VOCE ENTENDEU TUDO ERRADO MEU CHAPA!
Uma realidade quem nem todos conseguem digerir!
*Por Antônio F. Bispo
Ano passado reencontrei um amigo que não o via há quase uma década.
Na última vez que nos vimos, eu era evangélico e ele não.
Nunca o importunei a ser, nem ele jamais me insultou pelo meu credo, até por que evitávamos conflitos desnecessários o respeito um pelo outro ia além da crença ou da falta dela.
Ele agora, fiel servidor de uma seita evangélica, falava como se eu ainda fosse e eu não interrompi. Deixei que ele falasse sobre “as maravilhas de deus e as bênçãos de frequentar uma igreja”. Como era deturpada a minha visão no passado sobre essas coisas, assim também era a dele naquele instante. Puder notar, mas não o interrompi.
Ele tagarelou por quase 15 minutos, exaltando as benesses de “servir a deus”. Parecia muito feliz (ou iludido) como um dia eu fora.
Eu dizia apenas: “ahã”; “sei”; “imagino”; “entendo”, “pois é ...”
Ele parecia querer me impressionar contando uma suposta vantagem, que por experiência própria eu sabia não existir.
Foi quando parou de falar e disse:
-Agora fale de você, conte as bênçãos que deus tem feito em sua vida!
De pronto expressei:
-Nunca estive melhor! Ano que vem fará 10 anos que não piso os pés em igreja nenhuma! Foi a melhor decisão que já fiz em toda minha vida. Quem dera eu tivesse feito isso antes!
Ele quase engasgou quando disse isso. Ficou ruborizado. Um misto de ira e espanto. Parecia que tinha levado um soco no estômago. Estava estupefato.
Ele me fitou por alguns segundos, esperando que minha seriedade se transformasse em riso. Achou que era uma piada. Como permaneci com a mesma postura e voz, ele entendeu que não.
Perguntou me então:
-Como isso é possível? Como pode alguém sair da igreja, abandonar a fé e os cargos que deus deu e mesmo assim continuar com saúde, paz, prosperidade e ainda por cima ter uma bela família? Nos dizem todos os dias que quando alguém se desvia da igreja, deus pega aquela pessoa, quebra, amassa, humilha, joga na sarjeta, toma tudo dela, põe nela enfermidades para que ela se arrependa e volta pra igreja. Dizem também que o desviado perde emprego, família, amigos, saúde, bens materiais...falam que a sentença pra quem abandona a casa de deus é severa, principalmente como no seu caso, que ocupava várias funções, que tinha posições de destaque e várias responsabilidades na igreja. Como é que nada disso aconteceu contigo? Agora minha mente agora bugou...
Ao ouvir isso tive vontade de rir.
Ao mesmo tempo tive pena do sujeito, pois outrora já fora como ele, uma criatura amedrontada, que acreditava em todas as baboseiras ditas pelos manipuladores da fé, cujo intuito principal era o de minar a paz, as finanças, a autoconfiança e o tempo útil das pessoas tornando-as frágeis e vulneráveis aos seus desejos profanos ou oriundos de uma profunda ignorância ancestral.
De modo suave eu lhe toquei o ombro e como se quisesse encerrar a conversa, falei-lhe em tom jocoso:
-Pois é meu amigo...quem precisa de diabo pra punir um crente quando ele já tem o próprio deus como inquiridor? Quem precisa de inimigos quando aquele que diz te amar incondicionalmente será o mesmo que te atormentará em vida e ainda te lançará num lago de fogo por toda eternidade caso você não o ame de volta? A descrição que tu fizestes de deus nesse instante não parece ser de um ser divino, mas sim de um ser das trevas. Sei que você apenas está repetindo tudo aquilo que ouvistes e aprendestes naquele recinto porém, no dia em que você parar e prestar atenção em cada coisa que fala à cerca de deus, da igreja e dos líderes religiosos, sua atitude quem sabe seja a mesma que a minha, ou seja, se desligue e saia de fininho... Apenas preste atenção em cada palavra que dizes e nada mais ou então preste atenção naquilo que te dizem sobre tudo que dizem ser sagrado. Compare a eficácia do que se é dito com o aquilo que tem sido feito sobre tais coisas. Anote tudo e guarde para si. O resultado virá por si só ainda sobrou nem que seja uma pontinha de lucidez em sua mente.
