Estrela Cadente
Ensaio
As estrelas cairão do céu, e os poderes que estão nos céus, serão abalados.
A noite nem estava bela. No céu, nem lua, nem nuvens. Estrelas, escondidas... A tarde nem tinha sido chuvosa. Nada impelia para algo mais prazeroso ou pelo menos agradável. Tudo apontava para um filme leve, insosso, com um leve toque de sonífero; para uma noite tranquila de sono e um despertar despretencioso na manhã seguinte. Até as poucas lâmpadas que ainda estavam incandescentes pareciam a meia-luz, sonolentas...
De repente, como um raio sem tempestade, inesperado e fulminante, meio que por trás de uma velha árvore de silhueta mal definida, mas muito acima de sua copa, uma estrela desembesta-se em linha levemente diagonal, numa velocidade que só elas, as estrelas, sabem empreender. Até os meus neurônios mais tímidos entraram em profusão...
Bastaram dois ou três bilhionésimos de segundo para entender e outro tempo igual para iniciar a interação. Era, sim, uma estrela que caía. Era tempo de verbalizar os desejos. (Milhares deles!). Desejo de comprar uma casa de praia, um carro de luxo, de uma viagem "volta-ao-mundo", de rever todos os amigos... eram, sim, muitos!
E agora, qual escolher?
Certa ocasião em que aguardava-se o resultado de uma super mega sena, um amigo revelou seu maior desejo, caso fosse o ganhador. "Vou comprar um terreno grande e construir uns dez apartamentos lá na minha cidadezinha... e alugar por cem reais cada um"... Bom. o sonho era dele... Talvez isso então... não os apartamentos, mas a mega sena. Sim a mega sena era uma boa pedida...
Violão! Violão sempre permeou meus sonhos. Quem sabe o de aprender tocar violão clássico. Aprender daçar tango, esquiar nos alpes. Escrever um livro, compor uma música... De ver os filhos bem resolvidos, de estar também bem resolvido...
Uma rápida olhada pelo céu em busca de outra estrela cadente poderia ser fatal. Poderia perder de vista esta que acompanhava e aí, nenhuma, nem outras. Mas o campo da divagação é autônomo e autômato... e incontrolável. Foi aí que ainda me permiti um trocadilho. Ou melhor, uma adaptação para uma antiga velha máxima, que ficou assim: "Mas vale uma estrela cadente na visão que duas no ceu!". Pobre! Aliás, podre! Mas veio assim mesmo. E ainda um complemento: "Se já é difícil ver uma, quanto mais duas estrelas cadentes ao mesmo tempo".
Não era tempo de conjecturar, pois como já estava acertado, o tempo urgia. Estrelas cadentes têm pressa. Elas são muito ocupadas. Têm de realizar milhares de desejos mundo a fora. Isso pra não falar da possibilidade de contemplarem outros planetas iguais ao nosso... Será que a Estatística avita a possibilidade da ocorrência de dois desejos idênticos e simultâneos durante a queda de uma estrela? E nesses casos o que aconteceria?
A estrela segue seu imaculável trajeto à uma velocidade absurda. É necessário pressa na formulação dese desejo... Um outro dia uma piada, até meio sem graça, dava conta de que o pensamento é mais rápido que a luz (isso pra não chegar na "banda" podre da piada; "pôde" como diriam os jovens). Então se o pensamento é mais rápido que a luz; se a velocidade da luz é muito superior a de uma estrela cadente; então ainda há uma folga... e por falar em folga, talvez haja uma maneira de se otimizar a formulação do desejo usando-se modernas técnicas de administração... PERT-CPM, SMED, Quick Changeover... Poder-se-ia arranjar tudo de forma que além de se formular o desejo, sobrasse tempo para uma contemplação absoluta e genuína. Sim pois depois que adotou-se fazer pedidos nunca mais ninguém teve tempo de usufruir da beleza radiante do caminhar das estrelas cadentes... Talvez da proxima vez...
Desejar o bem estar de todas as pessoas do mundo seria uma ótima pedida. Mas é desperdício, pois já disseram que pra que uns estejam bem é necessário o sacrifício de outréns. Além do mais o altruísmo é um elemento não muito familiar nesses momentos de extrema realização pessoal, de refinadíssimo egoísmo, mesmo!
O tempo passou. Agora só restam alguns pares de micro-segundos... Agir é preciso. Não que o pensamento não seja tão hábil para lidar com essa situação... longe disso. O problema é de ordem ética. Para que vieram à tona os termos egoísmo e altruísmo? Agora uma profusão de valores se avultam, se invertem e se revertem...
Melhor mesmo é deixar a estrela seguir... terminar seu percurso, em paz... Se bem lembrado, em todas as outras vezes, o furor do momento não permitiu que nada fosse desejado, pelo menos em tempo hábil. Então mais uma vez não faria diferença... Talvez seja tempo de começar se preparar para uma próxima estrela cadente. Com tempo e organização será possível um preparo adequado para um desejo bem formulado... Começar com um Brainstorm... É! Então vai ficar assim mesmo... Que a estrela siga em paz... Se é que há paz no final de seu trajeto... Dizia-se antigamente que as estrelas cadentes na verdade estava mudando de posição no espaço. Mudança provocada por uma inconsistencia qualquer no seu sistema. Que no final do trajeto elas se desintegravam, daí o seu "apagão" imediato. Sabe-se hoje que são meteoros que atingem a atmosfera à uma velocidade aproximada de 250 mil km/h (mais de 4.100 km/s); que a cerca de 50 km se desintegram com o atrito intenso com a atmosfera; que alguns conseguem romper essa barreira e atingem a terra e, um pouco mais raramente, causando danos materiais em casas, automóveis... Pelo menos essa interdisciplinaridade me tira o peso de ter perdido a chace da realização do desejo, uma vez que nem estrela é mesmo o objeto de toda a comoção. Então tá! Fica assim: sem desejo, sem drama... que se apague a estrela.
Peraí! Veio o desejo de ver outras estrelas cadentes... não é tão altruísta, mas nem tanto egoísta... é um bom desejo... quer dizer, seria, se a atual já não estivesse sumido e seu rastro totalmente extinto...
Há dez anos, 07/12/12.
Não lembro de ter visto outra estrela cadente após aquele dia...
Ilustração: Fragmento descolorido e esmaecido de imagem da página Bbíblia
Epígrafe: Biblia Sagrada, Marcos 13:25