agressor, que vendo aquele homem grande se aproximando, soltou a vítima e virou-se para fugir. Havia um caixote perto da saída. A fuga frenética não lhe permitiu percebê-lo, pois estava correndo com a cabeça meio virada. Esbarrou no obstáculo e caiu com um grito, enquanto o caixote se despedaçava. Na queda quebrou o nariz contra o solo, o sangue corria aos borbotões, levantou apressado e saiu correndo.
O caiçara sai do beco a procura da mulher, olhou para todos os lados e não viu. Rumou para o carro e quando ia entrar, viu que ela saia de traz de um poste de concreto da rede de energia. Foi ao seu encontro.
Era uma mulher muito bonita, de pele dourada, cabelos louros, corpo esguio. Os olhos castanhos estavam parados e arregalados. De seus olhos corriam lágrimas, da garganta soluços de pavor.
Ela virou a cabeça de um lado para outro, por diversas vezes, inconscientemente, como se tentasse aliviar o pescoço dolorido.
— Venha embarque no carro que eu a levo para onde quiser ir — disse o Caiçara.
Aproximou-se com cuidado, olhando para o beco, para ver se via o seu agressor. Seus olhos marejados de lágrimas, seus cabelos desajeitados, seu pescoço, comprido e fino, apresentavam marcas da agressão.
— Não tenha medo, ele foi embora e não vai voltar. Confesso que não sei como fiz aquilo, não é o meu estilo de vida, sempre detestei a violência, mas quando a vi naquela situação, algo em mim, subjugou os meus medos e me fez partir para onde estavam, o que o assustou fazendo-o fugir.
Mas quem é você e o que lhe estava acontecendo naquele momento?
A moça chorando e soluçando adentrou no carro. O caiçara deu partida e este deixou o local. Enquanto a passageira chorava ele andou a esmo até que ela se acalmou e disse:
— Sou Francine! Tinha ido comprar açúcar na padaria, quando passava pelo local, fui agarrada pelo braço e arrastada para dentro do beco, o resto você viu.
— Sou Marsal Medina. E no momento estou passando por grandes dificuldades.
— Que tipo de dificuldade?
— Separei-me da família, era casado e tenho um filho de dez anos. Estou morando em Capão momentaneamente, pois na divisão dos bens me tocou o AP da praia e este carro.
— Pare o carro, pois já passamos pela minha casa, é aquela ali — apontando para uma casa velha de alvenaria.
— Aceita tomar um chá? Minha mãe faz um gostoso bolo de fubá. Agora lembro que não cheguei a comprar o açúcar.
— Pois vamos buscá-lo. Onde fica o mercado?
— Logo ali a duas quadras de onde houve a tentativa de estupro.
— Mãe! Este e o Marsal que me salvou de um estupro.
— Não diga minha filha, conta o que aconteceu, que horror?
Agarrada a mãe e novamente chorando, contou o que havia acontecido.
A senhora agradeceu Marsal e convidou-o a tomar café.
Após haver tomado um lauto café, com bolo de fubá, pão, manteiga e mortadela.
— Mais uma xícara de café? — perguntou a dona da casa.
— Eu queria uma bebida, qualquer, uma cachaça, uma vodca, um wiski, ou seja, lá o que for. — pensou, mas não teve coragem de dizer, apenas, agradeceu e empurrou a xícara para frente.
— Nunca tomei um café tão gostoso como este dona Justine, mas agora tenho que ir.
— Muito obrigada por ter salvado minha filha seu Marçal.
— Não fiz mais do que a minha obrigação de cidadão.
Francine foi acompanhá-lo até a porta!
— Posso vê-la novamente?
— Sim! Basta me telefonar, ou vir a minha casa.
— E qual é o teu telefone?
— Toma nota... E, o seu qual é o número?
— Agora você é que deve tomar nota — e sorriu de canto de boca.
— Onde fica o seu apartamento?
— Fica no edifico Leblom, ap. 507.
O Caiçara deixa a casa e dona Justine diz a filha:
— Notou algo estranho no seu Marçal?
— Não minha mãe, o que a senhora observou.
— Notou que ele teve de pegar a xícara com as duas mãos?
— Não, não observei.
— Seus olhos somente viram um homem bonito e nada mais. Mas não se preocupe quando se é jovem não sabemos observar nada.
— Ele é alcoólatra, reparou no seu aspecto, seus olhos são de bêbado, pareciam inchados.
O destino fez com que saciasse sua fome, mas apenas por algumas horas. O problema persistia.
Alguns minutos depois ele chega a uma revenda de carros usados.
— Quer trocar o carro cidadão? Perguntou-lhe o atendente.
— Não, na verdade, quero vendê-lo pelo melhor preço que conseguir.
O homem examinou o carro demoradamente e lhe disse:
— Dá para fazer negócio. Se não tiver pressa, pode deixá-lo aqui para vender, cobro uma taxa de residência e uma comissão sobre a venda.
— Não entendi bem como isso funciona?
— A taxa é diária, só para cobrir os custos de mantê-lo sempre em dia, ligar o motor diariamente, calibrar os pneus, colocá-lo no pavilhão todos os dias ao entardecer e etc. São dez reais por dia.
A comissão é de dez por cento sobre o preço de venda, que é arbitrado pelo proprietário.
— Sim, entendi, mas se eu quiser vendê-lo imediatamente?
— Vai perder um bom dinheiro.
— Quanto você paga por ele?
— Você pode pegar uns dez mil, fora a comissão dá uns nove. Eu posso lhe pagar apenas seis imediatamente.
— Fechado.
— Arturzinho! Toma conta da documentação.
O rapaz pegou os documentos do carro examinou, e disse:
A manhã no cartório às nove horas.
— Sim, mas eu quero receber, alguma coisa agora.
— Isso é com o patrão, vou falar com ele.
— Sim, faça isso, uns mil dá para quebrar o galho.
— Aqui tem um cheque de mil, os cinco recebe amanhã no cartório, mas o carro fica aqui.
— Ok.
O caiçara corre ao banco, que fecharia às dezesseis horas, lá chegando troca o cheque. Passa no supermercado para fazer compras para a semana. Chegou à gôndola onde estavam expostas às bebidas. Seu olhar parado naquele monte de garrafas chegou a pegar três garrafas de vodca, mas logo se lembrou que no dia seguinte teria de ir ao cartório fazer a transferência do carro, devolveu-as ao expositor e passou a comprar os viveres.
Ao chegar ao apartamento, o zelador que estava limpando às vidraças perguntou:
É do quinhentos e sete?
— Sim.
— Tem correspondência para o senhor na caixa.
Abriu a caixa de correspondência e apanhou um envelope e pensou — Quem teria enviado a carta?
Abriu imediatamente o envelope, havia uma única folha de papel que dizia: Senhor Marçal! Favor ligar para o número...
Como alguém saberia o seu nome?
Adentrou no elevador e apertou o botão do quinto andar. Ao chegar ao AP suas mãos tremiam pela falta de álcool, seus lábios se contraiam. Mas formara o propósito de não beber, ao menos até o dia seguinte. Mais uma terrível noite de abstinência, com inúmeros fantasmas perturbando o seu sono. Mas o dia seguinte chegou e às nove horas o caiçara adentra no cartório, já o esperava um rapaz da revenda de carros. Tudo concluído. Recebeu o cheque de cinco mil e foi para o banco fazer o depósito em sua conta.
Mal conseguiu chega ao AP. carregando as três garrafas de vodca. Despejou no copo, que tremulava em sua mão, até a metade, seus lábios o esperavam aberto, e o primeiro gole desceu cantarolando goela a baixo. Logo o copo foi esvaziado e, uma nova porção foi colocada, desta feita a mão já não mais tremia e o copo não balançava. Assim, bebeu até cair em sono profundo, quase em coma alcoólica.
No dia seguinte, por volta das dez horas, despertou como sempre, com forte dor de cabeça e ânsias de vômitos. Sentou na cama, colocou os cotovelos sobre os joelhos, curvou as costas, agarrou a cabeça com ambas as mãos e mais uma vez, chorou e soluçou de dar dó.
— Mãe! Estou preocupada com o Marçal, ele não me telefonou nem apareceu até agora, faz três dias que esteve aqui, esperava que me procurasse. Acho que vou até o AP. dele.
— Não faça isso minha filha, este rapaz é complicado, só vai dar dor de cabeça para você.
— Sei disso mãe, mas assim mesmo vou procurá-lo, ele pode estar precisando de mim.
— Não diga que não lhe avisei, deixa isso para lá, esse rapaz e complicado, não serve para você.
A capainha do interfone toca. Com grande esforço ele consegue chegar até o interfone e o atende.
— Sim, que é?
— É Francine, pode abrir a porta para mim?
— Ola Francine! Você chegou há uma hora imprópria.
— Abra que talvez seja à hora mais própria para falar com você.
Já fazia uns seis meses que Marsal não prestava qualquer atenção às mulheres, Francine fora uma exceção. Quando se está realmente lá, no fundo, as mulheres deixam de interessar.
Ele relutou, mas terminou abrindo o conector da porta e ela entrou, subiu pelo elevador e ao chegar ao AP 507 ele já a esperava com a porta semi-aberta. Quando ela adentrou, ele lhe disse, procurando esconder o rosto.
— Bela manhã! — observou, para encetar a conversação.
— Sim, — disse ela, olhando-o com interesse;
— Não a quero assustar nem sobressaltar, mas, se quiser — seguir o meu conselho vá e não me procure mais, estou passando por dificuldades momentâneas.
Olhou fixamente para o rapaz, para ver se ele estava troçando dela, mas tinha um ar absolutamente sério. Contemplou-o durante alguns momentos, trêmulo, convulso; o seu cérebro girava sob a ação de mil pensamentos incoerentes.
— Não se preocupe eu sei que você é alcoólatra e quero ajudá-lo.
A luz era pouca e o ambiente estava completamente desorganizado, roupas sobre os móveis, algum lixo pelo chão e os moveis fora do lugar.
— Que bagunça, vamos ter de dar uma arrumada nisso, Posso ligar mais lâmpadas, para clarear o ambiente?
— Não faça isso, por favor, estou com uma terrível dor de cabeça. Minhas últimas noites foram preenchidas com pesadelos, todas as manhãs, despertei com uma sensação de.
ameaça iminente. Talvez tudo isso seja fruto da minha imaginação.
— Tá bem! Vamos deixar tudo como está. Vamos sentar e conversar. Quero lhe dizer que estou aqui para ajudá-lo e que você está necessitando de ajuda não pode recusar meu auxílio.
— Você não poderá me ajudar, é algo que nem eu mesmo posso me ajudar. Já fiz varias tentativas de deixar o álcool, mas todas foram inúteis, sempre ele foi mais forte do que eu.
— Sim, mas agora somo dois e haveremos de vencê-lo. Por exemplo, você está pálido, parece que não se alimenta há dias. Vou preparar algo para comer.
Foi até a cozinha e se pôs a preparar a refeição matinal. Ele a olhava com perplexidade, o que quereria ela, se dedicando a ele seria pura gratidão?
Em alguns minutos uma pequena refeição estava preparada. Ela o chamou para a mesa.
— Ovo frito bife, pão e café, não como assim faz dias.
Ele comeu a parca refeição matinal e sentiu-se melhor.
— Estás satisfeito? Isso foi o que pude preparar rapidamente, mais tarde farei o almoço.
— Estava ótimo e mesmo não posso comer como um desesperado, pois estou fraco. E agora não vai fazer um interrogatório, como costumam a fazer todas as mulheres?
— Não me junto a todas as mulheres, nada tenho a lhe perguntar, ou lhe sugerir, estou aqui apenas para ajudá-lo. Sem interferir na sua vontade, se quiser se recuperar eu ajudo, caso contrário, vou embora e nunca mais o procurarei.
— Não fique. Eu quero deixar o vício, apenas não consigo, o maior tempo que consigo passar em abstinência é de três ou quatro dias. Você tem de me ajudar.
— Como eu disse, agora somos dois a lutar contra o inimigo.
— O que sugere que façamos?
— Se eu puder entender como tudo começou, talvez busque uma solução.
— É uma história muito complicada, acho que não é o momento para falar disso. Por hora falarei sobre o momento atual, o que está acontecendo.
Separei-me de minha esposa e filho, atribui a mim a culpa a mais absoluta culpa da separação. Cheguei a Capão da Canoa, e fui andar na praia, o dia estava frio, vi uma mulher entrar na água e desaparecer, tentei salvá-la e quase me afoguei. Procurei nos jornais notícia de afogamento, o que não e comum nessa época do ano. Nada encontrei, parece que o corpo não deu na praia e também ninguém alegou o desaparecimento da vítima.
Passei a acreditar que tudo foi fruto da minha imaginação, mas tudo foi tão real.
— Podemos procurar nos jornais, eles estão filmados na biblioteca municipal. É só procurar no leitor de filmagens.
— Faremos isso outra hora. Posso lhe fazer uma pergunta?
— Sim, faça.
— Por que me procurou? Foi só por gratidão, ou há mais alguma coisa? Tenho a impressão que você está com medo.
— Medo! Eu, medo de quê?
— De mim, de você, da gente.
— Não é isso.
— Que é?
— Eu não sei...
— Fala o que é então.
— De me apaixonar por você e de não ser correspondida, talvez seja isso. O amor é uma força que todos possuímos! Apenas não temos aprendido a aplicá-la adequadamente.
— Eu tenho medo de fazê-la sofrer como fiz com minha esposa e meu filho.
— Por isso, acho que devemos, nos despedir e não voltar a nos ver.
— Quero correr o risco, pois pretendo ajudá-lo a se livrar do vício.
— Há quantos dias não sai do apartamento?
— Nem sei quando foi à última vez que sai, deve fazer dois ou três dias, acho.
— Que acha de caminharmos um pouco e respirar ar puro, hoje o dia está calmo e o sol de inverno está aquecendo.
— Vou levá-la onde a mulher se afogou e eu quase perdi a vida.
Deixaram o apartamento e tomaram o rumo à praia. Poucas pessoas caminhavam no calçadão, eles andaram e logo adentraram na praia, tiraram os calçados e começaram a caminhar de pés descalços na areia.
Para encetar uma conversa amena Francine disse:
— De que mais gosta na vida?
— De uma boa dose de vodca, geladinha daquelas que faz cócegas na garganta. — pensou, mas não disse, disse apenas.
— Eu nesse momento não sei do que mais gosto na vida, estou desmotivado para ela, tantos acontecimentos desastrosos que nem sei o que pensar. E você de que mais gosta?
— De muitas coisas, por exemplo, gosto de assistir filmes, principalmente do gênero suspense.
— Gosta de sentir medo estando confortavelmente sentada em uma poltrona em sua casa.
— Acho que é isso mesmo. Gosto de viajar, embora tenha viajado muito pouco. Gosto de Capão da Canoa, da tranquilidade do inverno e do agito do verão.
Mas o que gosto mesmo é da minha mãe, uma mulher incrível, eu adoro a minha mãe. Dona Justine tem uma história interessante. Qualquer dia eu a contarei.
O CAIÇARA
CAPITULO IV
UM CASSINO CLANDESTINO
Eles continuaram caminhando de mãos dadas e chegaram ao ponto onde o Caiçara havia visto a mulher adentrar no oceano.
— Veja foi ali que ela adentrou no oceano.
— E no dia não havia ninguém na praia?
— Sim, havia dois pescadores, mas me disseram que nada viram.
— O que acha de irmos à biblioteca verificar os jornais?
— Agora?
— Claro, ainda é cedo, podemos fazer isso, a biblioteca, fica na câmara legislativa. Não fica mais do que (três) quadras daqui.
— Então vamos lá.
Adentraram na biblioteca municipal, logo uma atendente os recepcionou.
— Posso ajudar em algo?
— Sim, gostaríamos de examinar os jornais do município, onde tivesse as notícias de Capão da Canoa. — disse Francine.
— Temos os dos últimos três meses, os mais antigos estão filmados e podem ser consultados no leitor de filmes.
— Começamos pelos mais atuais.
Logo a moça veio com um fardo de jornais e os colocou sobre uma mesa de consulta.
Sentou-se lado a mesa cheia de jornais, e não foi difícil ver, pela expressão ansiosa de ambos, que era muito grave o assunto que ali os trazia.
— Muito obrigada. Agora vamos nos organizar para examinar os jornais, você pega um e eu outro. Tá bem?
— Sim, faremos isso.
Em uma hora eles haviam examinado todos os jornais e não havia nenhuma notícia relativa a afogamentos, salvo a de um garoto que quando surfava se enredou em uma rede de pesca e morreu afogado.
Nos últimos três meses não havia mais nenhum afogamento.
— Desistimos — disse Francine.
— De forma nenhuma vamos ver as filmagens, ainda é cedo e além do mais, podemos retornar à tarde — disse o caiçara.
— Isso não faz sentido, você me disse que teria sido quando chegou a Capão a menos de um mês. Por que havemos de procurar em período tão anterior?
— Não sei, mas quero, sinto que devo procurar.
— Que seja! Podemos ver as filmagens?
— Por aqui, por favor.
A moça colocou um rolo de filme no leitor e disse:
— Para trocar de página é só mover esta alavanca.
Examinaram inúmeros jornais e é chegado o meio dia.
— Podemos retornar após o almoço? — perguntou Francine a atendente.
— Sim, podem deixar tudo como está e continuarem à tarde.
Almoçaram em um restaurante a quilo e as treze e trinta retornaram a biblioteca. Devia ser próximo das dezesseis horas, quando, em um jornal aparece a notícia de um afogamento de uma mulher, a foto exibida deixou o Caiçara perplexo.
Levou um tempo para conseguir falar, balançando o corpo e puxando os cabelos, como alguém que tivesse alcançado o limite de suas forças e estivesse prestes a ter um colapso.
— É ela! Aqui está, morreu afogada, o corpo deu na praia, seis dias após a morte. Vamos ver a data, aqui está 16 de julho de 1998. Faz mais de dois anos.
— Não pode ser a mesma mulher, você disse que a viu se afogar a poucos dias, como explica isso?
— Não posso! Como também não posso explicar muitas outras coisas que aconteceram comigo.
— Você parece misterioso, é um alcoólatra, mas se comporta como fosse um místico. Quais mistérios está escondendo dentro de si?
— Não sei o que há comigo, tenho alucinações, que é, do álcool, pois eu as tinha muito antes de me tornar alcoólatra.
— Quer falar disso?
— Quem sabe em outro momento.
— Entendo! Agora devemos nos preocupar com a sua abstinência.
— Tenho de voltar para a casa, promete que não irá beber, amanhã cedo estarei aqui para fazer o café da manhã e o tomarei contigo. Tá certo?
— Tenho medo de não resistir à compulsão pelo álcool. Fique por favor.
— Hoje não posso, não trouxe nada para vestir após o banho e até minha escova de dentes eu não trouxe, a final não sabia como o iria encontrar.
— Ta bem! Vá eu tentarei resistir até amanhã.
Passava das oito horas da noite, quando ele resolveu sair para jantar. Andou, e enquanto andava, travava a velha luta mental entre o desejo de resistir à compulsão pelo álcool e a vontade de beber apenas um gole, que certamente seria a abertura da porta para mais um porre.
Andando pela beira mar, de longe avistou uma casa iluminada e se aproximou. Era um bar antigo e surrado, com as paredes desbotadas e sem pintura. Adentrou e dirigiu-se ao balcão, apoiou-se com as duas mãos e disse ao atendente:
— Tem algo para comer?
— Posso preparar alguma coisa como um bife com ovos e fritas.
- Tá bom, pode fazer.
— E para beber o vai querer?
— Pode ser uma cerveja.
Encostado no balcão ele via que muita gente, passava a suas costas, que de certo, pela aparência não deveriam estar naquele bar ordinário.
A cerveja chegou e ele pergunta ao garçom:
— O que é que há lá nos fundos, onde as pessoas estão indo?
— É um lugar reservado para clientes especiais, não pode ir lá sem ser convidado.
— Por acaso é um clube fechado e restrito?
— É mais ou menos isso ai.
Pegou a garrafa e foi sentar a mesa. Abasteceu o copo e tomou o primeiro gole e logo empinou o copo, serviu outro e logo a garrafa estava vazia. Acenou para o garçom e este veio logo com outra garrafa.
Bebia tranquilamente quando olha para a porta de entrada e vê uma mulher finamente trajada que adentrava no estabelecimento.
Olhou-a de soslaio e não mais a perdeu de vista. Uma mulher de trinta e tantos anos, esbelta, bem vestida, de traços aristocráticos e olhos castanhos, inteligentes e ansiosos, provida de uma discreta elegância e atrativos surtis. Os cabelos escuros que lhe escorriam suavemente sobre os ombros.
Logo veia refeição, ele comeu, sem a perder de vista, ela lá parada, parecia invisível aos olhos dos demais. Viu quando ela se dirigiu aos fundos do estabelecimento.
Chamou o garçom, pediu a conta, pagou e se levantou dirigindo-se para onde havia visto entrar. Olhou para o garçom que lhe fez um sinal de acessão.
A sala dos fundos era maior do que ele imaginara, com um luxo extravagante. O bar ordinário na frente não passava de um dis¬farce. Ali havia um cassino clandestino... Duas mesas de roleta, cinco mesas de carteado e três para os dados. E devia haver pelo menos trinta pessoas lá dentro.
A sala enfumaçada, mas em silêncio. Até os jogadores de dados estavam quietos. E quando uma roleta girava se podia ouvir o barulho da bolinha bater no círculo da roleta.
Os habitues, pessoas de fino trato, exibiam pilhas de fichas a sua frente, garçons com bebidas, de graça, era só pegar o cálice da bandeja. Pegou um cálice e logo o esvaziou para pegar outro.
Olhou e viu a dama que entrara no bar ralé, que servia de fachada. Lá estava ela, com um grande sorriso. Não apostava, não bebia, apenas o olhava. Ele foi ao seu encontro, ela foi até uma das roletas, onde o crupiê estava anunciando:
— Façam suas apostas, senhoras e senhores...
Por que não? — pensou: — cem reais, não vou ficar mais pobre por isso, comprou (dez) ficha, seria somente aquelas, talvez ganhasse e os cem reais poderiam se transformar em duzentos. Mas em qual ele deveria apostar, no preto ou no vermelho?
Nesse momento a mulher, apontou para o preto 27. Ele sorriu e colocou a ficha no indicado.
O crupiê de¬clarou:
— A banca está fechada!
A roleta começou a girar. Tudo o que o Marsal (O Caiçara) podia fazer era ficar parado ali a olhar. Cem reais poderia ser jogados fora como se não valessem coisa alguma. A roleta girava e girava, a bolinha girava e gira, a sala girava e girava... Ansioso pegou mais um cálice e o empinou.
A bola parou. A roleta parou. E a sala parou também. Assim, Marsal (o caiçara) pôde ouvir o crupiê anunciar:
— Preto, 27.
O seu número! O crupiê empurrou a pilha grande de fichas na direção dele.
Olhou para a mulher que lhe sorriu e alcançou algumas fichas para ela. Ela se manteve parada como uma estátua até que ele recolheu a mão, e quando ia colocar uma nova aposta, ela apontou para o vermelho 33, ele colocou a metade das fichas que havia ganhado. Ganhou novamente. Olhou para a mulher, que lhe fez um sinal de positivo com a cabeça. Pegou todas as fichas, e esperou ela apontar, e quando o fez era no vermelho 27. Ele colocou todas as fichas que havia ganhado até então.
O crupiê de¬clarou:
— A banca está fechada!
A roleta começou a girar. Todos ansiosos, se contorcendo, parecendo acompanhar o movimento da bolinha, quando esta parou, a roleta deu inúmeras voltas e ao parar o crupiê de¬clarou:
— Vermelho, 27. O seu número!
Agora a montanha de fichas, mal cabia no espaço que lhe destinava na mesa. Atônito pega mais um cálice de bebida e olha para a mulher e, esta, lhe faz mais uma vez o sinal de positivo, devia continuar jogando, apontou para vermelho 33.
Quase que inconscientemente ele colocou todas as fichas no local indicado. O crupiê teve de trocar as fichas de pequeno valor por fichas de maior valor para que coubesse na mesa. E logo declarou:
— A banca está fechada!
Girou a bolinha no sentido contrário do giro da roleta, a bolinha pulou e logo parou. A roleta girou, girou e parou. O caiçara mais uma vez havia ganhado.
O crupiê aperta uma campainha e logo vem um homem, fala com o crupiê e este logo diz:
A banca está quebrada.
Marsal, (O Caiçara), pega um saco e o enche de fichas e vai ao caixa. Naquele momento não sabia o quanto ganhara, apenas sabia que tudo pertencia à mulher que apontara onde deveria jogar. Nesse momento um homem de forte estatura, o pegou pelo braço e lhe disse:
— Por favor, queira me acompanhar.
Chegaram a um pequeno escritório, ao entrarem o homem sentado atrás de sua mesa e inclinou a cadeira girató¬ria para frente, até poder apoiar os cotovelos gorduchos no tampo, confortavelmente. Era um homem corpulento, de meia-idade, o rosto avermelhado, olhos azuis suaves. Os cabelos lou¬ros estavam ralos no alto da cabeça e começando a ficar brancos. Aninhava o cachimbo nas mãos rechonchudas, saboreando-o com pequenos movimentos dos lábios, enquanto o observava, tendo dois homens fortes um de cada lado.
Olhou o recém chagado e com um sorriso sarcástico, de canto de boca, pois do outro lado sustentava o cachimbo fumegante. Sem tirar o fino artefato de fumar e movendo-o ao falar, lhe disse:
— Então você é o homem que quebrou a banca. Sabe que o meu estabelecimento, nesses casos, tem uma grande responsabilidade de fazê-lo chegar à casa são e salvo, com o produto de seu prêmio. Por isso, vou mandar que os meus colaboradores o escoltem até sua casa. Podem levá-lo ao caixa, para pegar todo o dinheiro disponível e apurem o que faltar para que lhe forneça uma carta de crédito do meu estabelecimento.