O rosto dele parecia demonstrar aflição quando eu disse aquilo. Era como o de alguém que se achava estar em um porto seguro e de repente, com o ascender das luzes, descobriu estar na beira de um abismo, prestes a cair.
Vi que minha forma de expressar minha saída da religião poderia ser prejudicial à seu intelecto de fiel e de imediato tentei mudar de assunto para não abalar a sua fé.
Dei-lhe um aperto de mãos e fiz menção e me despedir. Ele segurou firme a minha impedindo-me a soltasse, olhou fundo nos meus olhos e disse:
-Não! Você não vai sair daqui desse jeito. Você me provoca, me deixa confuso, abala minha fé em deus e depois quer sair sem dizer nada...Isso não vai ficar assim! Me explique com todas as letras por que você tomou essa decisão de abandonar a fé, já que praticamente você cresceu dentro da igreja. Quando você era evangélico, eu tinha você como referência e dizia que caso eu também fosse um dia, queria ser como você e tenho me esforçado pra isso até então. Agora você está aí, com 10 anos que não pisa numa igreja e continua com a mesma integridade caráter e sucesso, tanto é que eu pensei que você ainda fosse crente... Como pode? Não dizem que só quem tem deus de verdade e é dizimista fiel consegue esse nível? Você não é dizimista, não está indo a igreja e continua com a vida boa...Você por acaso fez pacto com o capiroto? Virou maçom? Vendeu a alma pra o que não presta? Conte aí. Tudo o que me disseram sobre quem sai da igreja parece ser mentira!
Nesse ponto (o de fazer pacto com o maligno), eu gargalhei, rsrsr.
Não me contive e ri muito alto.
Me desvencilhei do seu aperto de mão para conter o riso e a lágrima no canto do olho que insistia em rolar depois de tantas risadas.
Ele ficou ainda mais desconcertado, pois não sabia se eu estava afirmando ou negando tais suposições.
Naquele instante eu me vi nele.
O crente abobalhado de 10 anos atrás, que tinha respostas prontas pra tudo quanto é situação de vida, da minha vida e das dos outros. Um especialista em nada que se achava um sabedor de tudo...
Um crente perfeito na forma literal de ser. Um repetidor de falas aleatórias e frases de efeito, colecionadas durantes anos ouvindo “grandes pregadores”, “ungidos” e “grandes profetas de deus”.
Dentro do segmento religioso nunca nos damos conta disso. Somente fora dele é que vemos o qual raso e equivocado era nossa forma de saber. A “sabedoria que vem do alto” como eles dizem, ou seja: a arte de não saber nada e mesmo assim querer ser mestre e instrutor em tudo.
Senti vergonha do meu passado nesse instante o mesmo tempo que ria da situação.
Eu tentei à todo custo evitar o embate, até por que ele confiava em mim e tudo o que eu dissesse seria crucial para sua tomada de decisão à partir daquele momento.
VOCÊ PRECISA É DE CARÁTER, NÃO DE DEUS
(Parte 2 do texto)
Minha ideia não era (e nunca foi) tirar ninguém do seu ambiente religioso, principalmente os mais enraizados e os que não tem condições psicológicas para andar com as próprias pernas, sem o auxílio de sua bolha. Não combato pessoas, combato ideias equivocadas e mentiras ditas de modo proposital e ameaçador pelos “vigaristas de cristo”.
Sei muito bem, que ao deixar “os caminhos do senhor”, a pessoa “perdida” será atacada de todos os lados e se não tiver pulso firme, irá apelar para os piores instintos (na falta de caráter) que o ser humano pode ter. Melhor então que fique lá mesmo, acreditando no seu mundinho de fantasia.
O caminho do ateísmo é um caminho de independência, não tem pastor, conselheiro, não dá pra levar ninguém nas costas e cada um deve assumir suas próprias “cagadas” ou ser reconhecido pelas benfeitorias. Sem deus, sem diabo e sem terceirizar nada. É um mundo de autoconsciência, autopreservação e responsabilidade. Nada de choramingar pelos cantos culpando os outros ou seres imaginários. Nem todos estão prontos pra isso.
Nem todos suportam e voltam atrás, principalmente os que não conseguiram obter lucro com a mesma facilidade que havia dentro das igrejas, que bastava contar uma lorota qualquer em nome de deus e ofertas e mimos de todos os tipos começavam a surgir.
