Os ouvidos que sabiam escutar o caos
As trombetas tocaram em algum lugar do universo e eu aqui na minha pequenina terra escutei sem saber de onde veio. Em meio ao caos do transito, das ruas cheias de pessoas indo e vindo, tropeçando em seu próprio lixo, esperando o sinal abrir para marchar em direção a pista listrada, as janelas sujas e fumaçadas e as prateleiras alfanuméricas que tem mais números do que nossas gerações de vida.
Todos os dias eu escuto o barulho desta trombeta e os ponteiros do relógio não me deixam parar, mas ela toca dentro da minha cabeça, corre pelas minhas veias, faz o meu coração bailar nos salões de desertos de areia, sacudindo meus pés e vibrando meus fios de cabelo questionando minha caneca logo cedo e o terceiro andar com cheiro de mofo que escorre meu terço de hora num lugar vazio que eu chamo de carteira fantasma. Da vida que habita dentro de um barril e a gente só lembra quando o telhado não tem mais remendo para as goteiras.
E acaba que não há distinção de nada, o que está lá fora está aqui dentro também e vice-versa. A gente que criou separadores paras as coisas, pôs divisores numa ilusão de que as coisas estariam separadas da gente, mas no primeiro questionamento ou problemas que venham a aparecer lembramos que essa distância é imaginaria, que ela mergulha nos oceanos habitáveis por corajosos que não tiveram medo de profundidade. Tudo bem que alguns morreram pela sua audácia, mas a vida é evolução, ela não é nossa é de todos nós e até mesmo daqueles que resolveram se ilhar atrás das pontes achando que o tempo era do tamanho deles.
Mas a vida perece todos os dias, ela caminha em direção ao abismo, um infinito abismo que sempre é quebrado pelo choro de crianças, pelos primeiros passos de um bebê que sorrir sobre uma corda bamba simplesmente porque rompeu mais um desafio de ficar de pé, mesmo não tendo a menor ideia de que ali é um mero começo, um simples começo que muitas vezes envelhecemos e nunca saberemos que lado tomamos. Eu acredito que as trombetas tocam desde quando a gente nasce e o seu som vai ficando cada vez mais distante até que se perde, até que se torne mais um instrumento de uma grande orquestra que alguns raros se tornam maestros de suas próprias vidas.