O total tinha sido de cento e oitenta e cinco mil reais. O caixa tinha disponível apenas cinquenta e três mil reais. Fez uma carta de crédito de cento e trinta e cinco mil reais.
Olhou para todos os lados, procurou-a por todo o estabelecimento, perguntou para as pessoas, ninguém havia visto a tal mulher. Pegou mais um cálice de bebida e o esvaziou.
Marsal deixa o estabelecimento acompanhado pelos dois guardas costas, que o conduzem a um carro que estacionado estava do outro lado da rua. Um adentra no volante e o outro introduz o passageiro no banco traseiro e entra junto com ele.
O motorista diz:
— Como é moço, onde você mora?
Quase fora de si o Caiçara, busca no bolso um cartão e entrega ao homem ao seu lado. No cartão estava o seu endereço completo.
Quando ele acordou, sob o ruído da campainha, o sol já estava no zênite. Levantou meio tonto, com a cabeça doendo. Foi até o interfone e perguntou quem era?
— É Francine. — respondeu uma voz feminina.
Abriu a trava da porta e ela entrou.
Soluços e gemidos de rasgar a alma saíam do âmago de seu ser, e foi assim que Francine o encontrou. Dois seres feridos que se abraçaram e choraram desconsoladamente.
— Bom-dia! Como passou a noite?
— Mal, sinto muito, mas tive de beber, não resisti e sai para jantar e não me lembro de mais nada, apenas lembro que sonhei que havia uma casa de jogos e que eu jogava muito e bebia. Uma mulher me indicava onde jogar, eu ganhava a cada jogas que fazia, assim ganhei um monte de dinheiro, pena que foi apenas um sonho.
As têmporas latejavam com uma exultação que era quase insuportável.
— Vá tomar um banho enquanto lhe preparo o café — disse Francine.
Após o banho tomou um comprimido para a dor de cabeça. Tomou café e já se encontrava melhor, a dor de cabeça havia dado uma trégua, quando ele vê no sofá um pacote dentro de uma sacola plástica, pegá-o e o abriu. Em seu interior havia uma grande quantia em dinheiro e uma nota de crédito, no valor de cento e trinta e cinco mil reais.
Fechou os olhos e balançou a cabeça para ver se conseguia apagar a alucinação e restaurar a realidade. Mas, quando os abriu, tudo continuava ali.
Ele atônito grita à Francine:
— Não foi sonho eu ganhei um monte de dinheiro, realmente tudo aconteceu.
Contaram o dinheiro, havia cinquenta e três mil reais. Francine surpresa lhe diz:
— Conte-me nos mínimos detalhes o que você se lembra sobre os acontecimentos de ontem.
Ela o sentou no sofá e ficou de cócoras ao seu lado, ele relatou como sua lembrança permitiu todos os acontecimentos da noite anterior.
— Se entendi bem a mulher, não chegou a falar contigo, apenas se limitou a indicar onde deverias pelas apostas, é isso?
— Sim, perfeitamente isso.
— E as pessoas viram que a mulher lhe indicava onde deveria jogar?
— Acho que sim, pois ela estava plenamente visível.
— E você não mais a viu, após ter ido ao escritório do dono?
— Eu a procurei perguntei para as pessoas sobre ela, ninguém soube informar.
— E agora o que pretendes fazer a respeito?
— Não abrigo à menor dúvida hoje à noite retorno ao local e vou procurá-la.
— Irei com você, hoje minha mãe não esta me esperando, disse-lhe que dormiria aqui contigo.
O estomago começava a embrulhar-se, sentia náuseas. Colocou a mão na boca, como querendo impedir uma golfada de vômito e foi ao banheiro. Vomitou no vaso e deu descarga, abriu a torneira da pia e lavou a boca, levantou a cabeça é lá estava ele novamente. Era o seu pior inimigo. O mais cruel, o mais cínico, o mais sem piedade. Um inimigo que falava a verdade. Sempre. Sempre a verdade. Toda aquela verdade que ele sabia, conhecia muito bem e que nunca o abandonava.
Ele era dependente de álcool, e isso era inegável. O espelho que refletia a sua imagem deixava isso bem claro, nas olheiras profundas, os olhos com aspectos sanguinolentos, sua saliva grossa e a língua que mal cabia na boca. Tudo era revelado pelo inimigo, o espelho.
Retornou a presença de Francine, olhou-a, e pensou:
— Uma mulher nova, cheia de vida e entusiasmo, o que quererá com um alcoólatra como eu? Não me lembro da última relação que tive isso foi a tanto tempo que tenho medo de fraquejar.
— Estais melhor?
— Acho que sim.
— Vou lhe preparar um chá que é uma porretada no fígado. Logo você vai ficar melhor.
— Eu quero é uma dose de vodca — gritou mentalmente, mas se resignou em aprovar maneando a cabeça em sinal de aceitação.
Tomou o chá e foram caminhar:
— Vou levá-la no lugar onde ganhei todo aquele dinheiro, certamente nesta hora está fechado, mas pode ser que o bar esteja aberto, afinal ele é a fachada da casa de jogo.
— Quero acompanhá-lo logo à noite, se você vir a tal mulher me indica que eu falo com ela.
Chegaram ao bar e ele estava fechado.
— Certamente abriria apenas a noite — disse o Caiçara.
— Vamos continuar ou retornamos?
— Acho que devemos continuar, vá que eu encontre a tal mulher.
Caminharam pelas cercanias do bar e não encontraram ninguém que tivesse estado na casa de jogos.
O CAIÇARA
CAPITULO V
RETORNO AO CASSINO
Almoçaram em um restaurante a quilo e retornaram ao apartamento no edifício Leblom, pegaram o dinheiro e foram ao banco depositá-lo.
O restante do dia passara como que o tempo estivesse parado, ele caminhava de um lado para outro, passando a língua para lubrificar os lábios, ela assistia televisão e nos intervalos folhava alguma revista.
Eram vinte horas, quando eles saíram do edifício rumando para o bar onde se encontrava a casa de jogos. Lá chegando, solicitaram ao atendente que preparasse (dois) hamburguês.
— E o que vão beber?
— Refrigerante cola, por favor — disse Francine.
— Para mim uma cerveja.
‘ Francine se mostrou contrariada, mas nada disse.
— O senhor foi quem quebrou a banca ontem? Não foi? — perguntou o garçom.
— Sim, fui eu mesmo.
— E hoje pretende fazer o mesmo?
— Vamos ver se estou com sorte.
Eles comiam, quando as pessoas começaram a chegar e se dirigiam a sala dos fundos.
Passava das vinte e duas horas, quando se dirigiram a sala de jogos. Ao entrarem, um homem fazendo uma mesura, solicitou que eles se dirigissem ao gabinete do proprietário.
— Senhor, tem a nota de crédito da casa?
— Sim.
— Diga ao caixa que este senhor tem crédito até o limite da carta.
Eles logo foram levados ao caixa, que solicitou a carta de crédito dizendo:
— Ela poderá ficar comigo, e poderão levar a quantia de fichas que desejar.
Pegou um saco de fichas, no valor de trinta mil reais e foram para os jogos.
— Veja Francine, foi nesta roleta que eu ganhei.
— Onde está a mulher?
— Não há vejo em lugar algum.
— Devemos esperar que ela chegue para iniciarmos as apostas. — disse Francine.
— Vamos apostar baixo e ver como estamos de sorte.
Nisso passou um garçom, com uma bandeja com copos de bebidas, e o Caiçara, pegou um dos fracos e o entornou de uma só vez. Francine nada disse, mas mostrou-se decepcionada. Nesse momento — Façam suas apostas, senhoras e senhores — disse o crupiê...
Marsal (O caiçara) apressou-se em colocar várias fichas no preto 17. Logo pegou outra taça de bebida, e logo outra, quando o crupiê anunciou:
— A banca está fechada!
A roleta girou, a bolinha foi lançada, salta de um lado para outro e finalmente se aloja no número ganhador. A roleta gira, mais lenta até que se podia ver a casa em que parara e o número correspondente.
— Vermelho 27 — diz o crupiê.
Perdera a primeira aposta, mas outras tantas seguiram regadas a bebida gratuita e sempre disponível. O Caiçara jogava e bebia. Francine, contrariada, já havia desistido de acompanhá-lo e se retirara para um canto sombrio.
Quando as fichas acabavam, ele ia até o caixa e pegava mais um saco de fichas e continuava a jogar.
De repente tudo ficou preto e ele simplesmente caiu como que atingido por uma flecha mortal.
Francine correu ao seu encontro, colocou a mão sobre a carótida e constatou que apenas tinha desmaiado logo outras pessoas rodearam o incauto, que foi retirado em coma alcoólica. Levado ao hospital foi constatado que se tratava de uma grave reação de hipoglicemia (baixa glicose no sangue). Ficou em observação, após haverem lhe aplicado uma injeção.
de glicose. O médico que o atendeu explicou a Francine que quando se bebe o álcool passa muito rapidamente pelo estômago e intestinos para o corpo sem ser metabolizado. As enzimas no fígado fazem o trabalho de metabolização do álcool, mas esse processo demora muito. O fígado só pode metabolizar o álcool a uma velocidade, que não tem nenhuma relação com a quantidade que foi ingerida. Ao tomar álcool muito rápido ele não será metabolizado e permanecerá na corrente sanguínea em outras partes do seu corpo até que possa ser metabolizado. As células cerebrais são afetadas por esse excesso, impedindo que o cérebro funcione normalmente com a pessoa apresentando o quadro típico de embriaguez.
Eram sete horas da manhã quando o caiçara foi liberado da observação. Francine ainda estava na sala de espera, ajudou-o a sair e pegar um táxi.
— Que papelão eu fiz ontem, bebi o que podia e o que não podia.
— Você tem de procurar ajuda, sozinho não conseguirá vencer o álcool. Eu não o posso ajudar a não ser que você se ajude.
— Eu sei, acha que eu não me esforço? Acontece que eu não resisto isso é mais forte do que eu.
— Por isso, acho que devemos procurar ajuda.
— Sabe quanto perdi e o que foi feito do resto do dinheiro?
— Enquanto você esteve na recuperação eu retornei ao cassino e arrecadei as sobras, você ainda tem um crédito de setenta e quatro, mil seiscentos e cinquenta reais, me deram uma nova carta de crédito. E a história da mulher que lhe apontava onde jogar foi fruto de sua imaginação apenas, pois ele não apareceu.
— É! Receio que sim. Mas tudo foi tão real, que é difícil acreditar que fora apenas fruto da minha imaginação.
— Talvez ela não tenha aparecido por que você estava acompanhado — dando um leve sorriso.
— Não se trata disso, há muitas coisas que você não sabe a meu respeito.
— Por exemplo?
— Quando eu era pequeno, fui adotado por meus tios e padrinhos, pois eu sofria de distúrbios mentais, passava por delírios e imaginava coisas que haviam acontecido. Fui levado a Porto Alegre para tratamento psiquiátrico e não mais fui acometido desses distúrbios, ao menos é o que os meus tios pensavam, pois, passei a esconder as anomalias que me ocorriam.
Quando eu tinha dezoito anos, tive uma premunição de que meus pais adotivos sofreriam um acidente de carro. Hesitei em lhes dizer, e por isso considerei-me culpado, quando tudo aconteceu.
Eu estava estudando no meu quarto, a música baixa, pois eu costumava estudar com música, isso me confortava e me deixava atento no que estava estudando. De repente tive consciência de um clarão de luz — agitação, fluxo, não sei como designá-lo, não consigo encontrar nenhuma palavra para descrevê-lo satisfatoriamente — no qual eu parecia ver aquele quadro dramático e aterrador. Eles sofreram um acidente e batem na murada de uma ponte, logo outro veículo choca-se na sua traseira e o carro pega fogo, via uma explosão e o fogo dominando tudo.
O pior que tudo aconteceu exatamente como eu havia imaginado em pura abstração.
— Você contou a mais alguém que havia previsto o acidente?
— Não, não tive coragem, pelo fato de que ninguém iria acreditar. Como você não acredita na mulher que me indicava os números a serem jogados.
— Você tem razão é difícil acreditar ainda mais quando as coisas não acontecem quando estamos presentes.
Pegaram um táxi e foram para o apartamento no edifício Leblom.
— Você vai ficar deitado, ainda está em recuperação. Ao meio dia vou ao restaurante e pego comida para nós. Agora descanse que eu vou arrumar o apartamento.
O dia passava sonolento, almoçaram ao meio dia, assistiram televisão e jogaram baralho. As horas não passavam o caiçara já estava ficando impaciente. Às dezenove horas Francine olhando-o no fundo do olho lhe disse:
— Hoje vou ficar com minha mãe, afinal ela também precisa de mim. Mas volto amanhã cedinho. Aconselho-o a não sair à noite. Mas se resolver sair, por favor, não beba até desfalecer, pois, poderá morrer sem socorro.
Deu-lhe um beijo na testa, pegou sua sacola e saiu.
Enquanto descia pelo elevador, pensava:
— Amanhã vou me informar sobre os AA. e vou sugerir que procure ajuda.
Ele, sozinho no apartamento, olhava para tudo que o cercava, fazia planos de resistir à impulsão pela bebida, pois, em outras oportunidades haviam passado mais de três dias sem beber. Desta vez resistiria, queria recebê-la no outro dia, sóbrio e dizer-lhe que não havia bebido.
Francine chega à sua casa, sua mãe a recebe e lhe pergunta:
— Como está Marsal?
— No mesmo, não consegue parar de beber, e descobri que ocorrem coisas estranhas com ele.
— Diga, diga o que é que acontece com ele?
— Vê coisas absurdas, tem sonhos horríveis, em fim é todo complicado.
— E fizeram sexo?
— Não até agora não. Ele parece que tem receio de falhar na hora H. Como ele não tomou qualquer iniciativa eu fiquei só na expectativa.
— Tive várias colegas, que quando estavam completamente dependentes do álcool, deixaram de se interessar por sexo, faziam, apenas para ganhar dinheiro. Quase todas morreram de
cirrose hepática. E, as coisas que está vendo ou sonhando, não passam de efeito da abstinência ao álcool — disse Justine.
— Ele me disse que fora a um cassino clandestino e que lá estava uma mulher que apontava para os números que deveria jogar, e sabe, ele ganhou mais de cem mil reais em uma só noite.
Retornamos na noite seguinte, a mulher não apareceu, ele só perdeu.
— Tudo foi fruto da imaginação sob o efeito do álcool — disse Justine.
— Eu também acho que tudo não passou de alucinações alcoólicas.
A luz do dia já declinara, e a penumbra estava rapidamente cedendo às trevas da noite. O caiçara preparava-se para sair, mas jurara a si mesmo, perante o espelho de que não colocaria uma gota se quer de álcool na boca.
Caminhou ao longo da avenida beira mar, alguns prédios, começavam a iluminar-se, outros por estarem completamente vazios, continuavam ao abrigo da escuridão. Todo o seu ser clamava por uma bebida, fosse qualquer uma, desde uma simples cerveja a uma dose de vodca. Ao mesmo tempo, seu cérebro o lembrava do firme propósito de não colocar uma gota de álcool até o dia seguinte. Pensou em jantar, mas poderia não resistir à tentação de pedir uma bebida, abandonou a ideia e seguiu em frente.
Lembrara-se de quando iniciara a beber, era por simples prazer, de tornar-se alegre, de divertir-se com os amigos, nas baladas de finais de semana, onde os alunos da universidade frequentavam. As meninas que levava para o escurinho e faziam sexo escondidos sob as mesas, sem que ninguém perturbasse.
Ficara abstêmio na fase inicial de seu casamento, sua esposa rejeitava qualquer tipo de bebida. Logo veio o seu filho e ele enquanto ela estava no hospital, resolvera festejar com os amigos e tomou um memorável porre de vodca. No outro dia, com uma terrível dor de cabeça, fora ao hospital visitar sua mulher, que ao vê-lo lhe disse:
— Andasses bebendo, que vergonha, seu filho recém nasceu e já tem um pai alcoólatra.
— Ficou contrariado, mas apenas disse que fora comemorar o nascimento do filho com os amigos do escritório. E, que isso não aconteceria mais.
Passaram a dormir em quartos separados, pois ela tinha de cuidar do menino e ele roncava, além dos pesadelos que o atormentavam, acordava suando e desesperado. Às vezes aos gritos, o que perturbava a criança.
As noites mal dormidas, os sonhos aterradores, as visões que tinha sem saber se estava dormindo ou acordado, o estavam levando a loucura. Furtivamente levou para o quarto uma garrafa de vodca, e antes de dormir tomava um cálice. Passou a dormir melhor e não despertar a noite em sobressalto. As doses a cada noite iam aumentando para que o mesmo efeito fosse alcançado. Durante o dia nunca bebia, mas já estava percebendo que o álcool lhe fazia falta no decorrer do dia. Sentia-se nervoso, inseguro e irritado. Para acalmar-se passou a beber furtivamente durante o dia. Não demorou muito, a sua esposa começou a perceber que não mais havia aquela tranquilidade em seu lar: os diálogos estavam sendo substituídos por agressões verbais; o filho se sentindo acuado pelas brigas dos pais. Todas as suas virtudes estavam deslizando e distanciando-se ao decorrer do tempo, ainda não se apercebia, ou seja, não sentia que estava sendo aprisionado pelos grilhões da doença — o alcoolismo.
Começou a faltar o serviço, pois adoecia com frequência, com problemas no fígado. A noite passou a frequentar bares e cabarés e quando retornava a casa se encontrava completamente embriagado. Por se encontrar sempre sob o efeito do álcool, seus distúrbios mentais haviam desaparecido, momentaneamente.
As luzes das ruas já estavam acesas, mas produziam apenas pequenos pontos luminosos que pouco a pouco eram engolidos pela neblina. Encostou-se num dos postes e olhou para seu pequeno relógio redondo de pulso. Em seguida olhou para a massa formada pela névoa e encolhe os ombros com frio.
Caminhou pelas ruas, sem destino certo, confuso sem saber o que deveria fazer, apenas lhe vinha à mente que teria de resistir a compulsão pela bebida. Tinha fome, mas não queria adentrar em um restaurante, seria o mesmo que admitir a hipótese de tomar cerveja e logo continuar bebendo até que perdesse os sentidos novamente. Não, não poderia fazer isso em hipótese alguma. Procurou uma carrocinha de cachorros quentes, seria o necessário para aplacar a fome que corroía seu estomago. Comeu duas porções, sentiu-se satisfeito, havia passado aquela corrosão em seu estomago. Olho para o relógio que marcava vinte e uma horas e quarenta e cinco minutos. Dirigiu-se a casa de jogos. O bar que antecedia a sala de jogos estava vazio, os habitues já estava no interior do salão de jogos. Olhou para todos os lados lá estava a mulher que lhe havia propiciado ganhar uma pequena fortuna na roleta. Nessa oportunidade parecia que a estava vendo melhor, parecia mais visível aos seus olhos. Uma mulher esbelta, estatura mediana, cabelos pretos mechado de branco na parte frontal. Olhos verdes pareciam duas esmeraldas que se destacavam sob sobrancelhas negras e espessas. Seios fartos concordavam com as curvas acentuadas do seu corpo, coberto por um vestido vermelho escuro. Seu semblante esboçava tranquilidade um sorriso gracioso, formado por lábios carnudos.
O Caiçara acompanhava a dama de vermelho, com os olhos. Ela se colocou junto da mesa de roleta. Havia uma porção de rostos gordos e magros lá, cidadãos bem vestidos. Pilhas de fichas na frente de alguns. Pilhas menores diante de outros. E a
roleta no meio da mesa girando, a roleta com os 36 números, o zero e o duplo zero, a roleta com o ver-melho e o preto. Cada vez que girava, algumas das pilhas de fichas ficavam menores e outras tornavam-se maiores.
Alguns dos jogadores deviam ter mais de dez mil reais em fichas na sua frente e continuavam a ganhar. Alguns dos outros continuavam a perder e a comprar mais fichas.
Mas, ganhando ou perdendo, todo mundo estava excitado. Marsal (o Caiçara) podia sentir o excitamento em torno da mesa se irra¬diando em ondas. Todos observavam a roleta girar, a cada vez. O Caiçara ficou observando também, sentindo a pressão. Se ao menos ela lhe apontasse agora onde deveria apostar...
Ele olhou para a dama de vermelho. Ela também não esta¬va jogando, apenas olhando, da mesma forma que ele. Não exatamente da mesma forma, porque ela não estava excitada. Marsal podia percebê-lo pela maneira como ela estava parada ali, mais parecendo uma estátua. Ninguém mais prestava qual¬quer atenção à dama de vermelho, embora ela fosse a coisa mais quente que havia na sala. Era de se pensar que nem mesmo sabiam que ela estava ali, a julgar pelo jeito como a ignoravam e continuavam fixados na mesa, na bolinha de prata quicando pelo lado da roleta.
Ela olhava, mas seus olhos nunca se alteravam. Não cerrou as mãos, não respirou fundo, nem mesmo parecia interessada. Era quase como se soubesse quem ia ganhar e quem ia perder.
O crupiê anunciava:
— Façam jogo, senhoras e senhores...
O Caiçara contemplou-a, atentamente. De repente, ela virou a cabeça e tornou a fitá-lo. Aqueles olhos pareciam um par de pedras brilhantes. Marsal (O Caiçara) quis desviar os olhos, mas ela o fez pri-meiro. E depositou os olhos na roleta e apontou para o vermelho 15.
Ele pegou a carta de crédito que tinha no bolso e a colocou no número indicado pela dama de Vermelho. O crupiê pegou-a, olhou-a atentamente, chamou um dos observadores e falou-lhe algo ao ouvido entregando-lhe a carta. Dirigindo a Marsal, disse: Ele vai validar a sua aposta. Logo o homem retorna e faz um sinal com a cabeça. A carta é colocada sobre o vermelho 15.
O crupiê de¬clarou:
— A banca está fechada!
A roleta girou, a bolinha foi arremessada contra giro, pulou de um lado para outro e se alojou em um dos sulcos numerados. A roleta foi logo diminuindo o giro e logo o número sorteado foi revelado.
O crupiê cravou os dentes no lábio inferior. Seu rosto ficou ruborizado, com voz embargada de-clarou:
Vermelho 15. O cavalheiro da carta de crédito ganhou.
O caiçara olhou para a dama que o orientava, ela não esboçava qualquer sentimento, qualquer emoção, apenas o fitou com um olhar melancólico. Eufórico procura o garçom com a bandeja de bebidas, mas ele não estava perto. — Não posso beber, se não posso perder e, além disso, posso desfalecer e hoje não posso contar com Francine.
Olhou mais uma vez para a dama de vermelho. Ele apontava para o preto 17. Pegou tudo o que havia ganhado mais a carta de crédito e colocou tudo no número por ela indicado.
Ganhou mais uma vez e a banca estava quebrada novamente.
Ele logo foi levado ao gabinete do proprietário. O lugar, um cômodo pequeno e sóbrio, está quentíssimo e saturado de fumaça de cigarro.
O CAIÇARA
CAPÍTULO VI
MARSAL
O homem gordo morde a ponta de um lápis, parecendo contrariado. Olhou para o Caiçara, que nesse momento estava cercado por dois homens fortes. Levantou de repente, colocou ambas as mãos apoiadas no tampo da mesa. Com o semblante fechado como uma rocha, disse:
— Quero saber como você está fazendo para ganhar, como tem ganhado? É a segunda vez que quebra a banca.
— Não tenho nenhuma forma específica para ganhar, faço grandes apostas e quando ganho, ganho muito, como hoje.
— Novamente não tenho tanto dinheiro em caixa, vou ser obrigado a lhe fornecer uma carta de crédito do estabelecimento, poderá usá-la quando quiser. Deixou o escritório com a carta de crédito no valor de cento e oitenta e sete mil reais, mais setenta e cinco mil e oitocentos reais em espécie. Procurou a dama de vermelho por todos os lados e não mais a encontrou.
Dirigiu-se a um homem de estatura mediana, magro e simpático, com voz suave e quase terna, e de movimentos um tanto femininos, possuía uma natureza que no conjunto despertava confiança.
— O senhor não viu uma senhora vestindo um traje vermelho, estatura mediana, com uma mecha de cabelos brancos quase no centro da cabeça?
— Não senhor! Garanto-lhe, que tal dama não esteve neste recinto hoje à noite.
— Confuso deixou o estabelecimento. A névoa envolveu-o quando ele desceu em direção ao mar, que, infatigável, batia na praia rasa de areia. Quase não conseguia dominar o impulso que tinha de tomar alguma bebida. Mas tinha de vencer, a
qualquer preço, havia prometido a Francine que a receberia sóbrio, naquele dia.
Entre o desejo de beber e a força de vontade de resistir à compulsão que tinha pelo álcool. Nessa batalha psicológica e, dado ao adiantado da hora, pois passava das quatro horas da madrugada, não encontraria um único estabelecimento que o servisse algo para beber, chegou ao edifício Leblom.
Tentou dormir, mas seus fantasmas começaram a rondá-lo.
Não sabia se estava dormindo ou acordado, mas, tinha certeza que tudo estava vendo como estivesse passando um filme em sua frente. Via a mulher que adentrava no oceano e desaparecia. As imagens se emaranhavam com outras que tinha de um homem com uma acha de lenha batia num casal, que levantavam os braços para se defenderem da violenta agressão. Banhado em suou ele levantou, procurou desesperadamente uma bebida, mas nada encontrou. Foi ao chuveiro e tomou uma ducha, ficou molhado de propósito, pois o suor ainda brotava pelos poros.
Abriu uma janela e pode ver a noite, que pelo adiantado da hora deixou as ruas completamente vazias. O ar fresco da noite invadia o ambiente, penetrando pela janela aberta.
Ele subitamente levantou os olhos, seu problema ainda por solucionar, e havia no ar aquela sensação da hora antes do amanhecer, que é tão aterradora a uma vida incerta. Tomado de uma súbita sensação de silêncio. Não havia o menor ruído nas ruas. O silêncio era tumular. Ele lembrou-se da estranha ocorrência da noite anterior e instintivamente olhou para o ambiente. E então um sentimento estranhíssimo atravessou-o. Sentou no sofá e começou a raciocinar, reproduzindo em pura abstração as cenas que vira em seu surto psicológico. Lembrou da incrível coincidência da mulher que se afogara há dois anos atrás, parecendo-se em muito com a visão que tivera na praia. E, se perguntava, o que levaria uma mulher como aquela terminar com sua vida. Ao mesmo tempo, raciocinava que a morte representava à libertação de tudo aquilo que nos pode afetar, o frio, o calor, a fome, o fracasso, o vício, em fim, tudo que nos degrada. Analisava sua vida, não tinha feito nada para merecer os distúrbios psicológicos de que era acometido. Seu vício resultara desses distúrbios, porque teria de conviver com isso, quando isso tudo iria acabar? Nesse devaneio quase que inconsciente ele caiu em um sono pesado, mas inquieto e dormiu durante muito tempo até o dia clarear. Acordou e pensou: Logo Francine chegaria e ele tinha cumprido a promessa de não beber até que ela chegasse.
A campainha soou, ele abriu a porta, era Francine.
— Bom-dia! Como passou a noite, tudo bem?
— Excelente, resisti e não bebi uma única gota de álcool, mas tenho grandes novidades.
— Conta que eu estou curiosa.
— Fui ao cassino e quem estava lá? A dama de vermelho, que novamente me indicou em que número jogar.
— E quanto ganhou?
— Aqui está a carta de crédito.
— Poxa! Cento e oitenta e sete mil reais, e agora o que vamos fazer?
— Isto é só um papel e tem valor somente na casa de jogos.
Recebi ainda mais setenta e cinco mil e oitocentos reais em espécie. Tenho que estudar um meio de transformar isso em dinheiro vivo-apontando para a nota de crédito.
— Me parece que teremos de jogar no cassino novamente, perder, ou ganhar, mas trocar fichas por dinheiro — disse Francine.
— Nesta noite tive um novo surto psicológico recorrente, foi impressionante. Via a mulher se afogar no oceano, um homem abater um casal a pauladas. Vamos retornar a biblioteca municipal e examinar os jornais da época em que a mulher se afogou, quero maiores detalhes do ocorrido.
— Podemos ir após o café, vou prepará-lo e depois vamos.
Eles chegam à biblioteca e passaram a examinar os jornais posteriores ao que havia noticiado a morte por afogamento.
A manchete dizia:
Identificada a vítima de afogamento na praia de capão da Canoa. Trata-se de Melissa Salzano, filha do influente empresário do ramo metalúrgico Rodrigo Salzano...
Na reportagem dizia que havia suspeitas de suicídio, dada as condições do tempo, inverno e dos trajes que vestia...
Noutra edição trazia a foto da vítima de afogamento. Na foto uma mulher com uma mecha de cabelos brancos quase que no centro da cabeça.
— É está, é esta a mulher que me orienta nas jogadas no cassino — disse o Caiçara, em um sussurro para que ninguém ouvisse salvo Francine.
Tiraram uma cópia da pagina e deixaram a biblioteca.
— Acho tudo muito confuso para o meu entendimento. Mas de tudo o que pude observar, até agora, você é alcoólatra e tem visões fantasmagóricas, que muito bem pode ser por efeito do álcool em seu cérebro, ou não. Por isso eu sugiro que nos procuremos o AA. Já busquei o endereço e hoje haverá reunião, o que achas podemos ir?
— Não sei tenho dúvidas quanto a me expor, revelar o meu problema.
— Não vai falar no primeiro dias, somente falará quando estiver pronto para falar e reconhecer que é um dependente de álcool.
— Então vamos, mas somente farei isso por você Francine.
— Não você fará isso por você mesmo, você merece se livrar desse vício.
Retornaram ao apartamento 507, ele meditabundo encostado na poltrona, pensava: Estarei ficando louco definitivamente, ou será um subproduto do álcool? E Francine o que espera de mim? Um homem cheio de problemas, e não é por dinheiro, pois apareceu antes de eu haver ganhado todo este dinheiro, veio por pura gratidão, não posso decepcioná-la.
O chofer gordo estacionou o carro junto ao meio fio, e sem tirar o cigarro da boca abriu a porta do táxi.
O passageiro adentrou e exibindo uma credencial de policial, disse:
— Sou inspetor Rodrigues da polícia de Rio Grande e quero que o senhor me leve neste endereço — alcançando uma pequena folha de papel.
O motorista pegou a folha e leu o endereço e disse:
— Edifício Leblom! Sei onde é, estará lá em alguns minutos.
O interfone toca:
— Sim!
— Sou da polícia e desejo falar com o Senhor Marsal Medina.
— Será que o cassino foi descoberto e tão a minha procura, como jogador?
— O que deseja? Senhor policial.
— É sobre seus pais biológicos, eu sou inspetor na cidade de Rio Grande, e desejo falar com o senhor.
Ele abriu o porteiro eletrônico.
O homem de sobretudo elegante e rosto branco de olhos esbugalhados entrou de repente.
— Bom-dia! Sou o inspetor Rodrigues, mais conhecido por Rodrigão. É o senhor Marsal Medina?
— Sim, sim, entre, por favor — franqueando-lhe a porta — em que lhe posso ser útil?
Há algum tempo atrás, enviei-lhe uma carta, pedindo que me telefonasse, como o senhor não me telefonou, resolvi procurá-lo.
— Se o estou procurando, é que no cartório o senhor está registrado como sendo filho de um casal que foi assassinado junto com a filha. O casal, a que me refiro, morava em uma vila na cidade de Rio Grande...
O inspetor deu detalhes sobre os assassinatos e finalmente perguntou:
— O que o senhor sabe a respeito?
— O quanto sei, fui adotado pelos meus tios e padrinhos e fui morar em Porto Alegre, a vinte anos meus pais adotivos morreram em um desastre de carro, como não mantinha contato com meus pais biológicos, pois nem sabia que tinha uma irmã, não tomei conhecimento dos fatos que o senhor se referiu.
— O que o senhor sabe sobre a sua adoção?
— O que fiquei sabendo por ouvir o meu pai adotivo falar foi que eu tinha algum distúrbio mental e por isso fui levado a Porto Alegre para ser tratado adequadamente.
— Que tipo de distúrbios o senhor tinha quando pequeno?
— Não só quando pequeno, eu os tenho até hoje. Eu sofro de alucinações, vejo coisas que aconteceram ou que irão acontecer.
Nisso, Francine entra na sala, os dois homens se levantam. Marsal referindo-se com um gesto a Francine disse:
— Há! Deixe-me apresentar a senhorita Francine, uma miga de grande valor neste momento.
Rodrigão fez uma mesura e pegou a mão de Francine e a beijou delicadamente.
— Encantado senhorita.
— Aceitam um café, está quase pronto.
— Aceitamos- disse Marsal — mas sente-se inspetor.
— O senhor estava dizendo que vê coisas... Fale mais a respeito.
— Claro que o senhor não irá acreditar, mas eu vi os assassinatos, como o senhor os descreveu.
— O senhor tem razão e difícil acreditar no que está dizendo.
Logo Francine veio com o café.
O inspetor esvaziou a xícara de café, tocou a ponta do bigode com o dedo e disse:
— Sou todo ouvidos.
Marsal e Francine, contaram o caso da afogada, omitindo os dois aparecimentos no cassino clandestino, afinal se tratava de um policial e ao final o inspetor disse:
— Na sua visão, ou seja, lá o que for o senhor poderia identificar o assassino?
— Normalmente as imagens, são misturadas, nunca sei se estou acordado ou dormindo, no caso específico da chacina de meus pais eu vejo um homem desfechar pauladas e as vítimas se defenderem com os braços.
— Este é um detalhe que eu não lhe disse, mas foi exatamente assim que tudo aconteceu. Diga-me, como é que isso acontece, digo as visões?
— Às vezes quando estou conciliando o sono, e nesse caso, não sei se estou acordado ou dormindo, outras vezes, como aconteceu com o acidente dos meus pais adotivos, parecia um relance, algo indescritível, e a visão se estabelecia como eu estivesse assistindo um filme. Os detalhes eram impressionantes.
— Sim, sim, mas o que o senhor pode ver nos assassinatos do sítio, como você vê o assassino?
— Eu sempre vi o assassino, mas nesse momento não o poderia descrever.
— Há alguma forma do senhor provocar estas visões e buscar o reconhecimento do autor da chacina?
— Não, nunca tentei provocar uma visão, não sei se isso é possível. Creio que não o poderei ajudar.
— É uma pena, pois um homem está sendo acusado, sabe como é um andarilho, sem eira nem beira, que apareceu na cidade, justo quando ocorreram os crimes. Acho que ele não é o bandido, mas, uma medalhinha encontrada com ele pertencia a uma das vítimas. O silêncio sepulcral se instalou no ambiente. O Caiçara colocou a mão no queixo e ficou meditando. O inspetor cofiava o bigode e pensava:
— Tenho de convencer esse homem a me ajudar, deve haver uma forma de convencê-lo, ao menos a tentar ter uma nova alucinação com os crimes e descrever o assassino.
O caiçara por sua vez pensava:
— Se eu pudesse ajudá-lo, se eu conseguisse ver nitidamente o autor dos bárbaros crimes.
Quebrando o silêncio, o inspetor falou:
— Quando ocorrem essas visões, o que é que o senhor está pensando?
Ele tirou seu lenço e enxugou as gotas de suor de sua testa e disse:
— Sabe que não sei, elas aparecem como que sendo um clarão de luz — agitação, fluxo, não sei como designar, não consigo encontrar nenhuma palavra para descrevê-lo satisfatoriamente — afastando da testa seus cabelos escuros e esfregando as mãos pelas têmporas, num gesto de preocupação.
— parece que tudo está acontecendo e que eu sou um espectador assistindo um filme no cinema.
Rodrigão não conseguiu deixar de soltar uma interrogação.
— O senhor disse que teve tais visões, quando caminhava na praia, tendo visto a mulher entrar no oceano, como havia feito na realidade há algum tempo atrás. O que me leva a inferir que somente isso aconteceu porque o senhor estava no mesmo local onde os fatos haviam acontecido.
— Nisso o senhor tem toda a razão, eu não havia pensado nisso.
— Então se formos ao local onde houve a chacina, quem sabe se o senhor não vê com mais clareza tudo o que aconteceu.
Ainda não tomara nenhuma decisão a respeito, mas refletir sobre o problema era algo inesperado para ele. Sentia uma profunda inquietação com essa possibilidade.
— É possível, mas, porém, em outra oportunidade, pois no momento estou passando por algumas dificuldades.
— Sim, já percebi o senhor é alcoólatra e está tentando abandonar o vício.
— É tão visível assim o meu estado?
— Sua aparência o denúncia como sou um policial experiente, tais fatos não me passam despercebidos. Se for falta de dinheiro, eu lhe garanto que o estado pagará todas as despesas de sua ida ao local.
Nisso Francine que apenas ouvia se manifestou.
— Eu posso explicar! Nós pretendemos ir a algumas reuniões dos AA. E, no momento está muito difícil segurar a abstinência.
— Compreendo! Digamos que este foi o primeiro contato, certamente outros ocorrerão e quando o senhor se encontrar em condições eu posso providenciar o seu deslocamento.
— Não se preocupe com isso, eu faço questão de ir, em outro momento e será tudo por minha conta, afinal trata-se de meus pais e de minha irmã, tenho o maior interesse em poder ajudar a desvendar os crimes.
— Aqui tem o meu cartão onde pode encontrar todas as formas que posso ser contatado. A propósito pode me fornecer o seu telefone?
O caiçara pegou uma caderneta de anotações, arrancou uma pagina e escreveu o seu telefone e alcançou ao inspetor.
— Bem! Então estamos certos, quando o senhor estiver disponível, isto é, estiver melhor da sua doença me telefone para que eu possa esperá-lo — Passar bem.
O inspetor deixou o AP. O Caiçara e Francine ficaram meditabundos.
— É realmente impressionante este caso dos seus pais biológicos.
— E dizer que eu vi em pura visão sobrenatural, tudo o que lhes aconteceu. Sem ao menos saber que eles estavam vivos e que tinha uma irmã.
O CAIÇARA
CAPITULO VII
MELISSA SALZANO
ANO DE 2007-
Melissa, uma mulher com trinta e três anos, esbelta, estatura mediana, com um metro e sessenta a sete. Cabelos pretos mechado de branco na parte frontal. Seus olhos verdes pareciam duas esmeraldas que se destacavam sob sobrancelhas negras e espessas. Seus seios fartos concordavam com as curvas acentuadas do seu corpo. Sua tez, tranquila, esboçava um sorriso gracioso, rebordados por um conjunto de lábios carnudos.
Nascida em berço privilegiado, pois seu pai era um importante industrial do ramo metalúrgico. Na PUC colou grau de publicitária, aos vinte e cinco anos.
Viajara de Porto Alegre para capão da Canoa. Estava ansiosa para voltar a jogar no cassino clandestino da cidade, pois tentaria recuperar o antes perdido. Parou seu carro junto ao meio fio, eram exatamente, vinte e uma horas e trinta minutos, a casa abriria em função as vinte e duas horas.
Aproveitou o tempo para refazer a maquilagem no banheiro do bar que servia de fachada para a casa de jogos.
Logo a casa abriu, ela fora a primeira a chegar e dirigiu-se logo para a sala do proprietário.
— Boa-noite senhorita Melissa — disse-lhe o homem gordo que se encontrava atrás da escrivania.
— Também espero que hoje seja uma boa noite para mim e uma má para o senhor — respondeu sorrindo.
— Será com toda a certeza — respondeu o homem.
— Quero que avalize este cheque — estendendo-lhe a mão.
O homem o pegou, olhou, bateu com o dedo no cheque e disse:
— Cinquenta mil! Não prefere que seja um cheque de vinte mil?
— Não hoje eu quero tirar o atrasado, isto é quero recuperar o que perdi até aqui.
— A senhorita é quem sabe.
Pegou o cheque e o rubricou no canto. Alcançou-o dizendo:
— Seja feita a sua ordem. Esteja à vontade a casa é sua.
O crupiê Era um homem muito alto, muito pálido, de cabelo e barbas raspados e com uns olhos de um castanho muito desbotado.
Ela chegou de mansinho e esperou abrir a banca.
Alguns minutos de espera e tudo estava pronto para dar início as apostas.
O crupiê anunciou:
— Façam jogos senhores e senhoras.
Melissa começou a apostar e em menos de duas horas de apostas na roleta, havia perdido o valor do cheque que descontara no caixa e foi ter com o proprietário.
— Não acha que é o suficiente por uma noite senhorita Melissa?
— Não a sorte ira mudar consideravelmente, apenas quero que avalize mais este cheque, estendeu a mão com um cheque de cem mil reais.
— Não posso fazer isso — disse o proprietário.
— Não discuta, está com medo que eu quebre a banca?
— Será uma satisfação perder para a senhora dona Melissa.
Às quatro horas a casa estava se preparando para fechar, Melissa havia perdido mais de duzentos mil reais. Sai da casa, e começa a andar de um lado para o outro, devagar, mas impaciente, o queixo afundado no peito e as mãos cruzadas à frente, como estivesse rezando. De repente para e se dirige ao carro que perto estava estacionado, abre a porta e entra, recua o banco, e baixa o encosto e fica ali, pensando no que havia feito, pensava no seu pai e ficara de espírito acovardado e vazio, com olhar furtivo e expectante do leão que vê o domador levantar o chicote.
Permaneceu ali, de olhos fechados, remoendo seus pensamentos até ser vencida pelo cansaço e adormecer.
Despertou quando o sol já estava a pino, olhou para o lado e viu as ondas que quebrava na praia. Respirou fundo, virou a chave e saiu levantando areia com os pneus.
— Uma mulher que sempre teve de tudo, recebeu uma educação esmerada, pertencente a uma família tradicional. Perde uma vultosa quantia no jogo clandestino e agora quer que seu pai cubra seus cheques. Sem considerar que esta não é a primeira vez, que tenta dilapidar o nosso patrimônio — disse-lhe o pai com severidade.
Melissa ouviu tudo de cabeça baixa. Enquanto o pai continuava:
— Pai e mãe são os seres mais sem vergonha do planeta, relevam os filhos até quando não deveriam relevar, para o seu próprio bem. Que seja esta a última vez se houver uma próxima, aconselho-a a não vir falar comigo, resolva o problema você mesma, por favor, não me procure mais.
Ela chorou copiosamente e, no fundo, de sua alma prometeu em pensamentos que jamais se submeteria a tal humilhação.
O remorso a atormentava a cada dia que passava, travara uma luta sem igual, de um lado a compulsão pelo jogo, não podia passar um único dia sem que jogasse, jogos do bicho, bilhetes de loteria, aposta em carreiras de cavalos. Mas seu espírito lhe impulsionava a jogar na roleta, era o que mais lhe causava aquela emoção de apostar, seguida do anseio da espera do resultado, aquela adrenalina e que a subjugava e a leva a efetuar apostas cada vez maiores. Pelo outro lado o objetivo, isto é, penetrar nas camadas profundas do seu íntimo e reconstruir sua vida com elementos consistentes e permanentes. O desejo de parar definitivamente com as jogatinas. Já fizera inúmeras tentativas de abandonar o vício de jogar, mas sempre fora subjugada por ele. Seu cérebro constantemente a lembrava de como era bom fazer uma aposta, a expectativa do resultado da aposta, só em pensar ficava excitada, seu corpo se agitava, seu coração pulsava com maior intensidade. E, finalmente, a compulsão irresistível, largou tudo e se dirigiu até a praia, onde poderia jogar e terminar com aquele tormento.
Assim, ela mais uma vez, partira rumo à praia de Capão da Canoa, por certo seria a última vez, lembrava as palavras de seu pai, que nervoso lhe dizia:
— Não posso deixar que dilapide nosso patrimônio...
Eram vinte e três horas quando ela encostou o carro próximo do cassino clandestino.
Cruzou o bar que servia de fachada e adentrou no salão de jogos e dirigiu-se a sala do proprietário.
— Bom-dia Dona Melissa! — disse o homem gordo que sentado estava sobre a escrivania — veio validar um cheque?
— Adivinhou- estendendo-lhe a mão que portava um cheque.
— De cem mil? Não acha muito?
— Se não quiser, posso voltar para Porto.
Ele levanta ambas as mãos e lhe diz:
— Não seja por isso, eu só quero preveni-la que é muito dinheiro, para apostar em uma noite.
Eram quatro horas da manhã, quando Melissa adentra no escritório do proprietário. Seu semblante, não era o mesmo, parecia exausta e mergulhada em profunda melancolia.
— A senhora perdeu novamente dona Melissa? — perguntou o homem gordo.
— Sim, e venho lhe pedir que tranque os cheques, por uma semana, depois poderá apresentá-los ao banco.
— Claro, a senhora tem todo o meu crédito.
Ela saiu, exausta, derrotada, caminhava com o queixo cravado no peito, passou pelo seu carro que estava estacionado e continuou caminhando. Chega ao apartamento de cobertura, no oitavo andar do Edifício Explanada. Colocou a bolsa sobre a mesa de centro da grande sala de estar.
Abriu uma garrafa de vinho, e serviu um copo até o meio, aninhou o copo frio entre as palmas das mãos. Girou o vinho, pensativa, olhando para o remoinho como que hipnotizada.
Tomou um gole grande, depois involuntariamente um gole pequeno, sentindo to¬da a suavidade do vinho, saboreando as últimas gotas em seu co¬po. Ela parou de beber por um instante, baixando os olhos para o copo, o rosto franzido. Tornou a pegar a garrafa e levantou-a contra a luz, contemplando o líquido âmbar a faiscar. Não sabia exatamente o que fazer. Dirigiu-se imediatamente para uma poltrona no lado oposto da mesa, sentou desajeitada e começou a chorar.
Lembrara do que havia dito a seu pai no meio de uma discussão: “que o pensamento da morte lhe era desagradável” algo triste para uma jovem: O vício pelo jogo, causava-lhe grande tristeza devia tê-lo dominado, antes que arruinasse toda a sua vida. Mas ao contrário ele a tinha dominado.
Lembrou de sua meninice, do período de universidade, dos amigos que largara, pois, não a acompanhavam nas jogatinas desenfreadas. Os namorados que havia perdido, por se sentirem envergonhados dos seus gastos exagerados.
Mas, por mais que pensasse não conseguia lembrar o primeiro jogo que fizera, ou seja, como tudo começara, no entanto, isso não era importante, o fato é que era dominada pelo vício.
Envolvida por grande devaneio, foi caindo, caindo sobre o sofá e adormeceu. O copo deslizou de sua mão caindo sobre o tapete felpudo, que lhe amorteceu a queda.
Passava das onze horas, quando ela despertou, tomou uma ducha quente, colocou um abrigo de inverno, calçou os tênis, e se dirigiu para a praia. O vento forte de inverno a obrigou a colocar o capuz, caminhava pela praia, que naquele momento estava completamente deserta. Caminhando, seus pensamentos a levaram até o seu primeiro e único amor, tinha na época apenas dezessete anos, cursava o primeiro ano do curso de graduação. Ele era um engenheiro recém-formado que ingressara na indústria de seu pai.
Lembrava-se do dia em que falou a seu pai sobre o namoro:
— Pai! Estou apaixonada.
— É filha, que bom, quem é o felizardo?
— Ainda é segredo, estamos no momento só ficando, quando ficar mais sério eu lhe aviso.
— Mãe ele é o máximo, quer namorar comigo, será que o pai vai gostar dele?
— Ora minha filha, seu pai é um homem muito ocupado, não vai interferir no seu namoro, dês de que o rapaz seja do bem.
— Quero que a senhora o conheça antes do papai.
— Pode apresentá-lo a mim, quando quiser.
Ela o apresentara a sua tia, que a criara, desde pequenininha, pois sua mãe morrera no parto, e ela a chamava de mãe.
Ela lhe disse que gostara muito do rapaz, que lhe pareceu, um bom sujeito, digno de pertencer a sua família.
No entanto, ela estava receosa, Tinha a impressão de que ele só estava interessado em sexo; no entanto, passado algum tempo, mudou de ideia. Gostava de estar com ele, que parecia apreciar genuinamente sua companhia.
Um mês depois ela criou coragem e o apresentou ao pai.
— Pai! Este é o meu namorado.
O pai olhou-o de cima a baixo:
Um rapaz moreno, elegante, saído da adolescência, ostentando uma singular beleza de corpo e espírito.
Disse:
— Parece que eu já o conheço, mas não sei de onde.
O rapaz olhou-o atentamente.
Rodrigo Salzano, seu rosto era duro e cruel, mau, astucioso e vingativo, com uma boca sensual, nariz adunco e rubicundo, com a forma do bico de uma ave predadora. Seus olhos possuíam um brilho singular e uma expressão terrivelmente maligna.
Um homem, austero, dominador, não era outro senão o patão admirado por alguns e odiado por muitos.
— Pode ser! Eu trabalho como engenheiro em uma de suas metalúrgicas.
— Há sim, pode ser que eu o tenha visto por aí.
Logo veio um telefonema e eles ficaram mais de quinze minutos na frente de seu pai, enquanto ele telefonava.
Ao término ele se levantou e disse:
— Vocês vão me perdoar, mas eu tenho um compromisso inadiável e o telefonema gastou o tempo que eu tinha destinado a vocês — estendeu a mão para o rapaz e disse:
— Sei que você é um pé rapado, com toda certeza, quer dar o golpe do baú, seu vigarista — pensou, mas não disse, deveria, portanto, esperar até que o tempo lhe fornecesse uma oportunidade e algum evento inesperado, resignando disse: Apareça para conversarmos algum dia destes.
Saíram e ela logo lhe disse:
— Não faça caso ele é assim mesmo, muito ocupado, nunca teve tempo para mim. Primeiro os negócios, depois o resto. E eu sou o resto.
— Compreendo ser um homem de negócios como o seu pai deve ser muito complicado.
— Espero que quando casarmos, não fique assim.
— Certamente que não afinal eu sou um engenheiro e não um empresário.
Ele costumava a frequentar a casa, mas nunca encontrava o pai de Melissa, pois este sempre estava ocupado. Sua tia é quem lhes dava guarida e atenção.
— O senhor mandou me chamar?
— Olhou-o, colocou a mão tapando o telefone e disse:
— Sim, sim, sente-se e fique a vontade enquanto termino a ligação.
Falou mais de dez minutos e o rapaz ali esperando.
Sentaram-se lado a lado em um sofá cheio de papéis, e não foi difícil ver, pela expressão ansiosa de ambos, que era um assunto da mais relevante importância.
As mãos do rapaz, finas, de veias azuladas, comprimiam-se, dado o sistema nervoso ativado ao extremo.
— Bem, você é o namorado da Melissa, trabalha na minha empresa, é engenheiro mecânico. Estou fechando um negócio de máquinas, isso é quero importar algumas máquinas da Holanda. Quero que você as examine antes que eu feche o negócio. Nada mais natural que eu o escolhesse para viajar para a Europa. Como é? A aceita a incumbência?
— Claro senhor, será uma honra examinar as máquinas para o senhor.
— Você viajara até o Rio e lá no Galeão, pegará o voo direto para Amsterdam. Qualquer coisa mais que necessite é só falar com a minha secretaria, que já tem ordens para facilitar a sua viagem, como retirada de passaporte e cheques de viagem e etc.
As noites, que sucederam à viagem, vinham sendo preenchidas com pesadelos, e todas as manhãs ele despertava com uma sensação de ameaça iminente.
— Melissa! Seu pai me deu uma oportunidade para ir à Europa, mais precisamente para a Holanda, devo examinar algumas maquinas que a empresa esta adquirindo, mas estou sentindo uma estranha sensação de que algo de errado possa acontecer. Talvez pela minha inexperiência em viagens para o exterior, afinal será a primeira.
— Isso é natural, eu já fui a Europa, claro que não fui à Holanda e sim a França, Paris, mas foi uma viagem com papai e mamãe e eu tinha quinze anos. Foi uma viagem comemorativa dos meus quinze anos, aproveitamos e fomos conhecer Veneza na Itália e Madri na Espanha.
— Talvez tudo isso seja fruto da minha imaginação e medo do desconhecido.
— Tenho uma ideia, vamos nós dois assim nos amparamos mutuamente. O que acha?
— Sou terminantemente contradisse seu pai com severidade. Se fossem noivos, mas são apenas namorados.
— Se é isso que o preocupa. Noivamos antes da viagem.
— Não, não quero que Vaz, ele vai a negócio, não é uma viagem recreativa. Noutra oportunidade poderão ir a passeio, agora não, e está encerrado o assunto.
— Bom dia pai! — disse Melissa ao entrar na sala de trabalho de seu pai.
— Bom dia minha filha, Posso lhe adiantar que até agora não temos a mínima notícia de teu namorado. Mas não se preocupe que eu tenho alguns contatos em Amsterdam que o estão procurando. É só uma questão de tempo, além do mais ele tinha o endereço das empresas, telefone, inclusive o telefone do nosso cônsul em Amsterdam. Qualquer embaraço bastaria nos telefonar, poderia fazê-lo a cobrar.
— Ele tinha pressentimentos de que alguma coisa poderia dar errada.
— Não se preocupe, afinal, ele é um engenheiro, deve saber o que faz.
Os dias foram passando e as notícias não chegavam, Parecia que o rapaz tinha simplesmente sumido da face da terra.
Melissa desesperada ficou reclusa em seu quarto, o que evoluiu para uma depressão gravíssima.
Passou um ano de reclusão, até que um dia, levantou, vestiu-se adequadamente e foi ter com o seu pai:
— Pai! Sei que o senhor foi o culpado do desaparecimento do meu namorado.
— Não diga isso Melissa, o rapaz se perdeu, sei lá onde se meteu. Eu envidei todos os meus esforços para encontrá-lo, tudo foi em vão.
— Não importa, ressuscitei dos mortos, aqui está uma nova Melissa.
— O que quer dizer com isso?
— Nada de mais, vou concluir a minha graduação e tocar a vida como ela é.
— Faça isso minha filha, eu aprovo a sua resolução, e pode contar comigo. E tire da cabeça essa ideia de que eu fui responsável pelo sumiço do seu namorado.
— A propósito quero um cartão de crédito ilimitado.
— Fale com minha secretária que ela irá providenciar em tudo que você quiser.
Passou a estudar muito, mas nos finais de semana passou a se divertir, gastando grandes quantias em festas. Foi numa festa que ela conheceu Fortunato, um rapaz elegante e bem disposto, fizeram amizade e passaram a fazer programas juntos.
Certo dia ele a convidou para irem ao jóquei clube de Porto Alegre. Lá ele apostava nas corridas e a ensinou a técnica de apostar em cavalos. Ganhar ou perder para Melissa não importava, apenas sentia em cada aposta uma sensação de risco e expectativa, que a levavam ao êxtase. Ele sistematicamente a convidava a frequentar casas de jogos, até que certo dia a levou a conhecer um cassino clandestino que funcionava na Praia de Capão da Canoa.
— Ao chegarem à casa de jogos, ele foi levada a sala do proprietário, um homem gordo que a cumprimentou e colocou a casa a sua disposição. Jogaram na roleta e no final da função ele contabilizava uma pequena perda, a qual nem poderia ser considerada, dada a satisfação que lhe dera as apostas e a expectativa dos resultados.
Fortunato a acompanhou por mais uma vez e ela nunca mais o viu, desapareceu como por encanto. Mas Melissa continuou a jogar, já havia aprendido o caminho e estava algemada ao vício de jogar, não mais poderia resistir à compulsão pelo jogo.
O vento cortava a pele, mas parecia que ela não sentia o vento que a açoitava, caminhava ao longo da praia, saltitando os córregos que sulcavam a areia úmida. De repente ela faz um
giro de noventa grau e se dirige ao oceano que arrebentava na praia sua grande ondas. Ao entrar na água uma vaga de dois metros a derruba e a sepulta no fundo do oceano.
O CAIÇARA
CAPITULO VIII
ERIONETO.
EM AMSTERDAN dois anos depois.
Um homem, sentado no meio fio, esfrega uma mão na outra, para aquecê-las do frio intenso. Com uma expressão lúgubre, traz no rosto uma fisionomia que retrata a desesperança. Com longos cabelos e barba que lhe roça no peito. Vestindo um, sobretudo, marrom, velho, sujo, na gola e nas mangas, calças de brim azul, camisa escura, um suéter vermelho, botinas pretas (rotas), com espessas meias de lã, nos pés. E, na cabeça, um chapéu de couro, com tapa orelhas voltadas para baixo.
Levanta e começa a caminhar de um lado para outro e diz:
— Mais uma noite em Amsterdam, tudo calmo, nenhum transeunte! Mas, quem vai sair com um frio deste? Só o grande Erioneto.
Parece que foi ontem! No entanto, já vão dois anos, que aqui cheguei. Só não morri de fome, porque comi restos de comida retirados dos contentores de lixo.
Hoje me deu uma tristeza tão grande, que até chorei, lembrando-se da minha terra. Lá o sol, brilha quase que todos os dias. Quando é frio, não baixa dos 10 graus centígrados, qualquer roupa nos aquece. Que terra maravilhosa só nos apercebeu disso quando estamos longe, sofrendo um frio intenso, passando dias e dias sem ver o sol.
Lá eu era feliz e não sabia. Era respeitado e tinha uma posição social invejável. Era engenheiro de uma grande indústria. (aumentado o tom da voz) Sim, engenheiro mecânico, foi isso que me trouxe até aqui. Vim importar máquinas.
A se eu soubesse, teria aprendido a falar inglês antes de viajar. Com certeza estaria salvo, dessa penúria em que me encontro.
Dirigindo-se ao único transeunte, levou um tempo para conseguir falar, balançando o corpo e puxando a barba, como alguém que tivesse alcançado o limiar de suas forças e estivesse tendo um surto de angústia e aflição, disse:
— Você está me vendo? Não, não está! Eu sou invisível aos olhos de todos. Minha voz não é ouvida, meu sofrimento não é percebido, todos me desconhecem. Como cheguei aqui? E, por que, estou neste estado deplorável?
Apontando para o homem que havia parado para ouvi-lo e diz:
— Você esta me vendo? (aumentado o tom da voz) Se eu quiser falar com o senhor, quando estiver passando nesta rua. Sendo o senhor um cidadão Holandês, e eu falando-lhe em uma língua, completamente desconhecida, (baixando o tom da voz) você certamente não me daria ouvidos. (Aumenta o tom da voz) Daria? — Não, não, não! (Baixando o tom da voz). Isso já me aconteceu milhares de vezes.
O homem sacode a cabeça e se afasta deixando-o falar sozinho.
Ele baixa a cabeça, coloca ambas as mãos cobrindo o rosto, chora, chora. Alguns instantes de choro e soluços levanta a cabeça e diz:
— Quando aqui cheguei era um jovem, finamente vestido, com barba escanhoada, cabelos bem aparados, cobria-me com um, sobretudo preto novo, calças de pura lã, Um suéter de gola longa, botas forradas com pele de cordeiro, bem lustradas. Na cabeça um chapéu de couro, com tapa orelhas voltadas para cima. Estava eu parado na frente de um prédio antigo, mas bem conservado. Diversas pessoas transitavam pelo local, gente que ia, gente que vinha.
Na porta do prostíbulo, um homem, anunciava em Inglês, Espanhol, Holandês e Turco, sei lá que língua falava, apontava para a vitrine, onde se via uma meretriz, quase nua, vestida apenas com um lingerie preta e uma estola de pele artificial.
Eu estava ali admirado, nunca tinha visto algo parecido, quando três homens me cercaram, falavam, provavelmente, em.
turco. Logo senti uma batida na cabeça e tudo ficou preto. Quando acordei, cambaleei tonto. Os três homens não estavam mais, haviam me deixado sem norte. Coloquei a mão nos bolsos e vi que tinha sido roubado, não tinha mais minha carteira com o dinheiro, cheques de viagem, documentos de identidade e passaporte, tudo tinha sumido. Gritei por socorro, gritei desesperado, dizendo que tinha sido roubado. Mais desesperado ainda fiquei quando notei que haviam substituído as minhas roupas, eu estava vestido com mendigo, roupas sujas e velhas.
Corri até o anunciador e lhe falei que fora roubado, ele simplesmente me disse:
— “No comprendo”
O que faria Erioneto sem dinheiro, sem documentos e sem falar a língua local?
Vestindo andrajos, sujos e rasgados, nos pés um par de botinas surradas, estava abrigado com um casacão imundo e malcheiroso. Parecia um mendigo. Andei, andei, tentei falar com as pessoas, ninguém que me dava ouvidos, talvez por estar vestido como um mendigo, ou por não entenderem a língua que falava. Quando meu sistema nervoso se acalmou, pude avaliar a situação em que me encontrava. E lembrei que podia ligar a cobrar para a empresa onde trabalhava. Procurei um telefone público e liguei a cobrar. Quando disse meu nome o telefone foi transferido para a sala da presidência. Finalmente achei que estava salvo.
— Alo senhor Rodrigo! Aqui é Erioneto, falando de Hamsterdam da Holanda. Eu tive um contratempo, isto é fui assaltado e levaram meu dinheiro e meus documentos.
Do outro lado:
É! E, que tenho com isso? você se deixou enganar por qualquer um que lhe atravessasse o caminho, como eu previa você é um inútil, é teve a intenção de casar com a minha filha.
— Mas senhor eu...
Do outro lado, apenas gargalhadas e o telefone foi desligado.
Liguei mais umas vez e quando disse:
— Aqui fala Erioneto, falando de Amsterdam na Holanda, o telefone era desligado. Fez inúmeras tentativas, por diversos dias, sempre o telefone foi desligado.
— Esse canalha! — disse ofegante. — Esse canalha maldito, sujo, repugnante! Esse...
Assim, Erioneto passou os últimos dois anos. Nos últimos seis meses, refugiara-se em um prédio abandonado, quase em ruínas, o que é muito comum na Holanda, ter-se prédios novos ao lado de prédios antigos e desativados, muitas vezes, calçados com paus para não ruírem.
Certo dia, ele estava à procura de comida nas lixeiras, quando viu uma jovem, que ao passar por ele, não se afastou, para não lhe sentir o mau cheiro, ao contrário procurou passar bem perto e o olhou atentamente e pensou: — Parece simpático e é muito atraente, mas a verdade é que e um verdadeiro desconhecido. Demasiado perigoso. Mesmo muito perigoso.
Ele parou a coleta e a olhou detidamente, pode ver uma Jovem, a primeira vista não devia ter mais do que dezoito anos, de cabelos loiros e olhos singulares, azuis-claros — olhos de criança. Já passara da primeira adolescência, mas não podia ainda dizer-se que se tratava de uma mulher feita.
Seu talhe tendia a corpulência e seu porte era orgulhoso e inflexível. O rosto rosado e confiante. Era um rosto estranho, bonito, mas enigmático, ora parecia angelical, ora soberbo, com um que sutil e angelical, na boca pequena, reta e firme no queixo arredondado. Estava envolvida numa espécie de casacão espesso, cumprido e solto. O Negro contrastava com seus cabelos louros, quase brancos, com uma gola que cobria completamente o pescoço. O volume no peito destacava os avantajados seios, dando sexualidade a sua imagem. Ele a acompanhou com os olhos, até vê-la entrar na casa, onde todos os dias, pela manhã, havia no lixo, uma garrafa com café com leite e um pedaço de pão rechiado. A dita casa ficava à frente do prédio em que se abrigava. Ele passou a observá-la diariamente, devia ser estudante, pois saia todos os dias pela manhã carregando uma pasta e retornava ao cair da noite.
Na residência dos Van den Bergen:
— Bom-dia a todos — disse Madge à seus pais que se encontravam já a mesa de dejejum. Sentou a mesa, serviu-se de café e pegou um pedaço de pão passou manteiga e antes de morder disse:
— Vocês já viram o nosso vizinho?
— Você quer dizer aquele para quem você prepara diariamente o dejejum. — disse sua mãe.
— Hoje eu pude vê-lo detidamente, me parece que não é um homem velho, também não me pareceu um louco, como todo o mundo pensa que ele é que fala coisas incompreensíveis e cantarola música estranha.
— Fique longe dele, pode ser que o povo tenha razão e ele seja um doido — disse seu pai em tom enérgico.
O dia amanheceu. Os transeuntes começavam a circular pelas ruas, dirigindo-se aos seus afazeres. Erioneto, no meio das pessoas, se aproximou de um cesto de lixo, que esta na frente da casa, que ficava defronte ao seu reduto. Abre o latão, e, tira de seu interior um embrulho e uma garrafa descartável cheia de café com leite. Senta-se no meio fio, desembrulha o pacote, aparece um pão recheado, com mortadela e queijo. Destampa a garrafa e entorna o café e come o pão. Olha para uma moça que sai pelo portão da casa. A moça o olha antes de seguir o seu caminho. Erioneto lhe acena com a mão que segura o pão e faz uma mesura, em agradecimento.
Erioneto, após haver tomado o café, levanta cantarolando.
— “Minha vida era um palco iluminado, eu vivia vestido de dourado...
Seus pensamentos voam e ele lembra em pura abstração, para de cantarolar e começa a falar:
— Alo! Sim, é Erioneto falando, perfeitamente, já estou indo. Sim, senhor, mas eu nunca viajei para o exterior, não, não falo inglês, muito menos holandês. Perfeitamente sei o que devo fazer, conheço as máquinas. Acho que uns oito dias será o suficiente. Sim, posso retirar o passaporte e viajar imediatamente após obtê-lo. Há! Que maravilhosa viagem, como eu estava feliz. Viajar para a Holanda, nunca esperei que isso acontecesse na minha vida. Como estava feliz.
As lágrimas brotam de seus olhos e escorrem pela face.
Eu amava Melissa, tinha os mais respeitáveis sonhos junto a ela. Queria construir uma família, termos filhos e vivermos a vida mansa e pacificamente. Custei a conceber a ideia de que tudo o que me acontecera fora orquestrada por seu pai, que cinicamente, concordara com o nosso namoro. E aqui estou, como um miserável, sofrendo como um cão abandonado.
Chorando ele adentra na única porta da velha casa.
Uma caminhoneta furgão, que em seu costado estava impressa na língua holandesa os seguintes dizeres: AREA DA SAÚDE PÚBLICA, SEVIÇO DE ATENDIMENTO AOS DESASISTIDOS.
Dela descem uma mulher e um homem, vestidos de branco, sendo eles paramédicos.
Batem à porta com entusiasmo, logo a empurram até abrir, pois, ela roçava no solo, dificultando sua abertura.
Os dois vão encontrar Erioneto, que sentado estava sobre um caixote. Ao vê-los, levantou e ficou na expectativa, eles lhe falaram em holandês, inglês, e ele somente, deu de ombros, como querendo dizer que não entendia nada.
O homem lhe disse:
— Somos da equipe de saúde do reino e queremos levá-lo para fazer alguns exames médicos e aplicar-lhe algumas vacinas — em continente, pegaram-no pelo braço e o conduziram até a caminhoneta e partiram.
Dois dias depois, após haverem concluído os objetivos da missão, Erioneto é deixado no mesmo local. Suas vestes são as mesmas, mas estão higienizadas. Seus cabelos estão cortados e sua barba raspada.
Madge Van den Bergen, ao passar pela rua vê aquele, homem, jovem e belo, vestido com as roupas de seu protegido e chega até ele e lhe diz em holandês:
— O que foi feito do dono das roupas?
Erioneto não entende nada do que está dizendo, apenas diz, apontando para o peito:
— Eu, Erioneto, brasileiro e passa a repetir a mesma frase.
Madge lhe responde: — Brasileiro... Entendi. Brasileiro...
No dia seguinte Madge, ao vir da escola, se faz acompanhar de um homem, de meia idade, ele o levou a adentram no reduto onde Erioneto vivia com tranquilidade; na verdade, tranquilidade não era a palavra adequada a qualificá-la — solidão era o único termo que convinha a seu isolamento. E, lá está ele sentado a conversar consigo mesmo.
O homem, falando em português de Portugal, lhe diz:
— Sou português e falo a sua língua.
Erioneto o abraçou e chorou copiosamente. Passado alguns minutos, disse-lhe amavelmente o quanto apreciava seu interesse por ele e acrescentou: Senhora! Na verdade, a senhora não precisa preocupar-se comigo!
O homem traduziu o que ele lhe havia dito, ele respondeu, para o tradutor:
— Diga-lhe que eu quero ajudá-lo a encontrar o seu caminho, a mudar de vida, se possível for.
Erioneto contou-lhe toda a sua história.
Madge, que tudo ouvia sem entender, recebeu a tradução de tudo o que Erioneto falava.
Na casa dos Van den Bergen:
— Pai, mãe! Descobri quem é o nosso vizinho.
Seu pai com extrema severidade que diz:
— Eu já lhe avisei que não devia se meter com esse mendigo.
— Ai é que o senhor se engana, ele não é um mendigo, é Brasileiro e é engenheiro mecânico, que veio até nossa terra importar máquinas, foi roubado e teve de sobreviver como mendigo por mais de dois anos.
— Se é assim, mande-o entrar, que será bem recebido entre nós.
O Van den Bergen, deram-lhe toda a ajuda que necessitava como roupas enxoval completo, refeições adequadas e um bom quarto para dormir.
À noite lhe foi destinada uma suíte, com banheira e água quente. Ele tomou um demorado banho de imersão, e deitou na cama limpa e cheirosa, algo que não fazia há mais de dois anos. Caiu em um sono pesado, mas inquieto e dormiu durante muito tempo; e, quando a Sra. Dempster, a governanta da casa o despertou-o na manhã já bem avançada, pareceu pouco à vontade e por alguns minutos não pareciam perceber exatamente onde estava. Estava pálido, suando apesar da temperatura fria, e com um olhar tão estranho, tão esquisito. Pareceu que tinha bebido ou que chorara.
Ela o interrogou em holandês, porém ele não lhe deu resposta alguma, apenas sacudiu os ombros, como a dizer que não entendera nada do que falara a governanta.
O dia estava mais frio do que se poderia esperar em outubro, inicio de outono na Holanda, um vento forte soprava e sua força aumentava com tal rapidez que se podia prever com certeza uma tempestade durante o dia.
Os primeiros dias como hóspede dos Van den Bergen, pareciam incríveis, todos naquela casa tinham deveres e obrigações a cumprir, ele não deveria ser diferente:
Passou a receber aulas da língua local e de inglês. Seus documentos foram providenciados junto ao consulado holandês.
no Brasil. E passou a trabalhar na empresa da família Van den Bergen.
Aos 18 anos, a promessa da beleza inicial de Madge estava mais do que cumprida. Transformara-se numa mulher belíssima. Tinha feições finas e delicadas, olhos de um azul violeta e cabelos macios de um louro quase branco. A pele era fresca e dourada como se tivesse sido embebida em mel. Tinha uma figura impar, com seios fartos e firmes, e uma cintura fina e pernas compridas e bem torneadas. A voz era bem timbrada, doce e macia. Havia uma sensualidade forte e ardente em Madge, mas essa não era a sua melhor. A sua magia residia na sensualidade, parecia haver uma ilha de inocência intocada, e o resultado era irresistível.
Ele a olhava, de quando em vez, durante o café da manhã, ou no jantar a noite. Mas sempre manteve uma distância regulamentar, que convinha a sua condição de agregado da família. Ele e ela sentiam da grande atração um pelo outro.
Passado mais de três anos na nova vida, ele já falando corretamente a língua local e a língua inglesa, ela com quase vinte e dois anos, passaram a encontrar-se para passear pela grande Amsterdam, uma cidade linda. Para cada lugar que eles olhavam, viam prédios bonitos: os típicos holandeses com fachada estreita, muitas janelas e diferentes cores; e os prédios grandes e históricos, com design meio medieval. Além dos prédios, podiam ver os canais, que são mais de cem a cortarem a cidade. Tudo aquilo estava lá o tempo todos, mas ele apenas podia apreciar a beleza e a harmonia dos lugares, agora que estava com seu espírito leve e seu corpo livre da condição de mendigo errante.
Ele fez questão de retornar, ao local onde foi desapropriado de seus pertences, a zona da “Luz Vermelha”, outra atração que só existe em Amsterdam. Um bairro de prostituição que virou ponto turístico. Como tudo na cidade é permitido, a zona é repleta de sex-shopping, que não hesitam em expor seus produtos na vitrine. Nos prédios, cada janela uma vitrine de mulheres. Elas fazem poses seminuas com trajes, digamos sugestivos, convidando os homens a entrarem no seu quarto. Eles podiam ver famílias que por ali andavam em passeio. Caminhando despreocupados percorreram a famosa zona, até chegar a uma curiosidade, era o museu do sexo. Uma escultura do órgão masculino na rua, assim como as formas do corpo feminino esculpidas no chão. Coisas que só podiam ser vistas em Amsterdam.
Quando fez oito anos que fora protegido pelos Van den Bergen, Erioneto recebeu autorização para namorar Madge, pois até então apenas se viam esporadicamente e como bons amigos.
— Sabe Madge, eu estou pretendendo voltar ao meu país, tenho algumas contas a ajustar, com certo senhor.
— Não estais bem entre nós, meu pai pode conseguir a cidadania holandesa para você. Não precisa te expor a confrontos desnecessários.
— Não ficarei em paz, enquanto não retornar a minha terra e resolver tudo.
— Tudo o quê? Por acaso não esqueceste Melissa Salzano? Ou queres te desforrar do pai dela?
— Não, Melissa é carta fora do baralho, eu quero enfrentar o pai dela.
— Com que propósito, isso te fará mais mal do que a ele próprio. Prometes que vais pensar no assunto antes de decidir?
— Prometo pensar e decidir depois.
Alguns dias se passaram e ele lhe dera sua resolução. Não iria ao Brasil, permaneceria na Holanda, que seria a sua terra para o resto de sua vida.
O CAIÇARA
CAPITULO IX
A REUNIÃO DOS Alcoólicos Anônimos.
Marsal Medina (o Caiçara) e Francine adentram no salão dos ALCÓOLICOS ANÔNIMOS, todos os participantes sentados formando uma circunferência. Procuraram duas cadeiras e sentaram um do lado do outro. Francine segurava a mão de Marsal, que parecia inseguro e amedrontado, como juncos verdes tangidos pelo vento. Seus olhos apavorados, como que pretendendo pular fora da cara.
Um homem de cabelos ralos, cabeça pequena, olhos profundos, quase escondidos por olheiras escuras. Seu porte esbelto, finamente trajado e com ar de quem sabe o que quer. Levantou e dirigindo-se aos participantes disse:
— Sou Alberto Cristiano Larsen, sou médico de profissão, mas mesmo sendo médico, sou alcoólatra e estou, neste momento, mestre de cerimônia desta reunião dos ALCÓOLICOS ANÔNIMOS.
Hoje temos mais um novo membro, o senhor Marsal Medina, a quem dou boas vindas.
Meus irmãos! O primeiro passo para o alcoólatra se recuperar é reconhecer sua condição de alcoólatra, ao ponto de afirmar com convicção “eu sou um alcoólatra” Se tiver este arrojo e discernimento, ele pode abrir a porta para um novo mundo, uma nova vida. É o começo da caminhada rumo a sua libertação. Porque a afirmação de que é alcoólatra nasce de uma simples resposta à pergunta “consigo beber controladamente?”.
Ser alcoólatra não é somente aquele indivíduo que perdeu tudo que tinha e vive e passa a viver sujo jogado à sarjeta, bêbado e sem dinheiro. O local pode ser também o tapete de uma mansão ou de uma casa, um consultório médico onde o alcoólatra não está na miséria, mas não consegue controlar a bebida. Porque a sarjeta é o estado físico, social e moral em que o homem se encontra.
O alcoólatra é uma criatura diferenciada, porque vai tendo seus órgãos, sua mente e seu convívio social debilitado. Sua deficiência orgânica o leva definitivamente a ser diferente dos outros, por não poder consumir álcool. Seu raciocínio é débil podendo chegar ao ponto de enfrentar, fantasmas que o passam atormentar, tremores que não permitem que ele, se quer, possa segurar uma xícara de chá. Fica submetido a situações constrangedoras quando se encontra sob efeito da bebida, que o levam a ser tratado de formas indesejáveis, até sob o tom de deboche ou escárnio.
Quero lembrar aos convidados de que as opiniões e interpretações que escutarem aqui são de responsabilidade única do orador que as apresentar. Todos os membros têm total liberdade de interpretar o programa de recuperação segundo seu próprio parecer, mas ninguém pode falar pelo Grupo ALCÓOLICOS ANÔNIMOS em sua totalidade.
Mas o que estamos fazendo aqui?
O melhor o que são os Alcoólicos Anônimos?
Nós somos uma Comunidade de homens e mulheres que perderam a capacidade de controlar a sua maneira de beber e que, devido a isso, se encontraram envolvidos em toda a espécie de problemas. Tentamos a maior parte de nós, com um razoável êxito, criar uma maneira satisfatória de viver sem álcool. Pois, precisamos da ajuda e apoio de outros alcoólicos em AA. Para isso criou-se os doze passos de Alcoólicos Anônimos.
Os doze passos de ALCÓOLICOS ANÔNIMOS consistem em um grupo de princípios, espirituais em sua natureza que, se praticados como um modo de vida podem expulsar a obsessão pela bebida e permitir que o sofredor se torne íntegro, feliz e útil. Não são teorias abstratas; são baseadas na experiência dos êxitos e fracassos dos primeiros membros de Alcoólicos Anônimos.
