1992 [ AlexMarq ]

1992

[AlexMarq]

Novembro do ano anterior; mais uma loja, um final de semana, uma viagem, rodovia Mogi-Bertioga, um acidente, um susto, uma discussão, um revólver, correria, três tiros disparados; gritos, choro, um corpo caído no asfalto... Choque, trauma, revolta... Velório do Araçá, sala 1... Indignação, tristeza, esperanças abaladas, decepções a caminhos... Ninguém entende... Ninguém consegue entender...

Discussões, desentendimentos, prazos curtos, muito para fazer, muitas coisas acontecendo... Poucas noites dormidas, pouco alimento no estômago, as narinas inalam o estimulante proibido que mantém acordado...

Festas, reformas, encontros de quem esteve há muito tempo distante... Dúvidas, desconfianças, fofocas, críticas, preocupações, negócios... O valor do dinheiro em detrimento de vida ou saúde... Difamações, humilhações, brigas, ameaças, armas em local acessível...

Um sonho na madrugada... Uma morte não esperada, velório do Araçá, sala 1, uma família inteira vira-se contra uma viúva, sala vazia, paletó azul e gravata florida... Ninguém entende... Ninguém consegue entender...

Desconfianças, descobertas, decepções... Desilusões, desespero, depressão profunda... Psicotrópicos, receitas controladas, receitas proibidas, receitas vendidas... Valium, Diazepan, Dormonid, Bromazepan, Lexotan... Tarja preta porque preta está a coisa, preta está a vida e preta será a esperança de quem se perde... Insônia, descontrole, necessidade de sumir, de fugir, de acabar com tudo... De morrer...

Tristeza, decepção, mágoa, solidão, vergonha... Abandono... No vazio insano de um coração dilacerado pela decepção da vida... o desejo da morte... Cartas escritas... Uma ligação, poucas palavras... Nada dito, nada explicado... Um lençol, um banheiro, um corpo pendurado...

Telefonema, correria, desespero... Uns sabem o que a maioria ignora... A vida se esvai... Ambulância, urgência, reanimação, entubação, UTI, Morumbi, hospital Albert Einstein... Choro, reza e desespero... Esperança e fé em Deus...

Busca, notícia, discussão, briga, agressão... Todos choram e ninguém entende... Fofocas, maledicências, injurias, intrigas, negócios excusos... Tudo escondido... A mórbida vítima de si mesma presa em sua desgraça, enquanto o seu "valor" é disputado entre seus queridos, que buscam seus dólares como ratos que esgueiram-se às portas das despensas em busca de seu alimento...

O amor é novela... A vida é sexo... Viver é deslumbrar-se na podridão da libertinagem aliada a um bom rendimento... Cada um alia-se aos que pagam e oferecem mais... Ninguém é sincero, todos que ajudam buscam usurpar o suficiente...

Brigas e mais brigas... Exigem e exigem, mas não querem pagar o custo... Basta... Chega!!! Três maços de cigarro ao dia, 3 noites dormidas por semana... Insônia... Depressão... Ansiedade... Valor nenhum... Dinheiro algum... Lixo, merda... Incapaz, incompetente, vagabundo... Maria-vai-com-as-outras... Viadinho... Filho de uma puta... Nada... Nada... Nada... E nada... Você não é nem nunca será nada com bolso vazio... Sem bolso é desnecessário querer viver... Pra que viver se for pra levar vida de merda? Se não nasci quadrúpede não posso viver feito cachorro...

Um revólver é só um revólver... Uma máquina como outra qualquer... Um 38 oxidado em preto, cano reforçado e ventilado com três polegadas de comprimento, cabo anatômico, tambor reforçado de 5 tiros... Reforçado para aguentar munição "reforçada"... Hollow-point com anel de cobre... Capaz de criar uma certa pressão na hora do impacto que faz abrir um furo de saída centena de vezes maior do que o diâmetro do furo de entrada... O cão é o martelinho que faz todo esse maquinário funcionar... Próximo à têmpora, ele faz um barulhinho simpático, alto e sonoro: Clic! - Parece até ecoar pelas três polegadas de seu cano gelado encostado na cabeça... No dedo indicador, o gatilho... Capaz de liberar com o mínimo esforço o cão, que detona o projétil de alto poder destrutivo... A cabeça é parte do corpo com maior densidade de sangue... O cérebro é 80% composto de líquidos... O centro da vida e da consciência do ser... Morrer ou continuar vivendo? Está tudo decidido na ponta de um dedo...

O tempo não é nada nessas horas... Uma vida inteira pode, ser repassadas em poucos minutos... Que na verdade, foram poucos segundos... Um simples "clic" e um cano gelado encostado à própria cabeça é capaz de mudar drasticamente o nosso nível de percepção... Partir é ser derrotado na vida por W.O... Todos precisamos de uma prorrogação para vencer nossas dores na vida... A vida foi decidida... Mas não resolvida...

Traições de todos os tipos, mais fofocas, advogados, oficiais de justiça, médicos, escrivões, enfermeiros, promotor de justiça, feiticeiro, delegado, pai-de-santo, pederasta, prostituta, piranha, rampeira e vagabunda... Processo, acusações, depoimentos... Boletins de ocorrência... Decepção... Mais Valium, mais Dormonid porque o sono é questão de poder continuar vivo...

Correr, correr, e correr... Sem ter por onde... Sem ter pra quê... Correr por que é preciso correr... Porque aprendemos a correr... Nos disciplinaram a correr... E corremos, corremos... Enquanto nos esquecemos de viver... Drogas, drogas, drogas e mais drogas... Proibidas, controladas, legalizadas, indicadas, administradas, recomendadas... Pagas... Com todos os impostos recolhidos para contribuir com a economia do país...

Gaze, soro, oxigênio, sonda nasogástrica, urupen, pomada Fibrase... Escara... Uma reação horrorosa da pele humana quando fica muito tempo sem respirar... Um corpo putrefa-se com vida... Atrofias múltiplas que ocasionam fraturas... Estado de coma... Silêncio e muita dor...

Madrugada... A última viajem de quem tanto desejou partir... Decepção, decepção... mágoa... a vida acabou... derrota... perda irreversível... Desejo de trazer de volta um passado que não existirá mais... Acabou... Não acabou...

Uma tarde e um chamado... Um polegar aponta para baixo indicando o fim do sofrimento... Alívio seguido de nova preocupação... Uma noite, uma curta viajem, IML, reconhecimento, necrópsia, funeral...

Velório do Araçá, sala 1, um corpo solitário com sua viúva, paletó azul, gravata florida... Figurões, executivos, radialistas, secretárias... Todos se reúnem do lado de fora até a saída para o cemitério da Consolação... Mais um cortejo... Mais um funeral... Ninguém entende... Ninguém consegue entender...

É dezembro e o ano acabou... Mas não acabou... A sujeira foi jogada pra baixo do tapete... Como tudo sempre foi resolvido... Nada acaba... E a história sempre se repete... Haverá sempre um quê mal explicado... Muitas mentiras foram ditas para endossar outras mentiras... Quem sabe não quer falar... Quem se sujou na lama não quer contaminar-se novamente... A vida vai... Mas nada ficou pra trás... Sementes plantadas sempre germinam, brotam, e florescem no tempo certo...

Não acabou...

Sobrevivi!

[ Alex Marq, 19 de novembro de 2005 ]

PS: Os fatos relatados são "Todos" reais.