ESPELHOS
Há incontáveis mágoas dispersas pelos múltiplos espaços do mundo. Algumas delas perambulam como meliantes à procura de uma plateia, outras tantas ocultam-se em sufocantes silêncios desconhecidos. Porém, as mais lancinantes são aquelas que passam despercebidas e camufladas pelos sorrisos convidativos, pelas gargalhadas entusiasmadas e até mesmo por atos benevolentes. Todas imprimem suas marcas, podem ser lidas, relidas. Mas nem todas são fáceis de explicar. Algumas, de fato, são incompreensíveis e instalam-se nos sonhos não realizados que trazem à memória o asqueroso odor de remorso (fruto das vaidades apodrecidas com o tempo).
Há quem encare a turbulência de frente, sem fechar os olhos por um segundo. Há quem coloque o dedo na ferida para certificar-se do que realmente sente. E há pessoas que procuram, desesperadamente, por uma miragem na qual possam enterrar o extenuante ato de pensar. O que todos portam em comum, é o desejo – ainda que nem sempre consciente – de curarem-se por dentro.
Muitos inventam rotas de fuga excessivamente tortuosas que os afastam da dor por um tempo. Muitos imaginam uma ruga, olham-se no espelho do medo e criam assim um novo personagem com o qual tentam ludibriar aos espectadores desatentos. Enganar o mundo não é uma tarefa tão difícil. Mas, tentar escapar de si é impossível: há estrelas na memória e mesmo em caminhos escuros, refletem a verdade e brilham mais que um farol.
Não romantize o sofrimento alheio, pois ele dói. Não reduza a palavra doer a um instante efêmero que (segundo a sua teoria) em breve passará e não deixará sequer a lembrança de como foi vivenciá-lo. Não apequene o penar que não é seu. Não zombe do penar de um coração partido. Tudo o que possui vida sofre. A cada um cabe o seu pesar.