1 — Admitimos que éramos impotentes perante o álcool — que tínhamos perdido o domínio sobre nossas vidas.
2 — Viemos a acreditar que um poder superior a nós mesmos poderia devolver-nos à sanidade.
3 — Decidimos entregar nossa vontade e nossa vida aos cuidados de Deus, na forma em que o concebemos.
4 — Fizemos minucioso e destemido inventário moral de nós mesmos.
5 — Admitimos perante Deus, perante nós mesmos e perante outro ser humano, a natureza exata de nossas falhas.
6 — Prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses defeitos de caráter.
7 — Humildemente rogamos a Ele que nos livrasse de nossas imperfeições.
8 — Fizemos uma relação de todas as pessoas que tínhamos prejudicado e nos dispusemos a reparar os danos a elas causados.
9 — Fizemos reparações diretas dos danos causados a tais pessoas, sempre que possível, salvo quando fazê-las significasse prejudicá-las ou a outrem.
10 — Continuamos fazendo o inventário pessoal e, quando estávamos errados, nós o admitíamos prontamente.
11 — Procuramos através da prece e da meditação, melhorar nosso contato consciente com Deus, na forma em que o concebíamos, rogando apenas o conhecimento de sua vontade em relação a nós e forças para realizar essa vontade.
12 — Tendo experimentado um despertar espiritual, graças a estes passos, procuramos transmitir esta mensagem aos alcoólicos e praticar estes princípios em todas as nossas atividades.
— De imediato vamos ouvir o depoimento de um de nossos membros o senhor Arão Flores.
Nesse momento levantou-se um senhor, de mais ou menos cinquenta anos, tez morena clara, cabelos lisos penteados para traz, com um pouco de obesidade, que disse:
— Chamo-me Arão, Arão Flores e sou um alcoólatra, o melhor, sou um abusador do álcool. Explico:
Como abusador do álcool não sou necessariamente alcoólatra, ou seja, não sou dependente, não faço uso continuado. Bebo alternadamente, podendo passar dias, semanas e até meses sem beber. Mas quando bebo, não paro de beber e o álcool exerce em mim um efeito sórdido. Fico intolerável, brigo, faço coisas que jamais faria estando sóbrio, como; bater nos filhos e na minha mulher, por exemplo. E o pior que depois não recordo de nada do que fiz.
Certa feita estava em uma empresa, tinha ingressado havia seis meses, como um simples torneiro mecânico e fui promovido a chefe de equipe de manutenção. Poucos meses depois é chegado o final do ano e a empresa sempre nessa época promove uma festa para os funcionários. Estava eu na grande mesa onde sentava toda a chefia da empresa. Comecei a beber chope e finalmente acampei no entorno do barril, ao meu lado estava alguns subalternos meus, bebíamos juntos.
Na segunda feira, quando voltei à empresa para trabalhar, fui logo encaminhado ao setor de pessoal e fui demitido. Surpreso perguntei ao gerente de RH, o motivo da minha demissão e ele me disse:
— Inacreditável! O senhor tem o desplante de perguntar o porquê de sua demissão, ora, ora, dá-me paciência. Quer dizer que não sabe o que ocorreu na festa no sábado passado.
— Não sei não, o que aconteceu?
— O senhor simplesmente, vomitou na mesa dos diretores da empresa, por uma aposta que fez com seus subordinados, foi lá colocou o dedo na garganta e vomitou em cima da mesa, justamente onde estava o presidente da empresa. Os guardas o pegaram e o colocaram para fora da festa.
Depois desse vexame fiquei desempregado por sete meses. Finalmente consegui um novo emprego como mecânico de manutenção de um frigorífico. Tive de trabalhar duro, mostrei serviço e tive a oportunidade de passar a chefe de manutenção, de um dos turnos, quando o titular se aposentou. Foi na festa de primeiros de maio, dia do trabalho, uma grande festa para os empregados, a empresa distribuiu senhas para retirar latinhas de cerveja, três para cada funcionário. Como minha sede era maior que três latinhas, por isso, peguei as senhas dos que não queriam beber e tomei todas.
No dia seguinte fui demitido, por haver brigado com vários guardas, que tentaram me pegar quando eu batia numa moça do escritório que não queria me dar mais senhas para bebida.
Novamente desempregado, comecei a beber com mais frequência, até que um dia completamente bêbado, adentrei em casa e comecei a bater em minha mulher, mas havia errado de casa, pois as casas eram geminadas e tinha entrado na casa do vizinho e estava batendo na mulher dele, pensando que era a minha. Tomei a maior surra da minha vida, fui parar no hospital com grandes hematomas.
Depois desta feita, passei mais de ano sem colocar uma gota de álcool na boca, e fui convidado a fazer parte dos AA. E aqui estou, sou um alcoólatra convicto e estou há mais de cinco anos sem colocar uma gota de álcool na boca. Estou vivendo muito bem com minha família e estou empregado com torneiro mecânico.
O falante agradeceu e sentou.
O anunciador levantou e disse:
Ouviremos agora o depoimento de nosso partícipe a senhora Iolanda Barros, a quem passo a palavra:
Levantou-se uma mulher de trinta e tantos anos, esbelta, bem vestida, de traços aristocráticos e olhos castanhos, inteligentes e ansiosos. Provida de uma discreta elegância e atrativos surtis. Os cabelos escuros escorriam-lhe suavemente sobre os ombros.
— Sou Iolanda Barro e sou alcoólatra. Estou fazendo hoje, três anos, cinco meses e vinte e três dias, sem colocar uma única gota de álcool na boca.
Nasci de uma família tradicional de grandes posses, dinheiro farto e tempo de sobra, aos vinte e três anos estava totalmente dominada pelo vício do álcool. Fui internada por diversas vezes para desintoxicação, mas sempre tinha uma recaída e voltava ao vício.
Como em casa meus pais não deixavam entrar bebidas, tinha de beber na rua, chegando ao ponto de beber nos botequins no meio de outros bêbados. Por inúmeras vezes fui levada, por estranhos ou conhecidos, até a porta de minha casa completamente alcoolizada.
Fiquei grávida e não me lembrava com quantos homens havia tido relação, mas a gravidez não evoluiu, dado ao meu estado de fraqueza, pois não me alimentava direito, apenas queria beber e até que fui parar num hospital, onde os médicos me disseram que se eu não parasse de beber morreria dentro de seis meses. Passei por um processo de desintoxicação alcoólica e terminei nos AA, e a qui estou renovada, levando uma vida normal. Sou novamente respeitada e aceita pela sociedade como uma pessoa doente, de cuja doença está se recuperando.
Outros depoimentos foram dados e a reunião terminou.
Francine e Marsal deixam a reunião e começam a caminhar pelas ruas de Capão da Canoa. Ainda em sua mente parecia ouvir os depoimentos dos alcoólatras. Parecia que seu ânimo, se renovara e tinha convicção de que esse era o caminha a ser trilhado.
Chega o dia da próxima reunião, ele com uma vontade férrea, conseguira passar aqueles dois últimos dias em abstinência.
Após a abertura da sessão ele se levanta, respira profundamente e inicia sua fala:
— Sou Marsal Medina, formado em economia e sou um alcoólatra. Minha relação com o álcool iniciou eu tentando afogar imagens que apareciam, durante a noite e que não me deixavam descansar. Tinha sonhos aterradores e premunições espantosas de coisas horríveis que iriam acontecer, ou que já haviam acontecido. Tais anomalias iniciaram quando eu tinha tenra idade...
Quando tinha apenas nove anos:
— Pai! Eu vi o seu Pedro batendo na dona Julia.
— Deixa disso menino, os vizinhos moram há mais de dois quilômetros da nossa casa, como podes ter visto o vizinho bater na vizinha.
— Eu vi! Juro que vi.
— Deixa de dizer bobagem e inventar causos, vai brincar.
— Acho que temos problemas com nosso filho ele diz que tem visto coisas, acho que ele tem algum distúrbio mental.
— Deixa disso querido! Ele é um menino saudável, gosta de inventar estórias, apenas isso.
— Não vejo assim, parece que você não quer tomar conhecimento do que está ocorrendo. Ele diz coisas que são impossíveis dele saber. Por exemplo, que o vizinho tinha batido na vizinha, sabe que ele bateu mesmo.
Que o mascate tinha atolado a caminhoneta no riacho há um mês atrás, pois ele me disse hoje que atolara a caminhoneta. Como ele soube disso, justo no dia em que ele atolou há mais de cinco quilômetros daqui.
- Tá certo ele parece estranho, mas será uma doença? Ouvi falar que tumor na cabeça descontrola todo o cérebro.
— Reconsidere o meu pedido, vocês têm mais facilidades e mais recursos, são padrinhos do menino, nada mais natural que tomem conta dele.
— Mas Ramiro! Tenho de consultar minha mulher, além do mais, Anita pretende engravidar, através de uma nova técnica de fertilização in vitro, não sei se ela vai querer tal incumbência.
— Nos aqui não temos como tratá-lo, ele necessita de tratamento especializado. Ele sofre de transtornos da mente, conforme me disse o médico daqui. Ele nada pode fazer por ele.
— Mas o garoto tem nove anos, esta acostumado com vocês, nós ele viu poucas vezes, será difícil a adaptação.
— Você representa a única oportunidade que ele tem de se tratar adequadamente.
... fui morar com seus tios em Porto Alegre, para proceder no tratamento à saúde.
Meus pais continuaram no sítio no interior do município de Rio Grande.
Um médico especialista em transtornos da mente foi consultado. O diagnóstico foi de que eu sofria, possivelmente, de uma doença rara, que provoca alucinações. Medicamentos foram receitados e houve uma substancial melhora, não mais passei a ter visões as quais me atormentavam muito. Fui dado por curado e passei a não mais depender de remédios.
Passado os efeitos dos remédios, as visões voltaram. Eu passei a escondê-las de meus pais, não queria decepcioná-los.
Meus tios e pais adotivos, com mais posses do que meus pais biológicos, propiciaram que eu estudar e me formei em Ciências Contábeis aos vinte e cinco anos. Aos vinte e sete anos contrair matrimônio, com uma colega de faculdade e logo tivemos um filho. Por acordar a noite em sobressalto e com intensa sudorese, passei a dormir em quarto separado. À noite passei a ingerir um cálice de vodca para conseguir dormir e descansar. As doses foram aumentando até que fiquei dependente.
Estes fatos ele contou, parcialmente, pois muitas das partes ele não recordava ou não chegou a tomar conhecimento.
Ao termino de sua fala, ele foi aplaudido e cumprimentado por todos os AA. O que lhe encheu de orgulho e esperanças. Agora bastaria prosseguir com sua meta de passar sem beber um dia de cada vez.
O CAIÇARA
CAPÍTULO X
O ASSASSINO.
José Silveira chegou a estância dos Neihause a procura de emprego. Um jovem alto e magro, com o rosto formado por planos convergentes que lhe davam um ar severo e feroz.
Tinha um queixo saliente com uma cova no centro e profundos olhos verde-escuros. De pele morena clara, cabelos negros e escorridos. Usava uma camisa cinza para dentro da calça de brim azul. Botas de couro cru, de cano curto, feitas de encomenda. Seu aspecto parecia calmo, vivia a vida como se estivesse atrasado para um encontro. Estava em constante movimento, lutando em segredo contra antagonistas invisíveis. Tinha uma constituição robusta e vigorosa. Era um homem de uma ambição desmedida que sempre conseguia tudo o que queria alcançar. Revestira-se da aparência de um civilizado serviçal, mas, no íntimo, era um lutador inato, um homem que não esquecia nem perdoava.
Falou com o capataz fez testes de montaria e laço, aprovado passou a fazer parte da peonada.
Era voluntário para qualquer serviço de campo, na época de tosquia, ou nas marcações do gado, ele sempre fazia frente nas atividades.
Certo dia apareceu um anjo branco e esbelto que o deixou impressionado. Ao vela, repentinamente, seu espírito inundou-se de alegria, seu coração pulsou com vigor, sentiu todas as fibras do seu corpo vibrar como se tivesse tocado num vibrador mecânico, enquanto o vulto angélico se tornava espectro insignificante. Os louros cabelos esvoaçavam a cada passada do cavalo que montava. E, então, ele introduziu-a na mente para jamais esquecê-la.
Era a única filha do dono da estância. Notou que não lhe era indiferente, aos seus olhares, logo tratou de se aproximar sorrateiramente da moça, que na época tinha vinte e um anos. Começara o romance as escondidas da família da moça. Até que um dia seu Justino Neihause, o fragou fazendo a corte a sua filha. Clamou-o e lhe disse:
— Você não se enxerga, seu mísero pé rapado, você não é partido para a minha filha, se voltar a importuná-la eu o expulso da fazenda.
O rapaz apenas baixou a cabeça e nada disse.
Quando seu Neihause, falou à sua filha sobre o namoro, ela foi categórica e lhe disse:
— Pai! Sou maior, namoro e caso com quem quiser, se o senhor não consentir, parto onde ele for.
O pai que conhecia o gênio de sua filha, não duvidou e alguns dias depois aceitou, sob protesto, que ela namorasse José Silveira.
Porem antes, chamou-o e lhe disse:
— Eu sei você a está bobeando, só quer o nosso dinheiro, vou consentir que a namore e até mesmo que case com ela, no entanto, quero previní-lo que se não a fizer feliz, eu o expulso de minha casa.
Ele como de costume, ouviu tudo o que o patrão tinha a lhe dizer, de cabeça baixa. Monento em que pesava:
— Velho idiota, vai ter que me aceitar como genro e eu serei bonzinho até um certo dia.
Em uma grande festa de casamento na estância eles contrairam matrimonio.
Dona Helga Neihause Silveira acabara de completar cinquenta e dois anos. Era uma senhora formosíssima e virtuosa, que amava o marido e dedicava-se inteiramente a proporcionar-lhes uma existência feliz e venturosa. Em seu rosto de perfil nórdico, de rosada epiderme, destacavam-se belos olhos rasgados, de um azul-celeste. Moldurava-lhe a fronte abundante ca¬beleira de bela cor áurea, com grande quantidade de fios brancos, que, exposta aos raios do Sol, desprendia reflexos dourados.
O brilho do sol de uma manhã de inverno penetrava pela janela e iluminava a mesa onde o casal fazia o desjejum.
— Helga! Acho que deves ir visitar os teus parentes na Alemanha. Afinal tu nasceste no Brasil e nunca os vistes, e eles te escrevem seguidamente mandando noticias. — disse seu marido.
— Por que isso agora, eu somente tenho primos e primas na Alemanha, não carece visitá-los, assim, está muito bem, eles lá e eu cá.
— Foi só uma sugestão, afinal achei que terias interesse em conhecer os teus parentes na Alemanha, afinal temos muito dinheiro, não temos filhos para quem deixá-lo. Por isso achei que poderias querer ir visitar teus parentes na Alemanha.
O homem calou e serviu mais uma xícara de café, e posse a pensar:
— Este plano já nasceu morto, ela com toda a certeza não ira a Alemanha. Devo traçar uma nova estratégia. É isto! Por que não pensei nisso antes, posso fazer o mesmo que fiz com sua mãe. Ela não necessita ir à Alemanha — amassou o pedaço de pão que tinha na mão. Olhou para a mulher, deu um sorriso e disse:
— Querida, como você é econômica, não quer ir só para não gastar o dinheiro que temos.
Ela olhou para ele e deu um sorriso de canto de boca como costumava a fazer e disse:
— Como! Estarás tu, louco para insistires em tamanha estroinice?
O rosto do marido tingiu-se de escarlate.
Terminou o café em silêncio, e, ao término, mormurou com voz sussurrante:
— Bem vou até à vila, tenho de tratar de alguns negócios, depois passarei no sítio, que servia de pouso das tropeadas do teu pai. Quer que compre alguma coisa para a casa?
— Não, no momento não está faltando nada.
Apanhou o chapéu, e se dirigiu a porta de saída. Sua esposa o acompanhou até o alpendre e observou-o enquanto ele.
caminhava rumo à estrada; ao retornar à mesa do café da manhã, ela parecia divertir-se com a iniciativa do marido.
Logo fechou os olhos e ficou, como se estivesse, concentrada nalguma grata lembrança.
Recordava de sua meninice, quando na estância, morava com seu pai e sua mãe, vivia a correr pelos bosques e alamedas. Que estultice de seu pai não queria que namorasse o José, pois o achava ganancioso e astuto, que queria casar com ela apenas pelo dinheiro da família. Como ele estava enganado, José sempre foi um marido fiel e carinhoso. Muito embora tenham herdado todas as terras de seu pai, quando ele morreu vítima de um acidente fatal. José fizera tudo para salvá-lo, mas tudo tinha sido em vão.
No sítio, José chegou e foi recebido pelo casal de agregados, caminhou, viu o gado de leite e a plantação.
— A propósito seu Ramiro, onde está a sua filha?
— Deve estar na vila, fazendo compras.
— Tem certeza, eu estive lá e não a vi.
— Quer que eu a chame seu José?
— Não, não perguntei só por perguntar, apenas de lhe as minhas recomendações.
A PESCARIA:
— Seu Francisco, já está tudo arrumado para a nossa pescaria, a caminhoneta está carregada — disse José ao sogro.
— Se é assim, vamos que o dia não demora a amanhecer.
Na lagoa Mirim, enquanto o velho Francisco, comodamente sentado na popa, José sentado no meio do caíque, remava com dois remos e pensava:
— Velho desgraçado, só quer que eu trabalhe enquanto ele fica no bem bom, mas isso não vai ficar sempre assim. Um dia desses, eu perco a paciência e ele me paga. Eu não aguento viver das migalhas que ele me alcança e sempre diz que um dia tudo será meu e de Helga. Esse dia nunca chega, eu já estou fato desse alemão velho. Faça isso, faça aquilo, vocês pelos duros, são mesmo uns inúteis.
— Pare! Que eu vou tarrafear.
— Seu velho estúpido, não vê que aqui está muito perto da margem, é muito raso, não vai pegar peixe algum, pensou, mas apenas disse: — Sim, como queira.
— Quando o senhor vai me ensinar a atirar a tarrafa, seu Francisco?
— Pensei que você não gostasse de pescar com tarrafa, que pescava só com linha. Mas posso ensiná-lo agora mesmo. Veja como eu faço, Coloque uma parte na boca, de espaço de abertura da rede, com as duas mãos jogue a rede, em forma de leque, ela deve abrir no ar e entrar na água toda aberta. Assim, veja:
O velho estava de pé na popa e José, no centro do caíque, pegou a tarrafa, Ajeitou a posição e a arremessou cobrindo o velho, passou a corda ao seu redor, imobilizando-o e o atirou na lagoa, ele submergiu se debatendo, esperou alguns minutos e se atirou na água, para salvá-lo, onde estavam a lagoa era rasa, a água lhe cobria até pouco acima da cintura. Pegou o corpo e o colocou no barco, ajeitou a rede de forma que parecesse que havia se enredado nela ao cair na água.
José chegou em casa afoito e nervoso, sem saber como iria contar que seu sogro havia falecido vítima de um grave acidente. Contava que haviam ido pescar na lagoa Mirim, o barco virou quando seu pai arremessara a tarrafa, ele enredou-se na rede e afundou. Quando José o encontrou e conseguiu colocá-lo no barco já estava morto. O corpo foi levado para o Instituto Médico Legal, após a autopsia, o laudo de causa morte, acusou que os pulmões estavam encharcados, que a redução da taxa de oxigênio causou danos em todos os tecidos, principalmente nas células nervosas. O cérebro estava gravemente lesionado. Que o potássio estava presente nessas células havia vazado para o plasma sanguíneo. Em concentração elevada, com isso, o coração parara de bater. Que a vítima não apresentava nenhuma lesão externa, comprovando que a morte fora por afogamento.
Na vila: Época atual
— Mandragua! Podes me levar à cidade, tenho de fazer umas compras — disse José ao motorista.
Enquato viajavam Jose pensava:
— É uma ideia, ela usa adoçante e eu açúcar no café, é só preparar uma ínfima dose de arsênico no adoçante e ela vai se envenenar aos poucos, parecendo que está sofrendo do estomago, como a mãe.
Alguns dias depois:
— Sabe José, não estou me sentindo bem ultimamente, tudo o que eu como me faz mal.
— Deves consultar um médico, isso pode não ser coisa boa.
No médico:
— Dona Helga! Vamos ter de fazer uma endoscopia, para ver o que está acontecendo, com o seu estomago.
— Dias depois.
— O resultado da endoscopia deu normal, a senhora tem apenas gastrite. E nos vamos tratá-la.
O tratamento não surtiu nenhum efeito, dona Helga continuava doente, com o surgimento de irritação da mucosa, erupções descamantes, mialgias, neuropatia periférica e linhas brancas transversas (Mees) nas unhas e nos dedos.
Com o agravamento da doença, os médicos mudaram o diagnóstico para, diabetes em alto grau seguida de doenças vasculares, hepáticas e renais.
O óbito era esperado para os próximos dias. O que aconteceu em quinze dias.
No atestado de óbito constou que o falecimento se dera por falência geral dos órgãos.
José no velório dentro da capela do crematório, se mantinha com aspecto de desolado, recebendo as condolência de todos os conhecidos e amigos. O padre encomendou o corpo, dando um breve discurso, sobre a vida profícua e digna da falacida que deixou apenas seu marido, pois o casal não havia tido filhos.
Logo após a encomendação, uma chuva de petá-las de rosa caiu sobre o caixão, no mesmo momento em que uma cortina descia do teto cercando o feretro. As pessoas deixaram a capela, ficando apenas José, que permaneceu para assistir à queima do corpo de Helga.
O caixão foi logo encaminhado para o interior do forno com todas as roupas e ainda dentro do caixão — apenas as alças de metal foram retiradas. Sustentado por uma bandeja que impedia o contato direto com o fogo, o caixão foi submetido a uma temperatura de 1200 °C. Esse calor fez a madeira e as células do corpo evaporarem e volatilizarem, passando direto do estado sólido para o gasoso. O cadáver começou a ser consumido.
Depois de duas horas no forno, apenas partículas inorgânicas como os óxidos de cálcio que formam os ossos resistiram à onda de calor. Esses restos foram colocados no moinho de bolas, uma espécie de liquidificador que tritura os ossos com bolas de metal que chacoalham de um lado para o outro.
O moinho funcionou, por vinte e cinco minutos. Depois restaram apenas, as cinzas em pó que foram colocadas em uma urna e entregues a José, que pacientemente esperava.
Logo após ele saiu carregando uma pequena urna com as cinzas. Tomou o carro e partiu.
A encosta da planície, no ponto em que passava, com o carro num rodar lento, num pequeno declive, mais abaixo ele viu um pontilhão que cruzava um córrego, cuja lâmina de água, naquele momento, era inferior a cinquenta centímetros. Pouco mais abaixo, a planície lamacenta sucumbia numa serração que tudo cobria.
Parou sobre a ponte e espalhou as cinzas, que foram levadas pelo vento e parte caiu nas águas do corrego e foram levadas pela correnteza.
A última prova do seu crime tinha sido totalmente destruída.
Agora estava livre para o grã final, mas teria de deixar passar algum tempo conforme a prudência determinava. Feixou-se de luto, não saia de casa, quando recebia alguma visita, sempre lamentava a morte de sua querida esposa e dizia da falta que ela lhe estava fazendo.
Seis meses se passaram da morte de Helga, José retirara o luto e passou a frequentar o velho clube da vila, tomar um aperitivo no bar da Nosca, uma senhora, gorda muito pintada, que, por isso, tinha o apelido de gorda.
Dois meses após haver tirado o luto ele resolveu dar conclusão ao seu sinistro plano. Vestiu-se foi para o sítio de sua propriedade onde tinha um casal de agregados que moravam com sua filha.
— Bom-dia seu Ramiro, bom dia dona Arminda, como tem passado?
— Bom-dia seu José, sentimos muito a perda de sua esposa.
— disse-lhe o velho entroncado e sólido, vestindo a blusa preta dos camponeses, calças cinzentas e alparcatas de lona e corda, olhava por cima do ombro de sua mulher.
— Já passou, não posso ficar de luto a vida toda, afinal foi Helga quem morreu, eu ainda estou vivo e tenho de retomar minha vida.
— Aqui no seu sítio está tudo dentro dos conformes. Todos os animais estão bem. Temos dois novos terneiros.
— Eu vim aqui para conversar com sua filha, pode chamar a?
— Helena está no galpão trabalhando, quer que vá chamá-la?
— Não, não é necessário, eu vou até lá.
O casal se olhou com interrogação, o que seu José quereria com sua filha? Seu José pediu licença e foi ter com Helena.
Era uma moça honesta e de incrível ingenuidade para os padrões atuais. Nunca tinha sido tocada. E o assassino estava de olho nesse anjo terreno.
Nesse momento, ela se encontrava fazendo a limpeza do galpão, recolhendo os excrementos dos animais. José chega sorrateiramente, ela não o vê entrar. Ele olha para suas pernas e glúteos, como pensara naquela mulher, cometera a loucura de assassinar sua esposa para poder tê-la, agora finalmente chegara o dia de completar o seu sonho. Bateu palmas vagarosamente, a moça se virou e ficou surpresa ao vê-lo.
Ele pegou o boque de flores que trazia escondido em suas costas e expôs, alcançando a ela.
— Para que as flores?
— Flores para uma rosa. Eu a quero pedir em namoro.
— O quê? O senhor quer namorar comigo?
— Sim, sou um homem viúvo e tenho posses, para oferecer-lhe uma vida de rainha, não precisará mais recolher estrumes do galpão, nem ordenhar vacas.
— Quem lhe disse que quero casar com o senhor? O senhor é mais velho do que o meu pai. Além do mais eu já tenho namorado, ele é pobre, mas tem a minha idade e é um homem simples como eu.
— Você não pode fazer isso comigo, ele a agarrou e tentou beijá-la, ela por sua vez, empurrou-o e lhe disse:
— Velho nojento, eu sempre o detestei, não aturava como olhava para mim.
— Cadela, eu matei minha esposa para ficar contigo e agora você me recusa.
Falou sem querer falar, mas já havia falado, a moça ficou espantada com a revelação. Ele a pegou com brutalidade e a jogou no chão, logo subiu para cima dela, pegou um tijolo que estava por perto e o ergue até o alto o máximo que o braço estendido alcançou. Os olhos da vítima expressaram terror. Terror e medo da morte. Colocou as mãos na cabeça, cobrindo.
a face, para se defender. O assassino a golpeou, a peça atingiu-a sobre as mãos, tudo ficou preto, outros golpes se sucederam. O assassino, enfurecido, deixou o galpão e se dirigiu a casa, ao passar por uma pilha de lenha, pegou uma acha, ao chegar á casa, o casal saiu para encontrá-lo, quando este desfechou o primeiro golpe que atingiu a cabeça de Ramiro, logo a segunda paulada atingiu a cabeça da mulher, outros golpes se sucederam até que ambos estivessem mortos.
O assassino verificou se todos estavam mortos, destruiu todas as provas da chacina e, com toda a tranquilidade, deixou o local.
Passadas cinco horas ele ligou para a inspetoria de polícia.
O CAIÇARA
CAPÍTULO XI
DONA HELGA.
José Silveira chegou a estância dos Neihause a procura de emprego. Um jovem alto e magro, com o rosto formado por planos convergentes que lhe davam um ar severo e feroz.
Tinha um queixo saliente com uma cova no centro e profundos olhos verde-escuros. De pele morena clara, cabelos negros e escorridos. Usava uma camisa cinza para dentro da calças de brim azul. Botas de couro cru, de cano curto, feitas de encomenda. Seu aspecto parecia calmo, vivia a vida como se estivesse atrasado para um encontro. Estava em constante movimento, lutando em segredo contra antagonistas invisíveis. Tinha uma constituição robusta e vigorosa. Era um homem de uma ambição desmedida que sempre conseguia tudo o que queria alcançar. Revestira-se da aparência de um civilizado serviçal, mas, no íntimo, era um lutador inato, um homem que não esquecia nem perdoava.
Falou com o capataz fez testes de montaria e laço, aprovado passou a fazer parte da peonada.
Era voluntário para qualquer serviço de campo, na época de tosquia, ou nas marcações do gado, ele sempre fazia frente nas atividades.
Certo dia apareceu um anjo branco e esbelto que o deixou impressionado. Ao vela, repentinamente, seu espírito inundou-se de alegria, seu coração pulsou com vigor, sentiu todas as fibras do seu corpo vibrar como se tivesse tocado num vibrador mecânico, enquanto o vulto angélico se tornava espectro insignificante. Os louros cabelos esvoaçavam a cada passada do cavalo que montava. E, então, ele introduziu-a na mente para jamais esquecê-la.
Era a única filha do dono da estância. Notou que não lhe era indiferente, aos seus olhares, logo tratou de se aproximar sorrateiramente da moça, que na época tinha vinte e um anos. Começara o romance as escondidas da família da moça. Até que um dia seu Justino Neihause, o fragou fazendo a corte a sua filha. Clamou-o e lhe disse:
— Você não se enxerga, seu mísero pé rapado, você não é partido para a minha filha, se voltar a importuná-la eu o expulso da fazenda.
O rapaz apenas baixou a cabeça e nada disse.
Quando seu Neihause, falou à sua filha sobre o namoro, ela foi categórica e lhe disse:
— Pai sou maior de idade, namoro e caso com quem quiser, e se o senhor não consentir, parto com ele para onde ele for.
O pai que conhecia o gênio de sua filha, não duvidou e alguns dias depois aceitou, sob protesto, que ela namorasse José Silveira.
Porem antes, chamou-o e lhe disse:
— Eu sei que a está bobeando, só quer meu dinheiro, eu vou consentir que a namore e até mesmo que case com ela, no entanto, quero previní-lo que se não a fizer feliz, eu o expulso de minha casa.
Ele como de costume, ouviu tudo o que o patrão tinha a lhe dizer, de cabeça baixa. Monento em que pesava:
— Velho idiota, vai ter que me aceitar como genro e eu serei bonzinho até um certo dia.
Em uma grande festa de casamento na estância eles contrairam matrimonio.
Dona Helga Neihause Silveira acabara de completar cinqueta e dois anos. Era uma senhora formosíssima e virtuosa, que amava o marido e dedicava-se inteiramente a proporcionar-lhes uma existência feliz e venturosa. Em seu rosto de perfil nórdico, de rosada epiderme, destacavam-se belos olhos rasgados, de um azul-celeste. Moldurava-lhe a fronte abundante ca¬beleira de bela cor áurea, com grande quantidade de fios brancos, que, exposta aos raios do Sol, desprendia reflexos dourados.
O brilho do sol de uma manhã de inverno penetrava pela janela e iluminava a mesa onde o casal fazia o desjejum.
— Helga! Acho que deves ir visitar os teus parentes na Alemanha. Afinal tu nasceste no Brasil e nunca os vistes, e eles te escrevem seguidamente mandando noticias. — disse seu marido.
— Por que isso agora, eu somente tenho primos e primas na Alemanha, não carece visitá-los, assim, está muito bem, eles lá e eu cá.
— Foi só uma sugestão, afinal achei que terias interesse em conhecer os teus parentes na Alemanha, afinal temos muito dinheiro, não temos filhos para quem deixá-lo. Por isso achei que poderias querer ir visitar teus parentes na Alemanha.
O homem calou e serviu mais uma xícara de café, e posse a pensar:
— Este plano já nasceu morto, ela com toda a certeza não ira a Alemanha. Devo traçar uma nova estratégia. É isto! Por que não pensei nisso antes, posso fazer o mesmo que fiz com sua mãe. Ela não necessita ir à Alemanha — amassou o pedaço de.
pão que tinha na mão. Olhou para a mulher, deu um sorriso e disse:
— Querida, como você é econômica, não quer ir só para não gastar o dinheiro que temos.
Ela olhou para ele e deu um sorriso de canto de boca como costumava a fazer e disse:
— Como! Estarás tu, louco para insistires em tamanha estroinice?
O rosto do marido tingiu-se de escarlate.
Terminou o café em silêncio, e, ao término, mormurou com voz sussurrante:
— Bem vou até à vila, tenho de tratar de alguns negócios, depois passarei no sítio, que servia de pouso das tropeadas do teu pai. Quer que compre alguma coisa para a casa?
— Não, no momento não está faltando nada.
Apanhou o chapéu, e se dirigiu a porta de saída. Sua esposa o acompanhou até o alpendre e observou-o enquanto ele caminhava rumo à estrada; ao retornar à mesa do café da manhã, ela parecia divertir-se com a iniciativa do marido.
Logo fechou os olhos e ficou, como se estivesse, concentrada nalguma grata lembrança.
Recordava de sua meninice, quando na estância, morava com seu pai e sua mãe, vivia a correr pelos bosques e alamedas. Que estultice de seu pai não queria que namorasse o José, pois o achava ganancioso e astuto, que queria casar com ela apenas pelo dinheiro da família. Como ele estava enganado, José sempre foi um marido fiel e carinhoso. Muito embora tenham herdado todas as terras de seu pai, quando ele morreu vítima de um acidente fatal. José fizera tudo para salvá-lo, mas tudo tinha sido em vão.
No sítio, José chegou e foi recebido pelo casal de agregados, caminhou, viu o gado de leite e a plantação.
— A propósito seu Ramiro, onde está a sua filha?
— Deve estar na vila, fazendo compras.
— Tem certeza, eu estive lá e não a vi.
— Quer que eu a chame seu José?
— Não, não perguntei só por perguntar, apenas de lhe as minhas recomendações.
A PESCARIA:
— Seu Francisco, já está tudo arrumado para a nossa pescaria, a caminhoneta está carregada — disse José ao sogro.
— Se é assim, vamos que o dia não demora a amanhecer.
Na lagoa Mirim, enquanto o velho Francisco, comodamente sentado na popa, José sentado no meio do caíque, remava com dois remos e pensava:
— Velho desgraçado, só quer que eu trabalhe enquanto ele fica no bem bom, mas isso não vai ficar sempre assim. Um dia desses, eu perco a paciência e ele me paga. Eu não aguento mais viver das migalhas e sempre diz que um dia tudo será meu e de Helga. Esse dia nunca chega, eu já estou fato desse alemão velho. Faça isso, faça aquilo, vocês pelos duros, são mesmo uns inúteis.
— Pare! Que eu vou tarrafear.
— Seu velho estúpido, não vê que aqui está muito perto da margem, é muito raso, não vai pegar peixe algum, pensou, mas apenas disse: — Sim, como queira.
— Quando o senhor vai me ensinar a atirar a tarrafa, seu Francisco?
— Pensei que você não gostasse de pescar com tarrafa, que pescava só com linha. Mas posso ensiná-lo agora mesmo. Veja como eu faço, Coloque uma parte na boca, de espaço de abertura da rede, com as duas mãos jogue a rede, em forma de leque, ela deve abrir no ar e entrar na água toda aberta. Assim, veja:
O velho estava de pé na popa e José, no centro do caíque, pegou a tarrafa, Ajeitou a posição e a arremessou cobrindo o velho, passou a corda ao seu redor, imobilizando-o e o atirou na lagoa, ele submergiu se debatendo, esperou alguns minutos e se atirou na água, para salvá-lo, onde estavam a lagoa era rasa, a água lhe cobria até pouco acima da cintura. Pegou o corpo e o colocou no barco, ajeitou a rede de forma que parecesse que havia se enredado nela ao cair na água.
José chegou em casa afoito e nervoso, sem saber como iria contar que seu sogro havia falecido vítima de um grave acidente. Contava que haviam ido pescar na lagoa Mirim, o barco virou quando seu pai arremessara a tarrafa, ele enredou-se na rede e afundou. Quando José o encontrou e conseguiu colocá-lo no barco já estava morto. O corpo foi levado para o Instituto Médico Legal, após a autopsia, o laudo de causa morte, acusou que os pulmões estavam encharcados, que a redução da taxa de oxigênio causou danos em todos os tecidos, principalmente nas células nervosas. O cérebro estava gravemente lesionado. Que o potássio estava presente nessas células havia vazado para o plasma sanguíneo. Em concentração elevada, com isso, o coração parara de bater. Que a vítima não apresentava nenhuma lesão externa, comprovando que a morte fora por afogamento.
Na vila: Época atual
— Mandragua! Podes me levar à cidade, tenho de fazer umas compras — disse José ao motorista.
Enquato viajavam Jose pensava:
— É uma ideia, ela usa adoçante e eu açúcar no café, é só preparar uma ínfima dose de arsênico no adoçante e ela vai se envenenar aos poucos, parecendo que está sofrendo do estomago, como a mãe.
Alguns dias depois:
— Sabe José, não estou me sentindo bem ultimamente, tudo o que eu como me faz mal.
— Deves consultar um médico, isso pode não ser coisa boa.
No médico:
— Dona Helga! Vamos ter de fazer uma endoscopia, para ver o que está acontecendo, com o seu estomago.
— Dias depois.
— O resultado da endoscopia deu normal, a senhora tem apenas gastrite. E nos vamos tratá-la.
O tratamento não surtiu nenhum efeito, dona Helga continuava doente, com o surgimento de irritação da mucosa, erupções descamantes, mialgias, neuropatia periférica e linhas brancas transversas (Mees) nas unhas e nos dedos.
Com o agravamento da doença, os médicos mudaram o diagnóstico para, diabetes em alto grau seguida de doenças vasculares, hepáticas e renais.
O óbito era esperado para os próximos dias. O que aconteceu em quinze dias.
No atestado de óbito constou que o falecimento se dera por falência geral dos órgãos.
José no velório dentro da capela do crematório, se mantinha com aspecto de desolado, recebendo as condolências de todos os conhecidos e amigos. O padre encomendou o corpo, dando um breve discurso, sobre a vida profícua e digna da falacida que deixou apenas seu marido, pois o casal não havia tido filhos.
Logo após a encomendação, uma chuva de pétalas de rosa caiu sobre o caixão, no mesmo momento em que uma cortina descia do teto cercando o féretro. As pessoas deixaram a capela, ficando apenas José, que permaneceu para assistir à queima do corpo de Helga.
O caixão foi logo encaminhado para o interior do forno com todas as roupas e ainda dentro do caixão — apenas as alças de metal foram retiradas. Sustentado por uma bandeja que impedia o contato direto com o fogo, o caixão foi submetido a uma temperatura de 1200 °C. Esse calor fez a madeira e as células do corpo evaporarem e volatilizarem, passando direto do estado sólido para o gasoso. O cadáver começou a ser consumido.
Depois de duas horas no forno, apenas partículas inorgânicas como os óxidos de cálcio que formam os ossos resistiram à onda de calor. Esses restos foram colocados no moinho de bolas, uma espécie de liquidificador que tritura os ossos com bolas de metal que chacoalham de um lado para o outro.
O moinho funcionou, por vinte e cinco minutos. Depois restaram apenas, as cinzas em pó que foram colocadas em uma urna e entregues a José, que pacientemente esperava.
Logo após ele saiu carregando uma pequena urna com as cinzas. Tomou o carro e partiu.
A encosta da planície, no ponto em que passava, com o carro num rodar lento, num pequeno declive, mais abaixo ele viu um pontilhão que cruzava um córrego, cuja lâmina de água, naquele momento, era inferior a cinquenta centímetros. Pouco mais abaixo, a planície lamacenta sucumbia numa serração que tudo cobria.
Parou sobre a ponte e espalhou as cinzas, que foram levadas pelo vento e parte caiu nas águas do córrego e foram levadas pela correnteza.
A última prova do seu crime tinha sido totalmente destruída.
Agora estava livre para o grã final, mas teria de deixar passar algum tempo conforme a prudência determinava. Feixou-se de luto, não saia de casa, quando recebia alguma visita, sempre lamentava a morte de sua querida esposa e dizia da falta que ela lhe estava fazendo.
Seis meses se passaram da morte de Helga, José retirara o luto e passou a frequentar o velho clube da vila, tomar um aperitivo no bar da Nosca, uma senhora, gorda muito pintada, que, por isso, tinha o apelido de gorda.
Dois meses após haver tirado o luto ele resolveu dar conclusão ao seu sinistro plano. Vestiu-se e foi para o sítio onde tinha um casal de agregados que moravam com sua filha.
— Bom-dia seu Ramiro, bom dia dona Arminda, como tem passado?
— Bom-dia seu José, sentimos muito a perda de sua esposa.
— disse-lhe o velho entroncado e sólido, vestindo a blusa preta dos camponeses, calças cinzentas e alparcatas de lona e corda, olhava por cima do ombro de sua mulher.
— Já passou, não posso ficar de luto a vida toda, afinal foi Helga quem morreu, eu ainda estou vivo e tenho de retomar minha vida.
— Aqui no seu sítio está tudo dentro dos conformes. Todos os animais estão bem. Temos dois novos terneiros.
— Eu vim aqui para conversar com sua filha, pode chamar a?
— Helena está no galpão trabalhando, quer que vá chamá-la?
— Não, não é necessário, eu vou até lá.
O casal se olhou com interrogação, o que seu José quereria com sua filha? Seu José pediu licença e foi ter com Helena.
Era uma moça honesta e de incrível ingenuidade para os padrões atuais. Nunca tinha sido tocada. E o assassino estava de olho nesse anjo terreno.
Nesse momento, ela se encontrava fazendo a limpeza do galpão, recolhendo os excrementos dos animais. José chega sorrateiramente, ela não o vê entrar. Ele olha para suas pernas e glúteos, como pensara naquela mulher, cometera a loucura de assassinar sua esposa para poder tê-la, agora finalmente chegara o dia de completar o seu sonho. Bateu palmas vagarosamente, a moça se virou e ficou surpresa ao vê-lo.
Ele pegou o boque de flores que trazia escondido em suas costas e expôs, alcançando a ela.
— Para que as flores?
— Flores para uma rosa. Eu a quero pedir em namoro.
— O quê? O senhor quer namorar comigo?
— Sim, sou um homem viúvo e tenho posses, para oferecer-lhe uma vida de rainha, não precisará mais recolher estrumes do galpão, nem ordenhar vacas.
— Quem lhe disse que quero casar com o senhor? O senhor é mais velho do que o meu pai. Além do mais eu já tenho namorado, ele é pobre, mas tem a minha idade e é um homem simples como eu.
— Você não pode fazer isso comigo, ele a agarrou e tentou beijá-la, ela por sua vez, empurrou-o e lhe disse:
— Velho nojento, eu sempre o detestei, não aturava como olhava para mim.
— Cadela, eu matei minha esposa para ficar contigo e agora você me recusa.
Falou sem querer falar, mas já havia falado, a moça ficou espantada com a revelação. Ele a pegou com brutalidade e a jogou no chão, logo subiu para cima dela, pegou um tijolo que estava por perto e o ergue até o alto o máximo que o braço estendido alcançou. Os olhos da vítima expressaram terror. Terror e medo da morte. Colocou as mãos na cabeça, cobrindo a face, para se defender. O assassino a golpeou, a peça atingiu-a sobre as mãos, tudo ficou preto, outros golpes se sucederam. O assassino, enfurecido, deixou o galpão e se dirigiu a casa, ao passar por uma pilha de lenha, pegou uma acha, ao chegar á casa, o casal saiu para encontrá-lo, quando este desfechou o primeiro golpe que atingiu a cabeça de Ramiro, logo a segunda paulada atingiu a cabeça da mulher, outros golpes se sucederam até que ambos estivessem mortos.
O assassino verificou se todos estavam mortos, destruiu todas as provas da chacina e, com toda a tranquilidade, deixou o local.
Passadas cinco horas ele ligou para a inspetoria de polícia.
O CAIÇARA
CAPÍTULO XI
DONA HELGA.
José Silveira chegou a estância dos Neihause a procura de emprego. Um jovem alto e magro, com o rosto formado por planos convergentes que lhe davam um ar severo e feroz.
Tinha um queixo saliente com uma cova no centro e profundos olhos verde-escuros. De pele morena clara, cabelos negros e escorridos. Usava uma camisa cinza para dentro das calças de brim azul. Botas de couro cru, de cano curto, feitas de encomenda. Seu aspecto parecia calmo, vivia a vida como se estivesse atrasado para um encontro. Estava em constante movimento, lutando em segredo contra antagonistas invisíveis. Tinha uma constituição robusta e vigorosa. Era um homem de uma ambição desmedida que sempre conseguia tudo o que queria alcançar. Revestira-se da aparência de um civilizado serviçal, mas, no íntimo, era um lutador inato, um homem que não esquecia nem perdoava.
Falou com o capataz fez testes de montaria e laço, aprovado passou a fazer parte da peonada.
Era voluntário para qualquer serviço de campo, na época de tosquia, ou nas marcações do gado, ele sempre fazia frente nas atividades.
Certo dia apareceu um anjo branco e esbelto que o deixou impressionado. Ao vela, repentinamente, seu espírito inundou-se de alegria, seu coração pulsou com vigor, sentiu todas as fibras do seu corpo vibrar como se tivesse tocado num vibrador mecânico, enquanto o vulto angélico se tornava espectro insignificante. Os louros cabelos esvoaçavam a cada passada do cavalo que montava. E, então, ele introduziu-a na mente para jamais esquecê-la.
Era a única filha do dono da estância. Notou que não lhe era indiferente, aos seus olhares, logo tratou de se aproximar sorrateiramente da moça, que na época tinha vinte e um anos. Começara o romance as escondidas da família da moça. Até que um dia seu Justino Neihause, o fragou fazendo a corte a sua filha. Clamou-o e lhe disse:
— Você não se enxerga, seu mísero pé rapado, você não é partido para a minha filha, se voltar a importuná-la eu o expulso da fazenda.
O rapaz apenas baixou a cabeça e nada disse.
Quando seu Neihause, falou à sua filha sobre o namoro, ela foi categórica e lhe disse:
— Pai maioridade, namoro e caso com quem quiser, e se o senhor não consentir, parto com ele para onde ele for.
O pai que conhecia o gênio de sua filha, não duvidou e alguns dias depois aceitou, sob protesto, que ela namorasse José Silveira.
Porem antes, chamou-o e lhe disse:
— Eu sei que a está bobeando, só quer dinheiro, eu vou consentir que a namore e até mesmo que case com ela, no entanto, quero previní-lo que se não a fizer feliz, eu o expulso de minha casa.
Ele como de costume, ouviu tudo o que o patrão tinha a lhe dizer, de cabeça baixa. Monento em que pesava:
— Velho idiota, vai ter que me aceitar como genro e eu serei bonzinho até um certo dia.
Em uma grande festa de casamento na estância eles contrairam matrimonio.
Dona Helga Neihause Silveira acabara de completar cinquenta e dois anos. Era uma senhora formosíssima e virtuosa, que amava o marido e dedicava-se inteiramente a proporcionar-lhes uma existência feliz e venturosa. Em seu rosto de perfil nórdico, de rosada epiderme, destacavam-se belos olhos rasgados, de um azul-celeste. Moldurava-lhe a fronte abundante ca¬beleira de bela cor áurea, com grande quantidade de fios brancos, que, exposta aos raios do Sol, desprendia reflexos dourados.
O brilho do sol de uma manhã de inverno penetrava pela janela e iluminava a mesa onde o casal fazia o desjejum.
— Helga! Acho que deves ir visitar os teus parentes na Alemanha. Afinal tu nasceste no Brasil e nunca os vistes, e eles te escrevem seguidamente mandando noticias. — disse seu marido.
— Por que isso agora, eu somente tenho primos e primas na Alemanha, não carece visitá-los, assim, está muito bem, eles lá e eu cá.
— Foi só uma sugestão, afinal achei que terias interesse em conhecer os teus parentes na Alemanha, afinal temos muito dinheiro, não temos filhos para quem deixá-lo. Por isso achei que poderias querer ir visitar teus parentes na Alemanha.
O homem calou e serviu mais uma xícara de café, e posse a pensar:
— Este plano já nasceu morto, ela com toda a certeza não ira a Alemanha. Devo traçar uma nova estratégia. É isto! Por que não pensei nisso antes, posso fazer o mesmo que fiz com sua mãe. Ela não necessita ir à Alemanha — amassou o pedaço de pão que tinha na mão. Olhou para a mulher, deu um sorriso e disse:
— Querida, como você é econômica, não quer ir só para não gastar o dinheiro que temos.
Ela olhou para ele e deu um sorriso de canto de boca como costumava a fazer e disse:
— Como! Estarás tu, louco para insistires em tamanha estroinice?
O rosto do marido tingiu-se de escarlate.
Terminou o café em silêncio, e, ao término, mormurou com voz sussurrante:
— Bem vou até à vila, tenho de tratar de alguns negócios, depois passarei no sítio, que servia de pouso das tropeadas do teu pai. Quer que compre alguma coisa para a casa?
— Não, no momento não está faltando nada.
Apanhou o chapéu, e se dirigiu a porta de saída. Sua esposa o acompanhou até o alpendre e observou-o enquanto ele caminhava rumo à estrada; ao retornar à mesa do café da manhã, ela parecia divertir-se com a iniciativa do marido.
Logo fechou os olhos e ficou, como se estivesse, concentrada nalguma grata lembrança.
Recordava de sua meninice, quando na estância, morava com seu pai e sua mãe, vivia a correr pelos bosques e alamedas. Que estultice de seu pai não queria que namorasse o José, pois o achava ganancioso e astuto, que queria casar com ela, apenas pelo dinheiro da família. Como ele estava enganado, José sempre foi um marido fiel e carinhoso. Muito embora tenham herdado todas as terras de seu pai, quando ele morreu vítima de um acidente fatal. José fizera tudo para salvá-lo, mas tudo tinha sido em vão.
No sítio, José chegou e foi recebido pelo casal de agregados, caminhou, viu o gado de leite e a plantação.
— A propósito seu Ramiro, onde está a sua filha?
— Deve estar na vila, fazendo compras.
— Tem certeza, eu estive lá e não a vi.
— Quer que eu a chame seu José?
— Não, não perguntei só por perguntar, apenas de lhe as minhas recomendações.
A PESCARIA:
— Seu Francisco, já está tudo arrumado para a nossa pescaria, a caminhoneta está carregada — disse José ao sogro.
— Se é assim, vamos que o dia não demora a amanhecer.
Na lagoa Mirim, enquanto o velho Francisco, comodamente sentado na popa, José sentado no meio do caíque, remava com dois remos e pensava:
— Velho desgraçado, só quer que eu trabalhe enquanto ele fica no bem bom, mas isso não vai ficar sempre assim. Um dia desses, eu perco a paciência e ele me paga. Eu não aguento mais viver das migalhas que alcança e sempre diz que um dia tudo será meu e de Helga. Esse dia nunca chega, eu já estou fato desse alemão velho. Faça isso, faça aquilo, vocês pelos duros, são mesmo uns inúteis.
— Pare! Que eu vou tarrafear.
— Seu velho estúpido, não vê que aqui está muito perto da margem, é muito raso, não vai pegar peixe algum, pensou, mas apenas disse: — Sim, como queira.
— Quando o senhor vai me ensinar a atirar a tarrafa, seu Francisco?
— Pensei que você não gostasse de pescar com tarrafa, que pescava só com linha. Mas posso ensiná-lo agora mesmo. Veja como eu faço, Coloque uma parte na boca, de espaço de abertura da rede, com as duas mãos jogue a rede, em forma de leque, ela deve abrir no ar e entrar na água toda aberta. Assim, veja:
O velho estava de pé na popa e José, no centro do caíque, pegou a tarrafa, Ajeitou a posição e a arremessou cobrindo o velho, passou a corda ao seu redor, imobilizando-o e o atirou na lagoa, ele submergiu se debatendo, esperou alguns minutos e se atirou na água, para salvá-lo, onde estavam a lagoa era rasa, a água lhe cobria até pouco acima da cintura. Pegou o corpo e o colocou no barco, ajeitou a rede de forma que parecesse que havia se enredado nela ao cair na água.
José chegou em casa afoito e nervoso, sem saber como iria contar que seu sogro havia falecido vítima de um grave acidente. Contava que haviam ido pescar na Lagoa Mirim, o barco virou quando seu pai arremessara a tarrafa, ele enredou-se na rede e afundou. Quando José o encontrou e conseguiu colocá-lo no barco já estava morto. O corpo foi levado para o Instituto Médico Legal, após a autopsia, o laudo de causa morte, acusou que os pulmões estavam encharcados, que a redução da taxa de oxigênio causou danos em todos os tecidos, principalmente nas células nervosas. O cérebro estava gravemente lesionado. Que o potássio estava presente nessas células havia vazado para o plasma sanguíneo. Em concentração elevada, com isso, o coração parara de bater. Que a vítima não apresentava nenhuma lesão externa, comprovando que a morte fora por afogamento.
Na vila: Época atual
— Mandragua! Podes me levar à cidade, tenho de fazer umas compras — disse José ao motorista.
Enquato viajavam Jose pensava:
— É uma ideia, ela usa adoçante e eu açúcar no café, é só preparar uma ínfima dose de arsênico no adoçante e ela vai se envenenar aos poucos, parecendo que está sofrendo do estomago, como a mãe.
Alguns dias depois:
— Sabe José, não estou me sentindo bem ultimamente, tudo o que eu como me faz mal.
— Deves consultar um médico, isso pode não ser coisa boa.
No médico:
— Dona Helga! Vamos ter de fazer uma endoscopia, para ver o que está acontecendo, com o seu estomago.
— Dias depois.
— O resultado da endoscopia deu normal, a senhora tem apenas gastrite. E nos vamos tratá-la.
O tratamento não surtiu nenhum efeito, dona Helga continuava doente, com o surgimento de irritação da mucosa, erupções descamantes, mialgias, neuropatia periférica e linhas brancas transversas (Mees) nas unhas e nos dedos.
Com o agravamento da doença, os médicos mudaram o diagnóstico para, diabetes em alto grau seguida de doenças vasculares, hepáticas e renais.
O óbito era esperado para os próximos dias. O que aconteceu em quinze dias.
No atestado de óbito constou que o falecimento se dera por falência geral dos órgãos.
José no velório dentro da capela do crematório, se mantinha com aspecto de desolado, recebendo as condolências de todos os conhecidos e amigos. O padre encomendou o corpo, dando um breve discurso, sobre a vida profícua e digna da falacida que deixou apenas seu marido, pois o casal não havia tido filhos.
Logo após a encomendação, uma chuva de pétalas de rosa caiu sobre o caixão, no mesmo momento em que uma cortina descia do teto cercando o féretro. As pessoas deixaram a capela, ficando apenas José, que permaneceu para assistir à queima do corpo de Helga.
O caixão foi logo encaminhado para o interior do forno com todas as roupas e ainda dentro do caixão — apenas as alças de metal foram retiradas. Sustentado por uma bandeja que impedia o contato direto com o fogo, o caixão foi submetido a uma temperatura de 1200 °C. Esse calor fez a madeira e as células do corpo evaporarem e volatilizarem, passando direto do estado sólido para o gasoso. O cadáver começou a ser consumido.
Depois de duas horas no forno, apenas partículas inorgânicas como os óxidos de cálcio que formam os ossos resistiram à onda de calor. Esses restos foram colocados no moinho de bolas, uma espécie de liquidificador que tritura os ossos com bolas de metal que chacoalham de um lado para o outro.
O moinho funcionou, por vinte e cinco minutos. Depois restaram apenas, as cinzas em pó que foram colocadas em uma urna e entregues a José, que pacientemente esperava.
Logo após ele saiu carregando uma pequena urna com as cinzas. Tomou o carro e partiu.
A encosta da planície, no ponto em que passava, com o carro num rodar lento, num pequeno declive, mais abaixo ele viu um pontilhão que cruzava um córrego, cuja lâmina de água, naquele momento, era inferior a cinquenta centímetros. Pouco mais abaixo, a planície lamacenta sucumbia numa serração que tudo cobria.
Parou sobre a ponte e espalhou as cinzas, que foram levadas pelo vento e parte caiu nas águas do córrego e foram levadas pela correnteza.
A última prova do seu crime tinha sido totalmente destruída.
Agora estava livre para o grã final, mas teria de deixar passar algum tempo conforme a prudência determinava. Feixou-se de luto, não saia de casa, quando recebia alguma visita, sempre lamentava a morte de sua querida esposa e dizia da falta que ela lhe estava fazendo.
Seis meses se passaram da morte de Helga, José retirara o luto e passou a frequentar o velho clube da vila, tomar um aperitivo no bar da Nosca, uma senhora, gorda muito pintada, que, por isso, tinha o apelido de gorda.
Dois meses após haver tirado o luto ele resolveu dar conclusão ao seu sinistro plano. Vestiu-se, foi ao sítio de sua propriedade onde tinha um casal de agregados que moravam com sua filha.
— Bom-dia seu Ramiro, bom dia dona Arminda, como tem passado?
— Bom-dia seu José, sentimos muito a perda de sua esposa.
— disse-lhe o velho entroncado e sólido, vestindo a blusa preta dos camponeses, calças cinzentas e alparcatas de lona e corda, olhava por cima do ombro de sua mulher.
— Já passou, não posso ficar de luto a vida toda, afinal foi Helga quem morreu, eu ainda estou vivo e tenho de retomar minha vida.
— Aqui no seu sítio está tudo dentro dos conformes. Todos os animais estão bem. Temos dois novos terneiros.
— Eu vim aqui para conversar com sua filha, pode chamar a?
— Helena está no galpão trabalhando, quer que vá chamá-la?
— Não, não é necessário, eu vou até lá.
O casal se olhou com interrogação, o que seu José quereria com sua filha? Seu José pediu licença e foi ter com Helena.
Era uma moça honesta e de incrível ingenuidade para os padrões atuais. Nunca tinha sido tocada. E o assassino estava de olho nesse anjo terreno.
Nesse momento, ela se encontrava fazendo a limpeza do galpão, recolhendo os excrementos dos animais. José chega sorrateiramente, ela não o vê entrar. Ele olha para suas pernas e glúteos, como pensara naquela mulher, cometera a loucura de assassinar sua esposa para poder tê-la, agora finalmente chegara o dia de completar o seu sonho. Bateu palmas vagarosamente, a moça se virou e ficou surpresa ao vê-lo.
Ele pegou o boque de flores que trazia escondido em suas costas e expôs, alcançando a ela.
— Para que as flores?
— Flores para uma rosa. Eu a quero pedir em namoro.
— O quê? O senhor quer namorar comigo?
— Sim, sou um homem viúvo e tenho posses, para oferecer-lhe uma vida de rainha, não precisará mais recolher estrumes do galpão, nem ordenhar vacas.
— Quem lhe disse que quero casar com o senhor? O senhor é mais velho do que o meu pai. Além do mais eu já tenho namorado, ele é pobre, mas tem a minha idade e é um homem simples como eu.
— Você não pode fazer isso comigo, ele a agarrou e tentou beijá-la, ela por sua vez, empurrou-o e lhe disse:
— Velho nojento, eu sempre o detestei, não aturava como olhava para mim.
— Cadela, eu matei minha esposa para ficar contigo e agora você me recusa.
Falou sem querer falar, mas já havia falado, a moça ficou espantada com a revelação. Ele a pegou com brutalidade e a jogou no chão, logo subiu para cima dela, pegou um tijolo que estava por perto e o ergue até o alto o máximo que o braço estendido alcançou. Os olhos da vítima expressaram terror. Terror e medo da morte. Colocou as mãos na cabeça, cobrindo a face, para se defender. O assassino a golpeou, a peça atingiu-a sobre as mãos, tudo ficou preto, outros golpes se sucederam. O assassino, enfurecido, deixou o galpão e se dirigiu a casa, ao passar por uma pilha de lenha, pegou uma acha, ao chegar á casa, o casal saiu para encontrá-lo, quando este desfechou o primeiro golpe que atingiu a cabeça de Ramiro, logo a segunda paulada atingiu a cabeça da mulher, outros golpes se sucederam até que ambos estivessem mortos.
O assassino verificou se todos estavam mortos, destruiu todas as provas da chacina e, com toda a tranquilidade, deixou o local.
Passadas cinco horas ele ligou para a inspetoria de polícia.
O CAIÇARA
CAPITULO XII
O ASSASSINO
Marçal Medina (O Caiçara)
Os primeiros dias de abstinência, foram cruéis, passava as noites a caminhar como uma alma penada. Deitava e logo levantava, para caminhar no pequeno apartamento. Francine o acompanhava de perto, dando-lhe apoio. Quando conseguia dormir, tinha pesadelos horríveis, água, sangue, imagens de pessoas mortas e outras sendo trucidadas. Acordava em sobressalto, com o corpo molhado pelo suor. Mas o tormento diminuía a cada dia que passava no décimo quinto dia ele se sentia animado e disse a Francine:
— Hoje vamos comemorar com um jantar, regado a refrigerante, os meus quinze dias de abstinência.
Procuraram um restaurante modesto, mas que servia bem.
Já passava das nove horas da noite, quando eles chegaram ao restaurante. O recepcionista os recebeu e os conduziu a uma mesa. Ao dispensar a carta de vinhos o Caiçara explicou que era alcoólatra em recuperação e somente iriam beber refrigerantes. Após o jantar que estivera excelente, ele tirou do bolso, uma pequena caixa, abriu-a sobre a mesa. Francine pode ver um anel, de brilhante. Ele estendeu sua mão na direção dela, ela estendeu a mão oferecendo-a a ele. Ele a pegou e disse:
— Francine que ser minha mulher de hoje em diante. Ela chorou de contentamento e lhe disse:
— Sim, era tudo o que eu estava esperando, desde o dia em que o conheci.
— Queira receber este anel que servira de símbolo do nosso compromisso.
Após o jantar eles foram para o apartamento e fizeram amor pela primeira vez.
No dia seguinte Marçal Medina (O Caiçara), quando faziam o dejejum, pegou uma fatia de pão e ao passar manteiga disse a Francine:
— Sabe Francine, que as visões recorrentes, ou premunições, seja lá o que for, com a minha abstinência ao álcool, é bem possível que venha a clarear.
— Sim, entendo e você está com medo?
— Não se trata de medo, mas isso me causa uma angústia intolerável.
— Entendo! É só uma sugestão, o que achas de irmos procurar ajuda, como fizemos, com a bebida?
— De que ajuda estais falando?
— Ajuda psicológica é claro.
— Não sei não, um psiquiatra trata dos loucos e eu não sou louco, apenas tenho visões.
— Vamos procurar na Zero Hora, nos anúncios, talvez encontremos alguma solução.
Ela pegou o jornal que estava sobre a mesa de centro e começou a procura.
Alguns minutos depois:
— Ouça este aqui; Parapsicólogo, distúrbios da mente, premunições, visões e inquietudes.
Doutor Valter Harres. Rua do Mar, 4560 — Bairro Moinho de Ventos, fone 051. 525 3576 — Poá — Que achas, vamos procurá-lo amanhã?
— Não sei, vamos pensar um pouco, talvez não seja uma boa ideia.
— Se quiser eu vou e sondo como é que o homem trabalha depois você vai, se entender que seja viável.
— Não, não posso submetê-la a isso. Pode marcar vamos nós dois.
Eles chegaram ao consultório do psicólogo, um casarão antigo e bem conservado. A recepcionista os encaminhou, após uma pequena espera, na ante-sala sala do consultório.
Um homem, que pela aparência passava dos setenta anos, vestia uma túnica branca, calças e sapatos brancos, também brancos eram os seus cabelos e barba.
Nunca dantes o casal de consulentes tinha visto uma figura tão austera, seus olhos pareciam penetrar em tudo que olhava. Seu aperto de mão era inflexível, chegando quase ao exagero de tão forte que apertava. Uma criatura superior, sem dúvida. Uma destas criaturas que se enclavinham na memória dos outros e não os deixa esquecer.
Com voz indobrável, cumprimentou-os e solicitou que sentassem a frente de sua mesa de trabalho.
— Então a que devo a visita?
— Estou necessitando de sua ajuda doutor — disse o Caiçara.
— Relaxe e conte o que desejar esta sala não tem ouvidos e a prova de som, propositadamente a recepcionista fica a três salas de distância deste consultório. E, antes que inicie o seu relato, farei uma observação: Por mais incoerente, a mais perturbadora e menos lúcida, que seja a sua história, durante ela não deixe escapar um pormenor, por mínimo que seja, ou aparentemente incoerente.
Marçal e Francine, contaram toda a história, ora um, ora outro, faziam o relato. O doutor Harres, que escutara tudo com a máxima atenção sem interromper ao final, levantou olhou o casal fixamente é disse em um tom sério e inflexível.
— Senhor Marçal, dona Francine! A mente humana é prodigiosa, há partes do nosso cérebro, que até hoje a ciência não descobriu a sua função. Por isso, de vez em quando aparecem alguns seres humanos com habilidades especiais, diferenciada de todos os demais. Por falta de conhecimento científico, os profissionais, em não entendendo os estranhos comportamentos de seus clientes, tratam logo de sedá-los com antidepressivos, o que foi o seu caso quando garoto. O senhor próprio por não entender o que estava acontecendo, resolveu beber até tornar-se um alcoólatra. Posso lhe afirmar que não há nada de errado com o senhor, o senhor é mais um ser especial, com habilidades especiais que a ciência não pode explicar até o presente momento. Não tenha medo do que ocorre com o senhor. Tente decifrar, correr atrás, incentivar, promover este estado de coisas que lhe acontece.
Tive conhecimento de uma senhora, que ao pegar um objeto que pertencera a alguma pessoa, ela podia ver onde estava esta pessoa e o que tinha feito em um determinado momento. Quando ela chegou a mim, estava cheia de dúvidas como o senhor. Ela seguiu os meus conselhos e hoje é uma colaboradora da polícia para casos de difícil solução.
Mas analisemos o seu caso; o senhor viu um espectro, de uma mulher, que entrou no oceano em uma pura visão de algo que havia acontecido a mais de dois anos. É isso?
— Sim, exatamente isso.
— Depois esse mesmo espectro, indicou-lhe onde jogar na roleta de um cassino.
— Exatamente. Isso me leva a inferir que essa pessoa quando se jogou ao mar, havia perdido no cassino, sendo esse o motivo de seu possível suicídio.
— Senhor viu um casal ser morto a pauladas e uma moça ser morta com um tijolo. Tratava-se de seus pais naturais. Teve um preá-viso do que ocorreria com seus pais adotivos. Chegou a ver o acidente em uma espécie de visão antecipada dos acontecimentos.
Não posso lhe explicar como isso acontece, mas posso lhe dizer o que o senhor é um elo de ligação entre este plano e outros planos, futuro e passado. Use esse dom que Deus lhe deu para fazer o bem, para ajudar a polícia e as outras pessoas.
Se você é o único meio que eles têm para corrigir os mal feitos e as maldades, ajude desinteressadamente e seja feliz.
Seis meses depois.
O Caiçara não havia colocado uma gota se quer de álcool na boca. As visões se repetiam com frequência, isso não mais o apavorava. Ao contrário, sempre que elas ocorriam, tentava visualizar mais. Estava feliz com Francine. Achava-se seguro e queria seguir os conselhos do doutor Harres.
— Francine! Acho que é hora de Procuráramos o inspetor Rodrigão, onde está o telefone dele?
— Alo inspetor Rodrigão? Pode falar agora?
— Sim, quem fala?
— É Marçal Medina, lembra?
- Oh seu Marçal, como vai o senhor, conseguiu superar os seus problemas?
— Sim, inspetor, estou abstêmio há mais de seis meses, e estou disposto a ajudá-lo no caso do sítio.
— O senhor pode vir a Rio Grande, as despesas o estado pagara para o senhor.
— Não seja por isso, posso ir imediatamente se o senhor achar conveniente.
— Estou esperando-o na rodoviária de Rio Grande.
— Não necessita, iremos no meu carro, não se preocupe, amanhã estaremos aí.
— Estarei a sua espera senhor Marçal.
Em Rio Grande:
— Bom dia senhor Marçal, meus respeitos dona Francine — disse o inspetor Rodrigão — Fizeram boa viajem?
— Tudo perfeitamente correto inspetor, estamos prontos a ajudá-lo no caso dos meus pais, que foram mortos no sítio.
— Sentem-se, água café?
— Os dois, por favor — disse Francine.
— Bem, eu vou telefonar para o senhor José e solicitar permissão para fazer uma visita ao sítio, onde ocorreram as mortes. Só um minuto, esteja há vontade.
— Alo é o inspetor Rodrigão, bom dia seu José! A respeito do sítio, eu queria permissão para fazer uma visita no local onde houve os assassinatos.
— Oh! Claro que pode, lá tem um novo agregado é só se identificar, ele tem ordem para cooperar com a polícia. Não quer passar aqui antes, posso acompanhá-lo.
— Passaremos aí após a visita se não se importar.
— Como queira.
A caminho, na entrada do sítio, calado e oco, olhando nostalgicamente o espaço, à procura talvez de complexas lembranças, de repente, cortou seus pensamentos e comentou:
— Como as lembranças de criança são interessantes, parece que víamos tudo, dentro da nossa pequenez, tudo parecia tão grande e tão distante, agora vejo que, o longe era parto e grande era pequeno. A grande figueira, não era tão grande assim. Via, a distância entre o galpão e a casa, em minhas lembranças parecia ser mais que o dobro do que realmente é.
— Isso acontece, quando nos separamos das imagens, quando somos pequenos e as vemos novamente quando somos adultos. Podemos constatar que a nossa referência quando pequeno era a nossa própria pequenez, por isso é que tudo nos parece imenso — disse Rodrigão.
A velha casa onde morara, quando pequeno, era a mesma, porém fora restaurada recentemente, mas foram mantidas as formas construtivas de então.
O caseiro os recebeu, e nada indagou. Nem lhe foi dito. Os visitantes examinaram tudo, como quem estivesse procurando alguma coisa em especial.
— Vamos até o galpão disse o Caiçara.
Seguiram pela estradinha, estreita de passar o gado, lá chegando abriram a porta lateral. E, o Caiçara adentrou no galpão. Momento em que teve o primeiro surto de visão do passado. Imagens aparecia e desapareciam como num fleche, ele, seguindo as instruções do Doutor Walter Harres, se concentrou e as fez estabilizarem. Todos ficaram em silêncio. O Caiçara pode ver nitidamente as cenas, que tanto o perturbaram no passado, sua expressão era de horror e medo.
Francine, o olha e em grande tensão, tem os dentes contraídos uns contra os outros. Seu rosto está meio esverdeado.
Uma moça fazia limpeza de excrementos, quando um homem velho enquadra aporta, ela não o vê entrar. Olha para suas pernas e nádegas, tinha na face uma expressão de desejo incontido.
Bateu palmas vagarosamente, a moça virou-se e expressou surpresa ao vê-lo. Ele pegou o buque de flores que trazia escondido em suas costas e expôs, alcançando a ela.
Discutiram por algum tempo, a moça recusa as flores, ele insiste, falando e falando. Ela discute, parecendo brava.
De repente ele a pega com brutalidade e a joga ao solo, sobe sobre sua barriga, imobilizando-a, pega um tijolo e o ergue, momento em que a moça coloca ambas as mãos protegendo o rosto. A “arma” atingiu-a sobre as mãos, outros golpes se sucederam. O assassino, enfurecido, deixou o galpão e se dirigiu a casa, ao passar por uma pilha de lenha, pega uma acha, ao chegar á casa, um casal saiu para encontrá-lo, quando este desfechou o primeiro golpe que atingiu a cabeça do homem, logo a segunda paulada atingiu a cabeça da mulher, outros golpes se sucederam até que ambos estavam mortos.
Rodrigão e Francine, que assistiam às feições do Caiçara se modificarem, de simples contemplação, passarem para uma expressão de horror e medo.
Exausto e aterrorizado, ele passa a mão sobre a testa e retira duas bagas de suor. Nada diz, fica ali sob os olhares expectantes de Rodrigão e Francine. Após haver se recuperado, Marçal, diz que todo está meridianamente claro, pode ver a face do assassino.
— Faremos um retrato falado-disse Rodrigão.
— Quero deixar este local o mais rápido possível — disse Marçal.
— Antes vamos dar uma passado na estância do senhor José que fica no Albardão. Ele é o proprietária do sítio.
Retornaram até alcançar a estrada que vai para o Chuí, passando por Albardão. A estância distava mais de cem quilômetros do sítio.
Durante o trajeto, Marçal se manteve apático, sem assunto, parecia cansado, esgotado por tudo o que havia visto em um transe sem igual.
Na mansão do senhor José Leotário Silveira, ao desembarcarem do veículo, o proprietário já os esperada no alto da larga escadaria de pedra que servia de acesso à casa.
Do centro da escada o Caiçara olhou para o homem e teve um novo surto, quase caiu, mas conseguiu se segurar no corrimão da escada. Aquele homem que ali estava era o assassino, impiedoso e cruel, que matara seus pais, novas visões se estabeleciam, via o mesmo homem, colocar veneno no adoçante da sogra, depois da esposa, viu-o jogar a tarrafa sobre um senhor velho de origem alemã, o assassino na oportunidade era ainda jovem e forte. Lançou a tarrafa sobre o homem velho, e o amarrou com a corda e jogou na água, viu o corpo enrolado na rede cair levantando barro do fundo da lagoa, que parecia ser rasa naquele local.
De volta das visões, apenas disse ao inspetor, leve-me da qui que não estou passado bem.
— Desculpe seu José, mas meu acompanhante está passado mal, voltaremos outro dia.
— Como queira seu inspetor, mas de quem se trata.
— Falaremos em outro dia se nos permitir, iremos imediatamente, pois como disse o homem está passado mal.
Já dentro do carro e retornando para a cidade de Rio Grande, Marsal saindo de seu estado de reflexão disse:
— Prepare-se inspetor, para uma revelação inimaginável.
— Sou todo ouvidos, senhor Marçal.
— Querido! Acha que é o momento certo de relatar o que viu? — disse Francine, amparando-o com o braço sobre seu ombro.
— Sim, querida pararemos a margem da estrada e contarei tudo o que vi em minhas visões.
Francine e o inspetor ficaram na expectativa do relato, momento em que um silêncio sepulcral se instalou no interior do veículo. O narrador colocou a mão sobre a testa, parecendo forçar a lembrança de tudo o que havia visto em sua expectante visão.
— Primeiro vi os três assassinatos como ocorreram, no sítio. Pude ver claramente o rosto do carnífice. E o reconheci na estância quando subia o escadaria, ele estava lá em cima a me olhar, com os mesmos olhos que fulminaram minha irmã quando discutiam. Vi mais, ele colocando veneno em um frasco de adoçante, vi-o jogar uma rede que envolveu um velho de origem alemã, logo o amarrou com a corda da tarrafa e o atirou na água.
Ao ouvir isso, o inspetor bateu uma mão na outra e disse:
— Quem iria desconfiar que o seu José fosse o assassino do sítio e que havia antes envenenado sua esposa e matado o seu sogro afogado na lagoa.
— Sim, inspetor, e tudo isso o senhor terá de provar, pois, minhas visões de nada servirão num tribunal.
— Sim, mas pelo fato de saber que o seu José é um assassino, já facilita as coisas, agora é só uma questão de estratégia policial o que sei fazer muito bem. Considere sua missão plenamente cumprida, e receba os melhores agradecimentos do estado, você impediu que um inocente fosse condenado e um criminoso saísse impune.
O casal partiu deixando o inspetor na delegacia de Rio Grande.
Rodrigão sentou em sua cadeira, pegou um arquivo da gaveta e o abriu. As fotos tiradas durante o exame pericial da cena dos crimes. Deu asas a sua imaginação:
— Se José é o assassino do sítio e também matou sua esposa e seu sogro. Mas como vamos provar que ele é o culpado de tantos crimes?
Como fazia sempre, o inspetor Rodrigão, deixava o caso amadurecer em seu pensamento, crendo que seu cérebro, de tanto pensar na solução de um caso, lhe dava a resposta quando menos esperava.
Foi para casa, já passava das dez horas da noite. Sua esposa o esperava. E, lhe disse quando entrou:
— Que foi querido, como demorou hoje, algum problema grave?
— Não querida, ainda o caso do sítio, hoje tive as informações que esperava a mais de seis meses, agora é só colocar o meu cérebro a trabalhar.
Devia ser próximo das quatro horas da madrugada, o inspetor acordou, em um sobressalto, levantou imediatamente. Sua esposa continuou a dormir calmamente.
— É isso, porque não pensei nisso antes? É claro ele envenenou a esposa com micro doses de veneno, possivelmente arsênico.
Como sua esposa morreu da mesma forma que sua sogra, ele deve a ter envenenado também. A esposa foi incinerada, portanto, nada mais é possível fazer nesse caso, mas a sogra, esta foi enterrada no cemitério da vila. É possível fazer uma exumação e analisar se tinha vestígios de arsênico no estomago e outros órgãos. Quanto ao sogro, ele disse em seu depoimento que o homem tinha se afogado ao lançar a tarrafa em águas profundas, que custou muito a encontrar o corpo e que quando o retirou já estava morto. Ao passo que o vidente disse que ao cair o corpo removeu lama que turvaram a água, portanto deveria estar próximo da margem da lagoa. Nesse caso ao engolir água, esta estaria saturada de lama, o que poderá ser constatado em uma exumação de cadáver. Mãos a obra inspetor.
Levantou e em quinze minutos estava na frente do promotor público.
— Doutor! Tenho a mais plena convicção de que os assassinatos do sítio foram praticados pelo seu proprietário o Senhor José Leotário Silveira.
— De que vem toda essa convicção inspetor?
— De uma fonte fidedigna, senhor, mas o qual não desejo revelar até o momento da comprovação dos fatos. Por isso peço que o senhor me ajude nesta empreitada, fazendo os procedimentos legais para a exumação dos corpos do sogro e sogra do seu José.
— Vá lá, se o senhor tem certeza do que está fazendo, eu farei os procedimentos legais, mas devo saber o que os legistas devem procurar:
— Na sogra, sinais de envenenamento possivelmente por arsênico. No sogro contaminação dos pulmões por lama.
As autopsias revelaram vestígios de arsênico na sogra e vestígios de lama nos pulmões do sogro.
O carro da polícia estacionara junto a escadaria da estância, dele descem o inspetor Rodrigão acompanhado de um policial militar. O proprietário que de longe avistara o carro, já o esperava do alto da escada.
— Se aproxime Inspetor, a que devo a visita. Como está o homem que passou mal no dia em que aqui esteve?
— Muito bem senhor José. Quanto a minha visita, trata-se de uma visita oficial. Estamos aqui para convidá-lo a comparecer à delegacia de polícia para prestar alguns esclarecimentos.
— Sim, quando eu for à cidade, darei uma chegada lá.
— Não senhor José, deverá ir comigo, o senhor está preso pelos assassinatos do sítio, de sua sogra, seu sogro e de sua esposa. Tem o direito de permanecer calado até constituir um advogado.
O CAIÇARA
CAPÍTULO XIII
DOUTOR RODRIGO SALZANO
Era a sensação mais estranha e mais sensacional do mundo, conseguira revelar o assassino de sua família, com detalhes impressionantes, que, se bem investigados levaria o facínora para a cadeia pelo resto de sua vida.
Não se arrependia dos momentos que sofreu, carregava as cicatrizes como se fossem medalhas, sabia que a liberdade tem um preço alto, tão alto quanto o preço da escravidão.
Permanecera sentado ali, na sala de seu apartamento. Pensava naquele momento, em tudo o que havia acontecido em Rio Grande. Saber que aos supostos males que sofria quando era pequeno, na verdade, eram dons que recebera ao nascer, que, hoje, lhe permitiam desvendar mistérios insondáveis. Bastou que explicasse tudo aquilo que não era entendido, por ele e pela maioria das pessoas.
A sorte estava com ele agora, sorrindo-lhe. A sorte cega, a sorte estúpida, mas sempre sorrin¬do. Pronta para lhe dar paz e quietude. Mas de repente, a tão alardeada paz, se transformou em inquietação. Acabara de lembrar, que nem tudo estava resolvido, que a dama que lhe aparecera na casa de jogos, a mesma que entrara no oceano, queria dele, alguma coisa, e ele, até aquele momento, não lhe tinha dado resposta alguma. Quem tanto lhe ajudara, apontando onde deveria jogar sem o qual teria morrido de fome abandonado pelas sarjetas de Capão da Canoa, como um cão sarnento. Teria de fazer algo. Levantou de um pulo e disse a Francine:
— Querida estamos esquecendo de que devemos procurar solucionar o caso da dama da casa de jogos. Aquela que se suicidou entrando no oceano gelado. Lembra?
— Claro que lembro, mas você não quer dar uma descansada antes de tentar entrar em contato com ela, isto é ter novos, como direi?
— Distúrbios mentais, premunições, contatos estranhos, ou seja, lá o que for — disse Marçal.
— Sim, é isso que eu queria dizer. Qual a estratégia que ira montar para ter as visões?
— Não sei ainda como isso funciona, mas acho que devo ir ao cassino à noite e ver se lá a encontro.
— Eu apostaria em ir caminhar na praia, a manhã está linda e fará calor de trinta e três graus, segundo meteorologia, o que é normal para o mês de fevereiro.
— Pelo sim, pelo não, farei as duas coisas. Vou caminhar na praia agora mesmo.
— Devo ir junto?
— Acho que não.
— Vá! Ficarei arrumando o apartamento, ainda é cedo.
Uma hora depois retorna decepcionado. Francine lhe pergunta:
— E daí, como foi?
— Nada, caminhei uma hora e simplesmente nada aconteceu. Como eu digo sempre, ainda não sei como isso funciona, mas hei de descobrir.
Passaram o resto do dia, como tantos outros, e, à noite, passava das vinte e uma horas, quando ele disse:
— Bem, vamos tentar no cassino.
— Devo ir com você querido? Ou prefere ir sozinho. Quero lembrá-lo que no sítio estava acompanhado e tudo funcionou.
— É acho que pode ir junto, vamos aproveitar e jantar antes em um restaurante qualquer.
Eles que até então, não mais haviam ido ao cassino, não sabiam que ele não funcionava na temporada de veraneio, pois era uma casa clandestina, e nessa época havia muitos veranistas, o que tornava arriscada as atividades. Logo após o jantar se dirigiram a casa, e com surpresa ela estava fechada, apenas o bar de fachada estava aberto.
Ele se dirigiu ao mesmo atendente, que o reconheceu e ele perguntou:
— A que horas abrirá a casa dos fundos?
— Está de recesso, não funciona durante o período de veraneio.
Decepcionados retornaram ao apartamento e foram assistir televisão. Estava sendo exibido um filme antigo, daqueles que ocupam as madrugadas. Francine logo adormeceu sentada no sofá, Marçal a pegou delicadamente e a levou para o quarto.
deitou-a carinhosamente e retornou a sala para e continuar a assistir o filme.
De repente ele se viu não mais assistindo o filme, foi tomado de uma súbita sensação de silêncio. Não havia o menor ruído nas ruas. O silêncio era tumular. Parecia que não mais estava em seu apartamento, lembrou da estranha ocorrência que tivera na praia no inverno passado e instintivamente olhou para o ambiente. E então uma visão estranhíssima surgiu a sua frente. Nela via um homem, jovem perambulando por ruas estranhas, parecia que era em outro lugar fora do Brasil. À forma construtiva das casas eram diferentes do convencional, casas modernas entre casas extremamente antigas e mal conservadas. O jovem catava lixo e de vez em quando comia alguma coisa que encontrava. A dama do cassino apareceu e apontava para o jovem mendigo.
Tentou falar, mas foi em vão, ela parecia que não o ouvia, a comunicação não se estabeleceu. Logo ele passou a ver um homem idoso que falava ao telefone, parecia irritado em um momento e em outro parecia se divertir ao falar, pois gargalhava. De repente tudo voltou ao normal, o filme na televisão, continuava e ele sentado no sofá a assisti-lo. Logo o sono veio e ele foi deitar.
Na manhã seguinte:
— Como é senhor não vai acordar hoje, o café já está servido — disse Francine sacudindo-o.
Levantou ainda sonolento, lavou o rosto e sentou a mesa.
— Sabe querida aconteceu ontem logo após tê-la levado para a cama. Mas não entendi nada, a dama do cassino apareceu e apontava para um homem jovem que catava lixo em uma estranha rua, comia o que encontrava. Depois vi, com a máxima nitidez, um homem velho que telefonava bravio e depois gargalhava ao telefone. Não sei o que isso significa.
— Sabe querido tudo deve ter fundamento, apenas não sabemos interpretar as visões que você teve. Analisemos, a dama era a mesma, o rapaz mendigo em um lugar estranho, um velho falando ao telefone. Tudo isso quer dizer alguma coisa, o que será?
— Se ela apontava para o jovem mendigo e que quer que eu o busque em algum lugar que se encontre. Mas o velho, o que tem o velho a ver com isso?
— Vamos procurá-lo.
— Por onde começamos? Os jornais, sim, os jornais.
— Aqueles que noticiaram a morte dela. Vou buscá-los.
Logo Francine vem trazendo as cópias dos jornais.
— Veja aqui! Ela era filha de um importante empresário do ramo metalúrgico. O nome dele é Rodrigo Salzano.
— Isso é o suficiente para buscá-lo na internet.
Consultaram a WEB, e lá estavam todos os dados das organizações Salzano.
— Aqui está o endereço do centro administrativo do grupo, com certeza ele será encontrado neste endereço — disse Francine.
— Vamos à Porto Alegre, hoje mesmo.
— Concordo não quero perder tempo, poderá ser importante para o caso.
— Não devemos esquecer que faz mais de dois anos que a dama se suicidou.
Chegaram ao edifício onde estava instalada a sede administrativa das organizações Salzano.
Dirigindo-se a recepcionista, Francine disse:
— Bom-dia! Por favor, nos gostaríamos de falar com o senhor Rodrigo Salzano.
— A quem devo anunciar?
— O Casal Marsal Medina e Francine.
— Aguardem, por favor, que vou anunciá-los.
Alguns minutos de espera.
— O Senhor Rodrigo, quer saber qual é o assunto, pois pode não ser com ele que querem falar.
— Diga que é sobre Melissa Salzano.
A recepcionista retornou minutos depois e disse:
— Por favor! Aguardem alguns minutos que ele os vai atender. Ele pediu que preenchessem o cadastro de visitantes, com nomes, endereço e telefones.
No escritório do senhor Rodrigo:
— Há deve ser cobrança de dívida de jogo clandestino, vou armar uma cilada para eles. Assim, pensando, ligou as câmaras que cobriam toda a área do escritório e ligou o gravador de áudio.
— Pode mandar que subam ao meu escritório — disse à recepcionista pelo interfone.
— Sigam-me, por favor — disse a recepcionista.
Ao entrarem na sala, Marsal pode ver o homem velho que havia visto em aparição, era realmente o pai de Melissa, escondeu a surpresa e se apresentou:
— Bom-dia! Sou Marsal Medina e esta é minha esposa Francine.
— Bom-dia! Por favor, sejam breves, digam logo o que os trouxe aqui, não tenho tempo a perder.
Marsal vacilou e disse:
— Não sei nem como começar, mas é da maior importância o que lhe tenho a dizer.
— Minha filha está morta, não sei o que de tão importante o senhor tem a me dizer. Mas, fale que o tempo urge e os compromissos são sempre inadiáveis.
Francine tomou a palavra e disse:
— Senhor Rodrigo! Meu esposo tem visões espontâneas com os mortos, e ele teve uma visão com a sua filha, embora nunca a tenha conhecido.
— Hora! Façam-me o favor, eu tenho mais o que fazer, do que ouvir bobagens dessa natureza.
Marsal intervém dizendo:
— Esperávamos que nos ajudasse a interpretar o que ela quer. Apenas isso.
— Bem! Vamos, conte para que veja se lhe posso ajudar.
Marsal Medina (O Caiçara), conta como fora a última visão, de um rapaz esfarrapado em uma rua estranha a catar lixo para se alimentar e que ele, Senhor Rodrigo, apareceu na visão como é sem que ele o tivesse visto seque uma única vez.
— O homem ao ouvir o relato, parecia que iria desmaiar. Ficou branco como uma cera, teve de ser ajudado por Francine que lhe serviu um copo com água.
Recuperado do susto, voltou à frieza com a qual os recebera e disse:
— Sou um homem de negócios e não tenho tempo a perder com alucinações, como essa que acaba de contar. — falou com aspereza e indignação — Passem bem e deixem-me trabalhar. Não os posso ajudar.
Levantou, abriu a porta do escritório e disse:
— Passem bem.
Fechou a porta, logo em seguida, nervoso que ficara, sentou a mesa de trabalho e pensou:
— O que será que eles sabem, faz mais de dez anos que enviei o rapaz para Holanda. Será que ele está de volta e os contratou para me vigiarem? Não, não pode ser! O rapaz desapareceu muito antes da Melissa se suicidar. Esta é uma ameaça que paira sobre a minha cabeça. Como me arrependi de ter feito isso, se pudesse encontrar o rapaz, trataria de redimir-me. A final, após o seu desaparecimento minha filha passou a ter comportamento estranho e irresponsável. Eu estava errado em querer dirigir o seu destino.
Colocou a mão sobre o peito, sentira os sinais evidentes de uma angina. Algo o estava estrangulando, tossiu, sentiu uma forte dor no braço esquerdo que lhe correu até a carótida. A dor no peito, foi o terceiro dos sintomas de pré-enfarto. Chamou a secretária pelo interfone e logo foi conduzido ao hospital.
Já fora do prédio, saindo do estacionamento:
— Viu como ele passou mal quando você contou o que havia visto em sua visão — Disse Francine.
— Pelo jeito ele tem alguma culpa em algo que aconteceu.
— Sim, mas ficamos na mesma.
— Vamos analisar com mais calma tudo o que aconteceu — disse Francine. Eu pude observar o semblante quando falava ao telefone com veemência e que depois começou a gargalhar. Nesse momento é que ele quase desmaiou.
Os dias passaram calmos, parecia que não haveria solução para o caso de Melissa, até que três meses depois o telefone tocou.
— Alo! É Francine.
— Bom-dia! Aqui é do escritório do doutor Rodrigo Salzano, poderia falar com o senhor Marsal Medina?
— Alo é Marçal falando.
— Senhor Marçal, vou transferir a ligação para o doutor Rodrigo Salzano.
— Rodrigo! Bom-dia. Senhor Marçal. Inicialmente quero lhe pedir desculpa pelo modo com que o tratei quando aqui esteve. E solicitar que o senhor me procure novamente, acredito no senhor e quero saber mais sobre o que tentou me dizer.
— Pois não, Doutor Rodrigo! Estarei aí amanhã sem falta.
No dia seguinte:
— Senhor Marçal, dona Francine. Queiram receber meu pedido de desculpas, pela vez anterior. Na verdade, eu estava preparado para receber um casal que possivelmente tinham vindo para cobrar alguma conta de jogo de minha filha Melissa. Cheguei até agravar e filmar vocês. Depois pensei e vi que tudo o que havia dito era coerente e que eu tinha de assumir os meus erros.
Peço que conte novamente com todos os detalhes possíveis as suas visões.
O Caiçara olhou para aquele homem, não parecia o mesmo que, os recebera anteriormente, sua soberba e arrogância haviam dado lugar a uma intensa melancolia seguida por uma não menos atuante humildade.
Marçal contou detalhadamente, toda a história relativa à Melissa Salzano, a visão na praia, as visões que tivera por duas vezes no cassino clandestino e finalmente a última visão, onde aparecia um jovem mendigo. Logo o silêncio se instalou no ambiente.
Rodrigo cabisbaixo que estava, ergueu a cabeça e falou:
Namorei e casei com a mulher que escolhera para esposa, eu a amava e era correspondido, tinha na época do casamento, trinta e um anos, ela tinha vinte. Ela ficou grávida logo no início do casamento, a gestação foi de alto risco e quando Melissa nasceu ela se foi.
Passei a dedicar minha vida inteiramente ao trabalho e a minha filha.
Minha irmã serviu-lhe de mãe, condignamente, assim Melissa cresceu com muito amor e carinho. Quando ela tinha apenas dezessete anos, namorou um rapaz que trabalhava em uma de minhas fábricas, como engenheiro mecânico. Eu não queria o rapaz como genro, queria alguém melhor, para Melissa. Por isso, resolvi livrar-me do rapaz. Enviei-o à Holanda para fazer compras, e contratei dois homens para assaltá-lo e deixá-lo vestido como mendigo, sem dinheiro, se documentos, em fim sem rumo. Ele chegou a me telefonar, eu lhe disse alguns desaforos e ri do estado em que ele se encontrava.
Essa conversa é que o senhor viu em sua revelação. Tudo o que fiz foi em vão, melissa se formou, e começou a trilhar caminhos estranhos, começou a jogar e jogar, perder somas absurdas, até que se suicidou como o senhor viu em sua visão.
Depois da morte de Melissa eu fui a Holanda procurar Erioneto, procurei-o entre todos os mendigos de Amsterdam e não o encontrei. Quisera me responsabilizar e me redimir por tudo o que fiz ao rapaz, mas não consegui. Confesso que fui
egoísta e insensível na época. Por isso eu acho que o senhor em suas visões poderão encontrá-lo para mim.
— Muito interessante, mas acontece que as visões, acontecem, sendo que eu não sei como provocá-las, ao menos por enquanto. Mas acredito que em breve poderei ter outro encontro com Melissa e ela provavelmente me ira informar onde está o rapaz.
— Ficarei esperando noticias suas.
Passaram-se alguns dias sem que as visões recorrentes surgissem, até que certa manhã o caiçara vai caminhar na praia, pela manhã enquanto Francine preparava o almoço. Estava nas imediações onde tivera a visão em que Melissa adentrava no oceano. De repente abriu-se a sua frente uma visão, onde estava Melissa apontando para um rapaz que entrava em um estabelecimento. Era um edifício grande, agradável à vista, com dois andares, telhado de lousa, com grandes manchas amarelas de líquens nas paredes cinzentas. Na fachada do grande prédio podia ser lido Roelland Engineering & Contracting...
Tratou de decorar ao menos o primeiro nome, pois os outros dois podia ver que se tratava de engenharia e contratações. Mas por vias das dúvidas escreveu na areia tudo o que via.
— Alo é o senhor Rodrigo? Aqui fala Marçal Medina, o rapaz pode ser encontrado na empresa Roelland Engineering & Contracting..., provavelmente na Holanda.
— Grato senhor Marçal, tomarei minhas providências para reparar minhas ações.
Já sozinho em seu escritório, contemplou durante alguns momentos, o retrato de sua filha, quando tinha quinze anos, trêmulo, convulso; o seu cérebro girava sob a ação de mil pensamentos incoerentes.
— Como Erioneto o receberia? Furioso, agressivo, não o deixaria explicar o porquê de sua presença.
Corou até a raiz dos cabelos, balbucia algumas palavras, fica tonto e confuso. Depois, cria coragem e, vencendo a vergonha, chama a secretária e lhe diz:
— Reserve uma passagem para Amsterdam na Holanda, partirei o mais breve possível.
A reserva fora feita para o dia seguinte. À noite, acordou, sentou-se empertigado na cama, o suor pingando do corpo torturado, enquanto onda de náusea culpa e arrependimentos rolavam sobre ele como um maremoto surreal.
O médico foi chamado e a causa do mal estar seria uma recorrente angina, a qual já o tinha levado a uma internação anterior, não poderia sofrer qualquer tipo de emoções fortes, se quisesse ter uma vida mais longa. Viajou assim mesmo, levando consigo medicamentos para serrem usados em caso de uma nova angina.
Já em Amsterdam, a noite, apesar de morna, não começou tão bem. Sentia um ardor no peito e uma dor ardida lhe corria do braço esquerdo até a carótida. Reagiu à dor lancinante, tinha de encontrar Erioneto, nem que fosse a última coisa que fizesse em sua existência. Tomou os medicamentos e repousou.
Naquela noite, Rodrigo dormiu aos sobressaltos, pois as imagens continuavam a golpeá-lo como ondas implacáveis contra um rochedo.
Pouco antes do nascer do sol, por fim, levantou, entorpecido, à deriva num mundo subitamente sem significado.
— Se aprendi uma coisa na vida, foi que usar a violência para resolver um problema sempre cria um problema ainda maior — pensou.
Respirando fundo soltando o ar lentamente, acalmou-se.
Pegou o envelope que trouxera na mala, olhou-o e o colocou no bolso do casaco.
Tomou um táxi no estacionamento do hotel e disse em inglês ao motorista, alcançando-lhe um pedaço de papel. Leve-me nessa empresa. O homem pegou o papel, olhou atentamente e respondeu em inglês.
— Essa empresa é muito grande, tem várias sedes, posso levá-lo a sede de Amsterdam.
— Faça isso por favor.
O veículo andou por grandes rodovias e auto-estradas, até estacionar a frente de um grande prédio. Logo Rodrigo o reconheceu pela descrição que lhe fizera Marsal.
— É aqui mesmo, muito obrigado.
Desceu, pagou a corrida, embora fosse um homem experiente e a costumado a fortes emoções, se encontrava frágil e assustado com fosse um adolescente a enfrentar o pai da primeira namorada. Nesse estado de torpor, dirigiu-se a secretária e falando em inglês lhe disse:
— Estou procurando o senhor Erioneto.
— A quem devo anunciar?
— Rodrigo Salzano — alcançando-lhe um cartão de visita.
A secretária pegou o cartão e se dirigiu a um dos escritórios.
— Com licença Doutor Erioneto — Alcançando-lhe o cartão — este senhor está a sua procura.
— Erioneto pegou o cartão e leu mentalmente — Rodrigo Salzano o homem que fora seu algoz, que o sujeitou a comer do lixo e a perambular como um mendigo por dois anos, pelas ruas de Amsterdã. O que quereria, o que pretenderia. Não o receberei, não será bom para eu vê-lo, talvez não me contenha e o agrida.
— Mande-o entrar — respondeu à moça.
— Por aqui, por favor.
Ela abriu a porta do escritório e convidou-o a entrar. E, logo fechou a porta as suas costas.
Erioneto estava ali a sua frente e de costas para ele. Certamente não o queria ver.
— Erioneto! Não sei devo dizer, mas asseguro-lhe que estou arrependido de tudo que fiz a você e a Melissa.
egoísta e insensível na época. Por isso eu acho que o senhor em suas visões poderão encontrá-lo para mim.
— Muito interessante, mas acontece que as visões, acontecem, sendo que eu não sei como provocá-las, ao menos por enquanto. Mas acredito que em breve poderei ter outro encontro com Melissa e ela provavelmente me ira informar onde está o rapaz.
— Ficarei esperando noticias suas.
Passaram-se alguns dias sem que as visões recorrentes surgissem, até que certa manhã o caiçara vai caminhar na praia, pela manhã enquanto Francine preparava o almoço. Estava nas imediações onde tivera a visão em que Melissa adentrava no oceano. De repente abriu-se a sua frente uma visão, onde estava Melissa apontando para um rapaz que entrava em um estabelecimento. Era um edifício grande, agradável à vista, com dois andares, telhado de lousa, com grandes manchas amarelas de líquens nas paredes cinzentas. Na fachada do grande prédio podia ser lido Roelland Engineering & Contracting...
Tratou de decorar ao menos o primeiro nome, pois os outros dois podia ver que se tratava de engenharia e contratações. Mas por vias das dúvidas escreveu na areia tudo o que via.
— Alo é o senhor Rodrigo? Aqui fala Marçal Medina, o rapaz pode ser encontrado na empresa Roelland Engineering & Contracting..., provavelmente na Holanda.
— Grato senhor Marçal, tomarei minhas providências para reparar minhas ações.
Já sozinho em seu escritório, contemplou durante alguns momentos, o retrato de sua filha, quando tinha quinze anos, trêmulo, convulso; o seu cérebro girava sob a ação de mil pensamentos incoerentes.
— Como Erioneto o receberia? Furioso, agressivo, não o deixaria explicar o porquê de sua presença.
Corou até a raiz dos cabelos, balbucia algumas palavras, fica tonto e confuso. Depois, cria coragem e, vencendo a vergonha, chama a secretária e lhe diz:
— Reserve uma passagem para Amsterdam na Holanda, partirei o mais breve possível.
A reserva fora feita para o dia seguinte. À noite, acordou, sentou-se empertigado na cama, o suor pingando do corpo torturado, enquanto onda de náusea culpa e arrependimentos rolavam sobre ele como um maremoto surreal.
O médico foi chamado e a causa do mal estar seria uma recorrente angina, a qual já o tinha levado a uma internação anterior, não poderia sofrer qualquer tipo de emoções fortes, se quisesse ter uma vida mais longa. Viajou assim mesmo, levando consigo medicamentos para serrem usados em caso de uma nova angina.
Já em Amsterdam, a noite, apesar de morna, não começou tão bem. Sentia um ardor no peito e uma dor ardida lhe corria do braço esquerdo até a carótida. Reagiu à dor lancinante, tinha de encontrar Erioneto, nem que fosse a última coisa que fizesse em sua existência. Tomou os medicamentos e repousou.
Naquela noite, Rodrigo dormiu aos sobressaltos, pois as imagens continuavam a golpeá-lo como ondas implacáveis contra um rochedo.
Pouco antes do nascer do sol, por fim, levantou, entorpecido, à deriva num mundo subitamente sem significado.
— Se aprendi uma coisa na vida, foi que usar a violência para resolver um problema sempre cria um problema ainda maior — pensou.
Respirando fundo soltando o ar lentamente, acalmou-se.
Pegou o envelope que trouxera na mala, olhou-o e o colocou no bolso do casaco.
Tomou um táxi no estacionamento do hotel e disse em inglês ao motorista, alcançando-lhe um pedaço de papel. Leve-me nessa empresa. O homem pegou o papel, olhou atentamente e respondeu em inglês.
— Essa empresa é muito grande, tem várias sedes, posso levá-lo a sede de Amsterdam.
— Faça isso por favor.
O veículo andou por grandes rodovias e auto-estradas, até estacionar a frente de um grande prédio. Logo Rodrigo o reconheceu pela descrição que lhe fizera Marsal.
— É aqui mesmo, muito obrigado.
Desceu, pagou a corrida, embora fosse um homem experiente e a costumado a fortes emoções, se encontrava frágil e assustado com fosse um adolescente a enfrentar o pai da primeira namorada. Nesse estado de torpor, dirigiu-se a secretária e falando em inglês lhe disse:
— Estou procurando o senhor Erioneto.
— A quem devo anunciar?
— Rodrigo Salzano — alcançando-lhe um cartão de visita.
A secretária pegou o cartão e se dirigiu a um dos escritórios.
— Com licença Doutor Erioneto — Alcançando-lhe o cartão — este senhor está a sua procura.
— Erioneto pegou o cartão e leu mentalmente — Rodrigo Salzano o homem que fora seu algoz, que o sujeitou a comer do lixo e a perambular como um mendigo por dois anos, pelas ruas de Amsterdã. O que quereria, o que pretenderia. Não o receberei, não será bom para vê-lo, talvez não me contenha e o agrida.
— Mande-o entrar — respondeu à moça.
— Por aqui, por favor.
Ela abriu a porta do escritório e convidou-o a entrar. E, logo fechou a porta as suas costas.
Erioneto estava ali a sua frente e de costas para ele. Certamente não o queria ver.
— Erioneto! Não sei o que devo dizer, mas, asseguro-lhe que estou arrependido de tudo que fiz a você e a Melissa.