Quem precisa de ovelha é pastor e o melhor lugar fidelizar seguidores (a maioria sem cérebro) é num ambiente evangélico, onde tudo é imposto e nada é questionado. As pessoas não precisam pensar, pois tudo já vem pronto de alguma forma e isso as deixam confortáveis, afinal, se algo der errado, elas não serão responsabilizadas já que deus ou o diabo estava no controle de suas vidas.
No “mundo sem deus”, as coisas são diferentes. Só os fortes sobrevivem e os mais lúcidos e honestos entendem que é preciso descer ao nível de um desonesto religioso para agir feito tal, ao ponto de manipular mentes e destinos de pessoas para obter lucro próprio.
Não queria ver aquela pobre alma penando, levando pancada de tudo quanto era lado e voltando pra o mesmo ambiente hostil, para depois de muito humilhado ser aceito outra vez na “comunidade dos santos”.
Por mais que eu quisesse me desvencilhar, o sujeito queria detalhes, saber de coisas, como se eu fosse algum tipo de sobrevivente de um hecatombe, ou como se eu tivesse sobrevivido sozinho numa ilha deserta com poucos recursos, e apesar do tempo isolamento, ainda estava com a saúde e a sanidade perfeita.
-Conte, conte tudo! Sei que você está omitindo coisas. Eu não irei contar a ninguém o que você me disser. Esse será nosso segredo. Quero saber o que você sabe, para ser como você é!
Eu disse:
-Rapaz...seja você mesmo! Não seja como outra pessoa. Não seja uma cópia. Seja autêntico. Encontre-se. Estude-se. Estude o mundo ao seu redor e acima de tudo pare de tentar lacrar usando frases de efeito usados por figuras da religiosidade, da política ou do mundo da celebridade. Quem as cita parece estar dizendo algo verídico, lacrando, isolando algo ou alguém, quando na verdade só está dizendo a mesma coisa com palavras rebuscadas e pouco usuais. Quem precisa de seguidor é pastor ou quem lucra com redes sociais. Não é o meu caso. Desejo que você seja autêntico e que qualquer decisão que você vier a tomar daqui por diante seja por escolha própria.
Ele me olhou desconfiado e fez a pergunta que eu temia.
Não que eu não soubesse responder, mas era evidente que ali estava uma pessoa em “situação de rua”. Um ser com casa própria mas morava de favor na casa dos outros. Alguém que podendo comer em fartura se alegrava com migalhas. Uma pessoa carente de atenção e aprovação de terceiros para se sentir alguém na vida. Um crente, na sua forma mais pura e integra de ser (no sentido de crer e obedecer sem questionar).
De soslaio, ele disparou à queima roupa:
-Deus não existe, não é mesmo? Fale a verdade! Você não quer me dizer...fale, eu estou pronto pra aceitar. Vindo de você, o que disseres eu acredito!
Mais uma vez eu disse:
-Rapaz...Seja você mesmo, eu acabei de dizer! Se você deixa de acreditar em tudo o que seu pastor diz, pra acreditar piamente em tudo o que eu digo, que diferença isso faz? Você está sendo crente do mesmo jeito. O mundo está cheio de crentes e quanto mais deles, pior o mundo fica! Precisamos de seres pensantes e não de crédulos abobalhados. Um fiel religiosos às vezes pode ser comparado às ondas do mar: por mais que digam que estão firmes como uma rocha, eles são levado pelos ventos e marés e arremessados contra as pedras, areia ou qualquer ser ou objeto que ali estiver. As ondas podem inclusive trazer todo o lixo que uma vez foi jogado no oceano, e a praia que antes era límpida, será um amontoado de sujeiras devido a essas ondas. Assim se compara um religioso que não pensa por si só. Seja um ser pensante. Esse é o princípio daquilo que você está buscando. É isso que estou tentando te dizer.
Ele insistiu com a pergunta (se deus existia) e eu respondi de forma suave dizendo:
-A que deus você se refere? De qual religião? De que povo? Do presente ou do passado? Há milhares deles cultuado mundo à fora desde os últimos 10 mil anos pelo menos. Quando você pergunta se deus é verdadeiro, você não está sendo objetivo! Se explique que eu lhe explico!
