O DESAFIO DO SÉCULO 21

Pobre de mim, que como escriba, nada mais sou que um andarilho largado no mundo, cumprindo permanente condenação ao pensar. Quando em vez, a célula permite algum vislumbre estético capaz de ser entendido pelo receptor. Ainda bem que alguns destes são pessoas muito especiais.

Vive-se a sociedade-espetáculo, massiva, globalizante, que desliza nos jardins do sucesso pessoal à cata de, primordialmente, efeitos financeiros. Como é sabido, o dinheiro é a mola do mundo. Não há necessidade de estudar ou exaustivamente ler; basta afinar o discurso, dizer e/ou fazer com talento o que e como a massa deseja recepcionar e conviver.

Bem, este fato nunca foi novidade (no decorrer dos séculos) para eventuais consagrados líderes no mundo, mas o que se tinha de dizer era feito a olhos e ouvidos atentos, pavios acesos em estádios monumentais e/ou em praça pública, sempre auxiliados, nos últimos setenta anos, por uma parafernália de aparelhos sonoros de alta potência e de razoáveis dimensões, mercê do alto custo.

No entanto, no atual estágio, o da pós-modernidade líquida – lembrando a verve sócio-político-filosófica de Zygmunt Bauman – o espraiamento das ideias corriqueiramente ocorre nos quintais da virtualidade, com aparelhos de uso portátil, e, da geração até a ponta da cadeia de transmissão com dispêndio financeiro suportável, frente à possibilidade de se tornar imorredouramente rico, num curto lapso temporal.

Num átimo, um “comando” minimamente conhecido, que se autoproclama “criador de conteúdos” coloca milhões, dezenas, centenas de milhão e até bilhões de internautas acantonados nos mais variados rincões do planeta, frente ao monitor de um computador, o qual, num clique, ganha cor, movimento, harmonia, melodia, palavra-convite a incandescente imagística em tempo real.

E tudo se transmuta, a um passe de mágica, num paraíso reprodutor de encantamentos. Se o conteúdo "viralizar" nas plataformas e redes sociais, o mago escrevinhador e sua equipe de bem-dotados, produtora de relatos imediatistas, está feito: alçou-se ao altar dos ícones.

De somenos, milhões de seguidores estarão ávidos de sua abençoada palavra e a partilha material havida concelebra-se em rasgos de perenidade, nunca se sabendo até quando.

Todavia, continuo deixando surdas pegadas na areia. Nem a voz potente do mar revolto ressoa com alguma relevância. É bem verdade que por vezes a ostra se abre e me surpreende a pérola esteticamente valiosa.

No fazer poético, por vezes obtenho algum sucesso e consigo amealhar palavras para tentar traduzir algum destes laivos de tormentosa inventiva. Nunca me achei "magnífico", que é um adjetivo tão formoso, sonoro e de extraordinário significado. Este sentir tem o poder relevante das Nereidas ou Netuno e, em alguns momentos de fruição, sobrenada – pacífico – os meus remansos interiores.

Noutros memoráveis instantes permaneço me debatendo no mar revolto, sem equipamento de mergulho. Ainda bem que sei, teimosamente, boiar, manter-me na superfície, economizando movimentos, músculos, palavras.

Tudo para que a palavra viva continue a ter importância e novas ideias possam imantar o indivíduo a fazer suas escolhas. E direito de expressão continue a ser estandarte presencial de luta sobrepairando a realidade para o constante aperfeiçoamento espiritual do humano ser.

MONCKS, Joaquim. O CAOS MORDE A PALAVRA. Obra inédita em livro solo, 2022.

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