A Psicologia pode ser cinza?

 

     Aqui estabelecemos uma apropriação metodológica da genealogia de Frederich Wilhelm Nietzsche, aparentemente realizando um trabalho exegético com o texto nietzschiano sob três ênfases específicas: como estratégia desconstrutiva, como uma luta pelo corpo, dentro de um campo de atuação de poderes. Destas três ênfases, veremos que o corpo é o termo destacado desta ativação da genealogia já que ele aparecerá como o resultado pelo qual a história se realiza destituído da dimensão instintual originalmente presente em Nietzsche, substituindo a história pelo corpo, o poder e o sujeito se mostra uma genealogia de corpos históricos, uma ideia de genealogia cinzenta compreende-a como uma oposição à pesquisa da origem.

     Iniciaremos pelo Prólogo da Genealogia da Moral, partindo da ideia de genealogia cinza apresentada por Nietzsche no parágrafo 7. Nesta passagem, depois de colocada em discussão a própria origem de sua pesquisa genealógica dos valores e de ter levantado a crítica aos psicólogos ingleses, Nietzsche declara: “Meu desejo, em todo o caso, era dar a um olhar tão agudo e imparcial uma direção melhor, a direção da efetiva história da moral, prevenindo-o a tempo contra essas hipóteses inglesas que se perdem no azul” (GM/GM, Prólogo, 7 KSA 5.254).

     A genealogia é cinza porque ela nasce como a discordância frontal, desenvolvida por Nietzsche no início da I dissertação da Genealogia da moral, deste azulado do princípio de utilidade como fundamento da moral. Trata-se da discordância de Nietzsche em fundar a moral em uma suposta ação não-egoísta que, sendo primeiro louvada e depois esquecida como tal, teria se cristalizado, por hábito da valoração, como um bem. Segundo esta gênese da moral, na compreensão de Nietzsche, aquilo que foi tido por bom teria sido, então, sentido definitivamente como bom segundo um mero processo de assentamento da utilidade (ou um tosco processo, como qualifica Nietzsche) por parte daqueles que, originalmente, teriam valorado o não-egoísmo como um alto valor.

     Nietzsche admite que o pior defeito desta hipótese não seja sua a-historicidade, mas sim o problemático contrassenso psicológico presente no fato de não se explicar sobre o esquecimento desta utilidade original: o que teria sido este erro? Como se esquecera o valor do útil? Justamente a elaboração deste ponto é tarefa da primeira dissertação da Genealogia da moral, por meio do perspectivismo dos pares disjuntivos “bom e ruim” e “bom e mal”.

     A psicologia é cinza porque ela pode ser minuciosamente documentária, ou seja, ela porta algo como uma suspensão de si mesma ao se preocupar com a minúcia do saber, com o acúmulo que, no fim das contas, é uma espécie de acúmulo documental de toda origem. A genealogia logra “realçar” sua tarefa documental, cinzenta, segunda uma prévia desvalorização do valor da utilidade.

     Este tema tem uma história: é a recusa da teoria do desejo no embate com a psicanálise, mas também o mote para realizar a genealogia do homem do desejo. Limito-me, a esse respeito, a recordar o embaraço ao construir um dispositivo de sexualidade sem sexo, isto é, em que o corpo-desejante, o sexo-vida surgem tanto como estratégia do dispositivo quanto como seu elemento ideal, mas nunca como elemento irradiador da sexualidade. Isso foi percebido quando elaboramos melhor a tarefa de desligar o corpo do desejo, ou de praticar uma genealogia da sexualidade sem um corpo instintual, a exigência maior de uma genealogia de como nos tornamos sujeitos desejantes