UMA SURTADA E O SEU TACAPE
*Por Antônio F. Bispo
Outro dia fui à uma cidade formalizar pessoalmente uma parceria comercial com uma pessoa indicado por um outro parceiro de negócios.
Como não conhecia a cidade, parei em uma rua pouco movimentada para pedir informações à um senhor que estava em pé à porta da própria casa.
Logo à minha frente estacionou também uma jovem senhora que parecia estar com pressa.
Ela desceu do carro, bateu a porta atrás de si e o travou remotamente com um click na chave em suas mãos.
Não demorou muito para que uma senhora de meia idade saísse esbravejando de dentro de casa, xingando a dona do automóvel parado na frente de sua residência.
Ela lançava ao ar variadas formas de ameaças gratuitas sem nenhum motivo aparente.
A casa dela era bem simples. Não havia garagem e não tinha nenhuma placa de proibição sobre não estacionar naquele perímetro.
Aquela também não era uma rua comercial e a cidade por si só era bem pequena, longe de ocorrer qualquer tipo de congestionamento automotivo por conta de um único automóvel estacionado de forma errada (se fosse o caso).
Fora o meu (que não era da cidade), aquele era o único veículo naquele instante naquela pacata rua.
A senhora entrou dentro de casa (esbravejando), pegou uma vassoura e começou a fazer gestos bruscos, como se fosse bater no carro com tal utensílio.
Como não tinha coragem, se conformava em cutucar os pneus do carro com leveza, presumindo talvez, que qualquer atitude violenta de sua parte pudesse lhe tirar os “direitos” de xingar espontaneamente a dona do carro.
Enquanto girava a vassoura, olhava para várias direções (inclusive para o carro vazio estacionado), batia nos peitos com uma das mãos e dizia:
-Cuidado comigo! Está pensando que eu sou um cão sem dono? A filha de minha irmã que mora na cidade grande acabou de se formar. Virou advogada! Se alguém tentar roubar os meus direitos, eu vou “botar pocando”. Vou meter um processo e vou arrancar um dinheirão pra que aprendam a me respeitar. Agora temos uma advogada na família...
Ela fazia tais injurias como se realmente estivesse protegendo um precioso território diante de uma grave ameaça ou invasão iminente de sua propriedade.
Mas não era. Não havia dolo algum naquele veículo estacionado, nem tão pouco na pessoa que o fizera.
Ela olhou em minha direção e na direção do senhor que me dava informações, bateu duas vezes no chão com a vassoura e soltou um grunhido como se fosse um animal encurralado, prestes a atacar em defesa da própria vida. Em seguida entrou dentro de casa e mesmo assim dava pra ouvir suas intempéries.
Eu me assustei!
Como não conhecia a cidade, me ocorreu que poderia haver diferentes normas de condutas naquele munícipio quanto às leis de transito.
Me ocorreu também que aquele senhor poderia ser igualmente violento e eu poderia estar cometendo um “crime” estacionando em frente à sua calçada.
Imediatamente falei:
-Desculpe senhor, estou incomodando? Já estou de saída...
Ele vendo minha aflição no olhar, rio com o canto da boca, se aproximou mais do carro, pôs a cabeça quase dentro do veículo através da janela aberta e disse:
-Não se preocupe. Você não cometeu crime algum! A rua é pública. Eu não sou assim. Esta senhora também não era até outro dia. Depois que sua sobrinha se formou em direito, ela vive à agredir verbalmente quase todo mundo que cruza o seu caminho, como se todos ao seu redor passasse de uma hora pra outra e infringir seus direitos civis. Agora ela se comporta assim em filas de bancos, lotéricas, correios ou em qualquer lugar que possa haver pessoas pra presenciar o seu showzinho barato. Passou até a alfinetar sem razão a vizinhança. Sempre termina as os agouros ressaltando que agora tem uma advogada na família. Passou a ver delitos onde não existem. Se tornou insuportável desde então. Acha que é a única pessoa no mundo inteiro com parentes “poderosos”. E mesmo se fosse, isso não lhe daria o direito de insultar a quem quer que fosse. Essa sobrinha que ela tanto fala, só veio aqui uma vez quando era criança e nem liga pra ela hoje em dia. Acho que nem sabe que a tia se comporta desse jeito usando-a como ponta de lança para ferir os outros...
Enquanto o sujeito falava me explicando os fatos, a dona do veículo estacionado dobrou a esquina caminhando em direção ao carro, trazendo consigo o seu filho de cerca de 5 anos de idade. Devia tê-lo deixado em algum lugar e fora pegá-lo.
Ao vê-la, a “senhora surtada” aumentou o tom de voz, e começou a dirigir as ofensas de modo direto à dona do automóvel que se aproximava sem nem ter ideia do “crime” que cometera.
Ficou surpresa com tal tratamento. Mesmo não estando errada, decidiu que não valia a pena nivelar a baixaria.
Pôs seu filho no carro, pediu desculpas a senhora, disse-lhe que aquilo não iria mais se repetir e partiu, conferindo pelo retrovisor se não seria atacada pelas costas.
A senhora parecia estar orgulhosa como se tivesse vencido uma grande batalha.
Levantando a vassoura como se fosse um estandarte depois de uma apertada vitória contra um poderoso exército, ela nos olhou de soslaio e disse:
-Aqui é assim....quem se meter comigo vai ter!
Após findado o “duelo”, o vizinho que me dava informações sentiu vergonha alheia e me pediu desculpas como se fosse ele o proferidos de tais asneiras.
Gentilmente me deu as informações que precisava. Agradeci pela gentileza e parti segundos da moça “culpada” que estacionara em minha frente.
...
Assistir àquela cena bizarra e só pude pensar em quão tacanho é o comportamento de certas pessoas.
Aquela senhora parecia mais um ser das cavernas, um Neandertal armado com um porrete primitivo que vê bater à sua porta o Sapiens portando o fogo, a luz o saber...
Confuso e temeroso pela própria existência, essa criatura pré-histórica não pensa em outra solução que não seja a de grunhir e brandir ao ar o seu tacape como forma de intimidação, até por que pensar não é o seu forte.
Toda essa trama que presenciei não durou não durou nem três minutos, apesar de parecer que foram horas.
Era horrendo ver uma pessoa “empunhar uma arma” contra um inimigo inexistente, argumentando ter sofrido ofensas nunca proferida, expondo violações de direitos que nunca ocorrera contra si.
Pior que isso era colocar no meio desse embate maluco a filha de sua irmã, que (aposto) nem saber das asneiras que sua tia vivia à dizer enquanto fazia menção de usá-la como arma em suas guerras imaginárias contra “violações de seus direitos”.
Que lástima!
O pior tipo de pobre é aquele apesar de continuar na pobreza (mental, cultural e financeira), acha que subiu de nível na hierarquia do poder, só por que algum parente ou conhecido seu em algum lugar ou tempo distante fez.
....
Pretendo por meio desse texto e pelos próximos 2 que publicarei depois desse, levar o leitor à um questionamento pessoal sobre quantas vezes usamos nossos títulos e posições sociais (de destaques ou não) para manipular, oprimir ou chantagear os outros. Pior ainda quando usamos terceiros para tal feiura, inclusive quando este último não sabe ou não concorda com tais pirotecnias.
Vendo constantemente situações semelhantes, tenho me questionado todos os dias o quão SAPIENS realmente somos e o quanto fingimos ser.
Pergunto-me sempre como as habilidades sociais e técnicas dos indivíduos tem sido usada para nossa evolução e involução social.
Se uma andorinha só não faz verão, dificilmente um único ser pensante em pleno estado racional poderá fazer muita coisa diante de um grande número de seres que escondem seus medos, perversões, luxurias e ilusões paradisíacas diante (ou detrás) dos deus e dos títulos que portam.
Esse é o TEXTO 1. Me acompanhem nos outros dois e reflitamos juntos sobre isso.
Até breve.
Revejam Sempre Seus Conceitos!
Texto escrito em 15/11/22
*Antônio F. Bispo é graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia.