O CONTEMPORÂNEO E O NOVO NA LITERATURA MARANHENSE
"O contemporâneo é o intempestivo"
_ Friedrich Nietzsche
Após mais uma marmota literária produzida nos limites do muro provincial da Literatura maranhense e de São Luís, me dediquei a escrever não uma crítica ácida, ofensiva ou sem bom propósito, mas uma análise sobre essa "novilíngua" erigida pela vontade institucional daqueles que acreditam ter boas intenções pela Literatura nascente (e deveriam ter) modificando por fina força o sentido da palavra "novíssima" e do termo "contemporâneo".
Ora, se fosse responder a esta questão, sobre o que é ser contemporâneo, diria que não é nem uma época, mas uma posição de quem observa e precisa estar distante.
E faço esta tentativa de ensaio, convidando mais reflexões, por entender que nosso tempo na Literatura é complexo e sofre de uma carência discursiva que não pode mais ser reservada aos meios acadêmicos, senão ao próprio cotidiano da experiência que se expande e se distancia para longe e, somente nesse intervalo, se torna visível à nossa observação.
O contemporâneo, ao menos na Literatura maranhense, se quer um recorte de um tempo saudoso que não se rende e não quer se render. Ele é resistente e tem aversão ao novo. Possui muito do narcisismo e de uma ojeriza a esta "novíssima" face que busca seu lugar ao sol e a tudo que ameace seu projeto de "sobrevivência". Seria possível que os ofuscados de ontem sejam os "tranca rua" de hoje? Os obstruidores da novidade? Não cremos!
O "contemporâneo literário" tem sido na verdade um pacto que reúne uma frágil base teórica e poética com um forte aparato institucional. São padrinhos e afilhados. São uma famiglia que trafica não o azeite e o ópio, mas a própria força transformadora da palavra, mantendo-a por lucros individuais e louros ao ego.
Mas longe de criticar e se desiludir com círculos fechados, penso ser importante compreendê-los, penso ser necessário utilizar outras ferramentas para estudar sua relutância e seu medo irracional: o medo de não "estar" mais; e daí o faça uma espécie de "controlador" do que é e vem a ser. E é nesta empatia e reconhecimento, pelo respeito a "um tempo", que ao menos tento este ensaio.
O "contemporâneo" literário maranhense - já o disse - é um monumento ciumento que se sobrepõe com o artifício midiático dos dispositivos de poder, e neste caso, o dispositivo da palavra, institutos que se presumem ter o autêntico direito ao discurso.
Majoritariamente misantropo e - gosto sempre de lembrar - provinciano, o "dispositivo da palavra" se pretende um crivo de controle do que é dito. A não ser por ele, nada é visibilizado, nada acontece. Ele próprio é um acontecimento par excelence, é a manutenção de um simulacro da eternidade: da eternidade literária.
Como a mulher de Ló, ele não aceita sair do lugar para habitar outro. É sedentário, não desenvolve o motor do saber, da arte poética; não incentiva qual um mecenas a produção de onde seria a mestra e guardiã; não se esforça e, se puder, desestimula a criação e a novidade da palavra. Ela também tem um outro propósito: quer o próprio sacrifício ante a destruição de seu ciclo, nem que seja de longe tornado-se pedra de sal. Quer-se um monumento a meio caminho. Se pudessem, até, fariam estátuas de si mesmo em vida para terem a certeza de que seria assim após seu final. Sabem que o esquecimento é pior que a morte. No que não há uma propensão pelo dizer mais, mas pelo eco do seu próprio dizer. Querem instaurar a sua época como a época a ser preservada no museu de sua própria gente. Mas ninguém vai entrar para ver. Ninguém verá seus papéis rotos. Como todo museu, será apenas um museu de tentativa do belo, pois a beleza já se pode inferir daqui. Mas, como um mausoléu, é preciso construir agora. "Sim, seremos imortais e imortalizaremos a vaidade do nosso círculo e de nossas palavras sem vida". Aliás, as palavras só tem vida quando tocam em uma alma as emoções. Muito antes tivessem feito uma sociedade secreta, o legado seria muito melhor e muito mais proveitoso, apenas entre os seus.
Esta tentativa de ensaio não deseja ser um ataque, senão uma reflexão de um jovem poeta (ao menos acho que sou jovem, pois tenho 33 anos. O poeta fica para a posteridade) que se encontra calejado ante vários intentos e esperanças de ver acontecer o grande dia em que a Literatura de ontem, de hoje e do futuro hão de ser contemplados no Maranhão. E para isso, precisamos nos mobilizar no agora.
No entanto, de minha experiência, digo que nada se deve esperar do poder público, nem das instituições que, esquecendo seu papel de promotoras da escrita, se fecharam a ser uma organização de padrinhos e apadrinhados. Pois para ser poeta em São Luís você deve - ao menos é o que demostram - fazer parte deste conclave, donde se vê muita coisa, menos uma esperança de acolhimento e promoção das novas gerações de escritores. No que a iniciativa individual e de grupos compromissados com a Literatura e sua manutenção atraindo mais e mais jovens talentosos escritores se faz necessária; bem como incentivar essa permanência de produção criativa da palavra.
Muito me entristece a não contemplação daquilo que fui vítima. 'Sempre' escrevi e desde que me reconheci no meio da produção escrita, jamais vislumbrei qualquer incentivo ou apoio, seja moral ou econômico do poder público para continuar a produzir. Entendo que o desprezo pela produção escrita e pela Literatura em suas mais diversas vertentes é a derrocada de qualquer sociedade e sua ruína antecipada. Que sociedade sobrevive sem cultura? Que memória e base dialética se ensinará às crianças? Que referências da palavra que cria mundos e promove a arte se poderá disseminar sem cultivar isso agora?
A verdade é que a Literatura no Maranhão tem sido um palco de guerra por visibilidade de egos, por quem mais aparece nos holofotes midiáticos, nos prêmios literários, nas academias, nas menções honrosas sempre e quase sempre pelo mesmo círculo de pessoas que decidem quem escreve e quem não escreve, sendo assim uma relação de poder excludente onde as novidades nunca ou quase nunca despontam. Num vicioso desejo de continuar, típico da síndrome de Peter Pan impregnada na frágil engrenagem literária que, como um cão, persegue o seu próprio rabo como fim, o seu próprio brio e sua autogratificação. E isso ocorre pela ausência e imparcialidade da gestão pública em sua negligência da arte poética como algo marginal, quando não ocorre em suas redomas e eixos mais circunscritos.
Longe de trazer uma acidez improdutiva e denunciar uma "exaltação de compadres", me coloco diante de uma reflexão para mostrar inclusive empatia e compreender um tempo de efervescência literária que capitulou de seu papel: o de romper com o autoritarismo político e a exclusão literária de "seu tempo", promovido pelo círculo acadêmico ligado à burguesia local. E parece que a burguesia venceu e restou decadente a proposta vanguardista contra aqueles ditames.
A literatura maranhense teve e tem seus ciclos ligados ao cenário nacional por muitos séculos e reconhecido por sua representação ímpar na prosa e poesia. Me parece haver, de uns tempos pra cá, uma espécie de rivalidade ou 'cisume' entre Caxias e São Luís - um ponto que pode ser motivo para outro artigo - e que tem guarnecido narcisos em muitos embates (ridiculamente desnecessários) literários nos bastidores. Cito essa observação, pois também entra nesse assunto do que seja uma "poesia contemporânea", já que a "novíssima" existente deve ficar para a posteridade quando seus baluartes estiverem com 40 ou 50 anos - pois o "novíssimo" deveria ser isso que há, que surge de repente, e encanta com sua escrita criativa. Não o que já foi e quer se perpetuar como busto vivo de um passado não tão recente.
De sorte que recorri a uma leitura de Giorgio Agamben para discorrer com mais propriedade sobre isso que se chama "contemporâneo", e o contemporâneo literário. Trata-se de seu ensaio "O que é o Contemporâneo?" no qual cita a frase de Nietzsche da introdução e que dá, inclusive, uma justificativa a esse saudosismo de uma corrente de artistas, ex-críticos de uma ordem da qual hoje fazem parte e contribuem para seu projeto excludente.
A contemporaneidade, segundo Agamben, é um distanciamento da atualidade para entendê-la. Portanto ela não é o próprio presente e muito menos o que passou. Eu diria, concluindo esta leitura, que seria uma "observação" daquilo que ninguém observa e a exposição deste detalhe. Seria uma espécie de análise a la Freud dessa presença invisível e inconsciente de um movimento carente de atenção e que ainda se estrebucha na porta de Atena para alcançar a luz que não lhe mostrou todos os detalhes ao cego público. Seria uma insistência em ficar e ser mais amado, respeitado, conservado e lido. Mas mesmo à força? Seria o fim de sua beleza; a ditadura de sua expressão. E se há alguma expressão e beleza, seria aquela de sua vontade militante e juvenil contra a política autoritária.
É neste voltar-se para "o seu tempo", é neste olhar para trás que a coluna vertebral da contemporaneidade - eu não me refiro às pessoas, mas às instituições que elas formam e que presumem ter o candeeiro para ver na escuridão de seu tempo, não as coisas ao seu redor, mas a si mesmos. O projeto delas é colocar o candeeiro sobre si, pois sabem que logo mais serão a escuridão de uma galáxia se distanciando cada vez mais, no que contextualizo as comparações do artigo com este tempo que só pode ser visto se estiver distante de si mesmo. E é exatamente isso que a proposta não contempla.
No que só observamos, nesta tentativa de fora para dentro na trajetória dos acontecimentos - esta vaidade de círculos que tendem a congelar seu tempo, a sua época, como se ela estivesse em voga. Como se o tempo não passasse e as coisas se dessem sem nenhuma mudança ou novidade.
Compreendo que isso seja uma forma demasiada humana de apossar-se de si; da beleza que foi para não ser lembrança; como um esforço desesperado de não deixar ir e não ser mais (bem shakespeariano, né?). Um medo de passar e não ser memória; um medo de morrer que não se basta só à luta entre Eros e Thanatos no monumento da Poesia. Se prende com todas as forças o tempo como se ele estivesse aqui e se homenageia "o seu tempo", o seu período como se outros tempos não viessem mais e como se ele próprio fosse seu. Se finge que são só sombras passageiras e o seu período é o centro de tudo, tornando a ser, inclusive, "novíssimo", pelo simples fato dele estar ali representado por vestígios, por algumas pessoas e alguns elementos que o fazem resgatável ( e não podemos negar que este desejo seja tão sublime e poético!) com a mesma roupa, com a mesma aparência de novidade que ele - difícil aceitar - já não possui mais