Nesse instante seu sorriso se iluminou e como se tivesse entendido “minha jogada” em não dar respostas prontas, ele pareceu por um instante pensar por si mesmo e entender o que eu queria dizer.
Imediatamente, aquele sorriso de “eureca”, como o de alguém que acaba de ter uma epifania tornou-se em um sorriso macabro, semelhante ao do Gato Risonho, aquele do Chapeleiro Maluco, cujo sorriso iai de uma orelha à outra, deixando-o com uma aparência bizarra.
Com esse sorriso medonho no rosto ele esfregou as mãos e disse:
-Já que deus não existe, então quer dizer que eu posso matar, roubar, estuprar e fazer todos os tipos de males que eu não irei pra o inferno…?
Aquele sorriso doentio, aquela pergunta maluca, sua voz e sua postura corporal me fizeram ascender um alerta quanto à percepção de mundo que ele estava tendo naquele instante.
Estaria eu porventura diante de um possível sociopata enrustido? Seria medo do inferno o freio para seus instintos perversos? Por que comemorar daquele jeito a “descoberta” de que deus não existia? Tentei reverter a situação dizendo:
-Cara, você entendeu tudo errado. Ainda que deus não exista, existem leis humanas e há também quem as execute! Sem falar que há também outros fora da lei que irão revidar à medida que se acharem injustiçados. Mesmo um ser justo e compassivo pode perder a cabeça e revidar em casos de abusos e injustiças propositais de pessoas que expressam pensamentos como os que você acabou de expressar. Se você não mata, não rouba e não estupra só por que tem medo do inferno, isso me preocupa. Isso é grave! Isso são falas de um sociopata, não de alguém que praticamente “bebe da palavra de deus” todos os dias. Aconselho que você permaneça onde estar. Continue na igreja fazendo tudo o que o pastor manda e pagando os 10% que ele exige. Nesse caso eu ainda acho pouco. Você deveria pagar 20 ou 30% ao seu pastor e deveria se envolver cada vez mais com a religião. Se deus é o único freio moral que você tem para não cometer crimes, você não é um cristão, você é um psicopata disfarçado. Cedo ou tarde você vai fazer uma besteira grande quando tiver chance ou quando o seu medo de deus for diminuindo. Além da igreja, aconselho que passes a visitar também um psicólogo. O que você acabou de confessar não é saudável!
Ao dizer isso o sujeito retrucou de imediato, e como um cavalo brabo pronto à dar o troco ele disse:
-Não, de jeito nenhum! O que é isso? Quer dizer que você pode se libertar das ilusões e eu não? Isso não pode ficar assim. Se você tem direito de ser livre, eu também tenho! Eu quero ser tão livre quanto você é!
Eu retruquei.
-Rapaz...Não se trata de liberdade. Veja que em momento algum eu falei em cometer estupros, roubos ou assassinar alguém só por que deus não existe. Eu exaltei a dignidade, o respeito e a liberdade do pensamento humano. Eu disse que o ser humano pensante encontrará o seu próprio caminho e deixará de ser escravo dos pensamentos errados que a religião e a sociedade impôs ao longo dos séculos. Você porém, ao “se iluminar”, os primeiros pensamentos que te vieram à mente fora os de destruição e prejuízo aos outros. Como pode? O que é isso? O que é você? O que tem dentro de você? É isso que você está aprendendo na igreja? Para que te serve o evangelho? Você decidiu lembrar apenas das partes ruim da bíblia, foi? Sua maneira de ver o “pós-igreja” me surpreende! Se deus é o único impedimento que te impede de fazer o que dissestes, jamais saia da igreja. Fique lá até o dia de sua morte ou até “Jesus voltar”. A liberdade não é pra você. Até outro dia. Passe bem, fui!
E dizendo isso eu me retirei e segui meu caminho.
Ele tentou puxar conversa mas eu insistir que havia um compromisso urgente (como realmente havia) e não podia atende-lo es que num outro dia, se ele amadurecesse, continuaríamos aquela conversa. Caso contrário, nunca mais tocaria em assuntos religiosos quando o visse.
Como desafio citei como sugestão de leitura, algumas obras do pensamento grego e da filosofia moderna para que sua visão de mundo e liberdade pudessem ser redefinidas.
Saí dali com a estranha sensação de que nem todos os homens “merecem ser livres”.
CONTINUA...
Texto escrito em 22/10/22
*Antônio F. Bispo é graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia.