A vida e obra de Aluísio Azevedo, “o desenhista – escritor”
Palestra da Acadêmica BENEDITA SILVA DE AZEVEDO, sobre seu patrono, na ADABL - Associação dos Diplomados da Academia Brasileira de Letras, em julho de 2016.
Por volta de 1850 em São Luís do Maranhão, os comerciantes formavam uma casta que dominava a economia da província e os casamentos serviam para consolidar os interesses dos membros desta sociedade, genuinamente neocolonial. Muitos colonos, uma vez enriquecidos voltavam para Portugal.
Os comerciantes e os ricos fazendeiros, cujos filhos haviam estudado na Europa, formavam a classe dirigente aparentemente iluminada da convencionalmente chamada “Atenas Brasileira”.
São Luís conhecia então uma renovação cultural composta por grandes nomes como: Manoel Odorico Mendes, Francisco Sotero dos Reis, João Francisco Lisboa, Trajano Galvão e principalmente, Antônio Gonçalves Dias que deram à sua província, na metade do século XIX, um brilho que ela nunca conhecera. Apareceram numerosos jornais políticos e literários, onde coletâneas de poesia e de peças teatrais foram publicadas.
Numa cidade mais próxima de Lisboa que do Rio de Janeiro, até os mantimentos vinham da Europa: vinho, cerveja, enlatados, manteiga, peixe seco... Aquela sociedade vivia na Ilha de São Luís e ignorava a província que originava sua riqueza.
A instituição que exerceu maior influência na época foi o Gabinete Português de Leitura, criado em 1852, por iniciativa do comerciante Português, David Gonçalves de Azevedo, que viria a ser pai de Aluísio Azevedo.
A FAMÍLIA DE ALUÍSIO AZEVEDO
A mãe de Aluísio Azevedo, Emília Amália Pinto de Magalhães nasceu em Lisboa, Portugal, em 1818, de onde também eram originários seus pais: Custódio José Pinto de Magalhães e Maria José Magalhães. Aos 13 anos sabia ler e escrever sem ir à escola. Aprendera por ouvir o estudo das outras crianças. Gostava de recitar versos. Mais tarde, vai para o colégio e torna-se a primeira atriz dos espetáculos escolares. Nas procissões leva sempre a Verônica, por ser considerada linda como uma santa. Em 1833, com 15 anos, vem com os pais para o Brasil, diretamente para São Luís do Maranhão.
Os primeiros anos de juventude, então hospedada no solar dos Abranches, decorrem alegres e felizes. Frequenta o colégio Nossa Senhora da Glória, um dos mais reputados da Província dirigido com o maior zelo pela família Abranches de Moura.
Nos saraus de família era sempre solicitada a recitar poesias do vasto repertório que sabia de cor e salteado e o fazia com desenvoltura e emoção.
Emília, que podia sonhar com um futuro cheio de regalias, conheceu a mesma sorte que muitas jovens, para quem se escolhia o marido mais interessante para a firma comercial, sem sequer consultá-las.
Aos 17 anos, em 1835, quando ninguém esperava estoura a notícia. Emília Amália estava noiva e se casaria dali a dias. O pai lhe escolhera o noivo sem lhe consultar. Era hábito entre os comerciantes que o primeiro caixeiro da firma se casasse com a filha primogênita.
Amália teve de submeter-se ao marido entre xingações e grosserias, numa brutalidade sem igual. Logo fica grávida. Nasce uma linda menina. Quando menos se espera ela surpreende o marido na cama com uma das escravas.
Ao lhe chamar atenção pelo fato foi muito maltratada pelo marido que tenta esbofeteá-la. Ela pega a filha e tranca-se na alcova. Joaquim Antônio Branco vai para o comércio e passa lá o dia inteiro, não volta para almoçar. Ao final do dia chega e não encontra a esposa. Depois de muito procurar descobriu que Amália estava em casa de amigos, à Rua do Sol, perto da Fonte do Ribeirão.
Foi o maior escândalo da época. O Cônsul português teve de intervir para acalmar os amigos de Joaquim. Amália vivia trancada em um quarto. Costurava para se sustentar com a filha. O marido, envergonhado depois de um tempo vendeu o comércio e veio para o Rio de Janeiro. [Raimundo de Menezes]
O pai de Aluísio Azevedo, David Gonçalves de Azevedo nasceu em 1816. Aos 18 anos alistou-se como voluntário no batalhão nacional móvel de D. Maria I, onde serviu durante a guerra da usurpação. Em seguida foi alferes e depois tenente do 8º batalhão nacional de Lisboa. Veio para o Brasil em 1838, com 22 anos.
Em 1840 serviu, quando o presidente do Maranhão chamou os portugueses às armas, alistou-se no batalhão provisório auxiliador e serviu como capitão e depois como comandante interino. Por ocasião do terremoto da Ilha terceira, em 1841 fez uma gorda doação e ganhou por isso, a nomeação de ”Cavaleiro da Ordem de Nossa Senhora da Conceição”. Em 1852, organizou em São Luís, a Associação do Gabinete Português de Leitura.
Em 1854, David Gonçalves de Azevedo, aos 38 anos, viúvo e sem filhos resolve formar uma nova família. Num sobrado à Rua do Machado, nas proximidades da Igreja do Carmo vai morar com Emília Amália. Não podiam se casar, pois ela ainda era casada, mesmo estando separada há 18 anos.
No dia 7 de julho de 1855 nascia Artur Azevedo e neste mesmo ano, publicou seu Epitome Histórico de Portugal. Dois anos se passaram e em 14 de abril de 1857, nascia Aluísio Azevedo e em maio de 1859, David Gonçalves de Azevedo se tornaria vice-cônsul. A 21 de fevereiro de 1868, nascia o terceiro filho, Américo Garibaldi. Depois vieram duas meninas, Maria Emília e Camila Amália.
Há um equívoco de que David Gonçalves de Azevedo era vice-cônsul e chanceler do Consulado Português de São Luís do Maranhão, na época em que conheceu Dona Amália, a mulher que seria sua companheira e mãe de seus cinco filhos. Na verdade ele só se tornaria vice-cônsul dois anos após o nascimento do segundo filho, Aluísio.
David Gonçalves de Azevedo era simplesmente, um comerciante muito estimado e respeitado, não só pela comunidade portuguesa, mas, por toda a sociedade maranhense, pela sua incessante ação em prol do progresso social e cultural de São Luís.
Os arquivos do Ministério das Relações Exteriores em Lisboa dão informações precisas sobre este ponto: Em 1859, David Gonçalves de Azevedo enviou ao Rei de Portugal seu currículo. Pelas informações fornecidas por esta carta, e pelo anúncio necrológico, podemos afirmar que David Gonçalves de Azevedo nasceu em 1816 e tinha aproximadamente 22 anos quando chegou ao Brasil, em 1838.
Em 1854, quando resolveu formar uma família, era um homem maduro de 38 anos e não mais um “rapaz”, como afirma Raimundo de Menezes, um de seus biógrafos. [Dunshee de Abranches, Lettreà Raul Azevedo, apud
Raul de Azevedo, Trras e Homens, Rio de Janeiro, 1948, p. 82.]
“A filha primogênita de D. Emília que não lograra possuir o carinho paterno, a ilustre dama dera também uma fina educação e tornara-se esposa modelo do dramaturgo João Carlos Lobato e mãe do brilhante jornalista Vitor Lobato” [id. Ibid., p. 153.]
Dona Emília, portanto, estava livre na época de seu encontro com David Gonçalves de Azevedo. Quando decidiram viver juntos tiveram de enfrentar uma sociedade hostil. David era comerciante, e como tal submetido a uma moral de grupo constrangedora. Seu prestígio, na cidade de São Luís, venceu a maledicência.
A união deste homem de cerca de quarenta anos com uma mulher de mais de trinta e cinco era fruto de um amor muito profundo, segundo a própria Dona Emília, que resistiu a todas as manifestações de hostilidade. Seus filhos testemunham que eles foram um casal exemplar.
Aluísio Tancredo de Azevedo foi batizado na Igreja de São João Batista em 30 de maio de 1857, mesmo ano em que nasceu e registrado como filho natural de David Gonçalves de Azevedo. Ele e seus quatro irmãos, somente, foram reconhecidos formalmente, pelo pai, no dia 23 de julho de 1864, depois da morte do marido legítimo de D. Maria Emília, como atesta a certidão emitida pela prelazia em 11 de abril de 1881.O duplo registro garantia a Aluísio e seus irmãos e irmãs todos os direitos e as prerrogativas que a lei concedia aos filhos naturais.
Aluísio Azevedo não teve o privilégio de pertencer a uma família rica, o que mais tarde dificultaria seus estudos, na época em que poderia ter freqüentado a Universidade de Recife ou do Rio de Janeiro; mas teve a sorte de viver numa das famílias mais cultas de São Luís. Seu pai e sua mãe foram seus primeiros mestres.
Havia na casa de David Gonçalves de Azevedo uma verdadeira escola paralela com uma pedagogia extremamente moderna onde o teatro desempenhava um papel predominante na formação das crianças. Não se tratava apenas de apresentar peças escritas por autores conhecidos, mas de conceber interiormente o espetáculo. Artur Azevedo, a alma do grupo, criou sua primeira peça e declamou seus primeiros versos no teatro improvisado na varanda da casa do pai.
A função de Aluísio Azevedo no teatro familiar era pintar e arranjar os cenários. Veremos que estas foram suas primeiras atividades, quando esteve no Rio de Janeiro alguns anos mais tarde. Bem após 1880, romancista já consagrado, criou o cenário de várias peças de teatro. Foi nesta época que se formou em torno de Aluísio Azevedo e Vitor Lobato (filho de sua irmã por parte de mãe) o grupo que iria revolucionar os costumes do Maranhão nos anos 80 do século XIX.
Quando Aluísio ingressou na vida ativa como empregado de um despachante alfandegário, o futuro de sua província continuava sombrio e as perspectivas de sucesso incertas, mesmo no comércio.
Aluísio precisava trabalhar e quando abandonou o ofício de caixeiro, dividiu seu tempo entre uma série de trabalhos temporários e o aprendizado da pintura e do desenho, com o velho pintor Tribuzzi e com João Cunha.
Durante algum tempo, Aluísio foi guarda-livros, em seguida professor de gramática portuguesa e de desenho no colégio do padre Teillon [Teion].
Ser pintor parecia ser a preocupação essencial de Aluísio, o resto não tinha importância. Artur, dois anos mais velho, já batalhava nos jornais de São Luís e escrevia peças de teatro e poemas. Nos teatros amadores, Aluísio dirigia, criava os cenários e os figurinos.
O interesse pelo romance nasceu em Aluísio Azevedo por volta de 1875, quando tinha então dezessete anos. Segundo Olavo Bilac, foi nesta época que escreveu “Uma lágrima de mulher” publicado em 1879 e “Minhas memórias” livro ilustrado, inédito até hoje, cujo original, incompleto e em mau estado, encontra-se nas mãos do legatário de Aluísio.
Seu irmão Artur já deixara São Luís do Maranhão e viera tentar a sorte no Rio de Janeiro. Foi admitido como praticante da primeira seção da Secretaria de Governo em 30 de junho de 1873 e demitido do posto em 8 de agosto do mesmo ano. Felizmente, uma semana depois seria reconhecido apto a exercer o cargo de primeira entrância após participar de um concurso.
Aluísio não dispunha dos trunfos de Artur para enfrentar os riscos da mudança; ele não tinha nenhuma profissão que lhe permitisse resolver seu problema de sobrevivência.
A conquista do Rio de Janeiro (1876-1878)
Aluísio desembarca no Rio de Janeiro “com o coração cheio de ilusões”, aos 19 anos. O mano Artur Azevedo recebe-o no cais e leva-o para sua casa e lhe dá todo apoio na sua vontade de trabalhar e vencer. Matricula-se na Imperial Academia de Belas Artes, como ouvinte nas aulas de modelo vivo, dando prosseguimento ao sonho que nascera nas aulas do Professor Tribuzzi, no Liceu Maranhense. Mas, para isso precisava exercer pequenos ofícios para lhe garantir o indispensável e logo se viu frente ao público, não como pintor, mas, como caricaturista.
A presença do irmão Artur estabelecido na capital havia dois anos e que começara a fazer sucesso como dramaturgo, poeta e jornalista, facilitou sua entrada neste meio.
Aluísio, durante os dois anos e meio que viveu no Rio de Janeiro, foi professor de desenho e gramática portuguesa em casa de particulares e numa escola, retratista e até mesmo gerente de hotel. Vivia em companhia de dois amigos numa pensão do bairro de Santa Teresa.
Aluísio durante estes dois anos, frequentou um círculo de jovens intelectuais, escritores, artistas e políticos que marcaram a vida cultural, social e política do último quarto do século XIX. Em 1880, fez a lista dos amigos que tinha no Rio de Janeiro:
“Fontoura Xavier, Artur Barreiros, Tomás Alves, Lopes Trovão, Lins de Albuquerque, José do Patrocínio, Teófilo Dias, Teixeira Mendes, Pereira da Silva e Gustavo Fontoura”.
[Aluísio Azevedo, Crônicas, “O Pensador”,São Luís do Maranhão, 20.10.1880.]
Naquela ocasião, Aluísio não era apenas o caricaturista, para quem “O Mequetrefe” chega a mudar de formato para abrigar mais à vontade seus melhores trabalhos. Revela-se, também, o poeta a castigar os padres e frades, a satirizar a própria missa, numa longa poesia, cuja publicação se estende por vários números daquele semanário ilustrado. “A missa” oferecida “aos meus amigos do Maranhão” choca a mais não poder pelas irreverências que contém, e que bem poderia ser atribuída a Guerra Junqueiro.
O Retorno ao Maranhão
Com a morte do pai, Aluísio retorna à terra natal. Ninguém poderia imaginá-lo saindo do Rio de Janeiro, logo naquele momento, quando começava a ser conhecido como caricaturista, roteirista de teatro e autor. A morte de seu pai, em 8 de agosto de 1878, mudaria o rumo de sua vida.
As obrigações de Artur no Rio de Janeiro não lhe permitiam afastar-se. Aluísio resolveu ir a São Luís para ajudar sua mãe e os irmãos menores após o terrível Golpe. Aluísio se entrega de corpo e alma à literatura.
O sonho pelas Artes Plásticas é uma fase superada no destino do jovem maranhense. No lugar do desenhista e do pintor estará o escritor.
Não poderia competir com o irmão Artur, que o precedera na Corte e ali começara a dominar o teatro e a imprensa. Daí ter escolhido a prosa romântica, para publicar seu primeiro livro: Uma Lágrima de Mulher, seu livro escrito aos dezessete anos, buscando consolo de seu sonho frustrado, no devaneio da ficção romanesca, ambientando na Itália as ações de seu romance. A Itália de sua aspiração como estudante de desenho e pintura.
Em junho de 1880, Aluísio publica O Mulato, na tipografia de “O País”, um volume compacto de 488 páginas. O livro provoca surpresa e revolta em São Luís e leva um colunista maranhense da época a recomendar ao romancista a se dedicar à lavoura em vez de escrever livros. Entretanto, recebe aplausos do Sul e também da Corte, o que o anima a deixar novamente o Maranhão e volte para o Rio de Janeiro.
A partir de então, Aluísio dedica-se inteiramente à vida literária. Escreve folhetins ao gosto do grande público. Ensaia o teatro em peças de relativo êxito, às vezes sozinho, outras em parceria com o irmão Artur ou com Emílio Rouède, sem deixar de lado os grandes romances iniciados pelo “O Mulato” e que lhe dão a preeminência do naturalismo no Brasil 1884, lança em volume Casa de pensão, depois de tê-lo publicado em folhetins na Folha Nova em 1883. Em 1885 publica em folhetins de O País, O Coruja. 1887, O Homem. 1890, O Cortiço. E em 1895, O Livro de uma sogra. Em 1893, o romancista se faz contista e publica Demônios. Em 1897, volta ao conto com Pegadas.
Aluísio não obstante à sua consagração como escritor é um homem desiludido com o seu ofício. O que ganha com os livros só lhe proporciona uma vida modesta, sem largos horizontes. Ele decide ingressar no emprego público, prestando concurso para a carreira consular, na secretaria do exterior.
Aprovado com distinção é nomeado para Vigo, na Espanha. A ausência do Brasil embora dê ao escritor a sensação de vida estável, é fatal para seu ofício de escritor, por que o desloca de seu ambiente, o ambiente de seus romances. Aluísio embora acalente grandes planos, nada mais publica. Ainda ensaia um livro de impressões de viagem, mas, falta ao narrador a presença de seus modelos.
Quando chega a maturidade tranquila, o grande romancista não é o escritor em plena forma: é o narrador perfeitamente realizado e completamente exaurido. E assim como deixara o pincel pela pena, com a vitória literária, deixa a pena pelo emprego público.” [Nossos clássicos: publicado sob a direção de Alceu Amoroso Lima,
Roberto Alvim Corrêa, Jorge de Sena, in, Aluísio Azevedo: trechos escolhidos
por Josué Montelo (1963) Livraria Agir – Editora Rio de Janeiro].
Aluísio confessa ao companheiro Rodrigo Otávio, que desde que perdeu o emprego em 31 de janeiro de 1892, vive sem ânimo. Está cansado de escrever para manter-se, para obter o pão de cada dia. Argumenta que seu irmão Artur, Machado de Assis e os demais são burocratas.
Desabafando-se com Graça Aranha, que desde os 24 anos, enveredara pela carreira diplomática, graças à amizade de pai pra filho que lhe devota Joaquim Nabuco, o amigo lhe sugere fazer o concurso para cônsul no Ministério do Exterior e prontifica-se a ajudá-lo, dando-lhes algumas lições. Aluísio atira-se aos estudos. Nas horas vagas, escreve o novo romance.
O tempo passa rápido, em 1895, “O livro de uma sogra” fica pronto e é lançado. Ao final do ano, Aluísio realiza o ideal de homem de 40 anos e deseja segurança na vida: um emprego público mediante concurso. Agora está contente.
O sucesso do ‘Livro de uma Sogra” não fez com que Aluísio desistisse de mudar seu modo de vida. Sua nomeação como vice-cônsul de Vigo ocorreu em 30 de dezembro de 1895
Quando optou pelo vice-consulado em Vigo, Aluísio escolhia a Europa que sonhava conhecer desde sua infância, na época em que pretendia estudar pintura na Itália. Seu primeiro contato com o velho continente foi em Lisboa, onde passou 20 dias, no início do mês de março de 1896. Aluísio ficou surpreso com a capital portuguesa. Bordalo Pinheiro, Ramalho Ortigão, Maria Amália Vaz de Carvalho, intelectuais e autores do teatro português que conhecera no Rio de Janeiro, reservaram-lhe uma acolhida muito calorosa, conforme provam as cartas escritas pelo romancista a seu amigo Florindo de Andrade.
Yokohama, 1-10-1897- 1899
“ Em 5 de novembro de 1895, iniciaram-se oficialmente as relações entre o Brasil e o Japão. Foi a data de assinatura do Tratado de Comércio Navegação e Amizade e de criação das legações em ambas as capitais.”
“Após passar 15 meses e 10 dias na Espanha, não estava satisfeito, e através da influência de amigos e do irmão, Artur consegue a nomeação para o Japão”.
No Japão, Aluísio encontra obrigações menos custosas e retoma a atividade literária. Encantado pela cultura e sociedade japonesa, dedica-se ao projeto que, por certo, já tinha em mente antes de chegar ao país: realizar um estudo, uma grande reportagem sobre o Japão que, ao mesmo tempo conseguisse captar a alma do povo. O escritor esperava muito de O Japão, seria seu primeiro trabalho de não ficção e planejava uma edição cuidadosa. Pretendia publicá-lo ainda por lá com o dinheiro que receberia da venda dos direitos de toda sua obra ao editora Garnier. Dessa negociação encarregara o amigo e conterrâneo Graça Aranha, que na função de procurador, age, no entanto, à revelia de Aluísio e emprega o dinheiro na compra de terrenos em um bairro ermo do Rio de Janeiro daquela época, Copacabana. Afrânio Peixoto relata, como, sem saber, o escritor tornou-se proprietário de terras:”
“Aluísio ausente esperava o dinheiro para mandar imprimir o livro no Japão e carta de um homem de letras que do próprio juízo decidira tornar o letrado em proprietário. Havia o reclame nos jornais por edificações em Copacabana e um pedaço de terras e areias, uma praia encantadora, se trocaram por aquele dinheiro. Estava Aluísio proprietário, e o livro sobre o Japão, já que não podia mais ser publicado, como o desejava, não o seria mediocremente. Tão fundo foi o despontamento e despeito por essa imprudência do seu procurador, que nem os títulos de sua nova propriedade quis o nosso romancista haver e conservar. Eles ficaram por aí, e só agora na última viagem ao Rio, e ainda por interposto amigo, isso se liquidou: as terras e os títulos de posse, obtidos, passaram adiante, apenas já valorizados por uma delonga de dez anos.” [Peixoto, A. “Lembranças de Aluísio Azevedo”,
in Revista da Academia Brasileira de Letras”, Nº 12,
Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras,
O curioso é que, no papel, o escritor que se tornara proprietário foi Graça Aranha. Não havia referência a Aluísio em nenhum documento e na escritura de compra do terreno constava apenas o nome do procurador. A última viagem a que Afrânio Peixoto se refere corresponde à passagem do romancista pelo Rio entre novembro e dezembro de 1910. Nesses meses, Aluísio ocupou-se da controvérsia e o litígio que a questão originara foi resolvido. Luiz Dantas, estudioso do período japonês da vida e da obra de Aluísio Azevedo, na apresentação da única edição de O Japão já publicada, em 1984”. (O Japão, p.16) Transcreve o desapontamento de Aluísio “(...) Ah, quanto é duro interromper uma obra, quando todo nosso ser se empenha em dar-lhe corpo e vida” [Aluísio Azevedo, idem p. 156]
O romancista integrou-se o mais que pode na sociedade japonesa, adotando os costumes do país, o quimono e a culinária japonesa. Ele não ficou insensível ao encanto das japonesas cuja feminilidade e refinamento admirava. Segundo Afrânio Peixoto, ele teve durante anos saudades da felicidade que vivera em Yokohama:
[Aluísio Azevedo, japonesas e norte –americanas,
in “Almanaque Garnier”, Rio de Janeiro, 1904, pp217-228]
LA PLATA - 1.1.1900 – 31.3.1903
Quando regressou do Japão, Aluísio viu-se confrontado com uma situação muito difícil. Nunca tendo sido efetivado, ele não podia pretender um cargo numa cidade importante. De fato, foi nomeado cônsul honorário em Lá Plata, sem nenhum salário, seus rendimentos estavam condicionados ao volume das taxas e impostos percebido pelo consulado pelas transações comerciais entre o Brasil e a Argentina que se efetuassem através do porto de La Plata. O que supunha uma presença constante em seu lugar de trabalho. A atividade burocrática predominou sobre a atividade do escritor.
DARDIFF- 1.4.1904 – 1.2.1907
Aluísio Azevedo ocupou o cargo de cônsul do Brasil em Cardiff durante quase três anos. Ele tivera que aperfeiçoar seus conhecimentos de inglês durante sua estada no Japão. Uma parte de sua correspondência deste período foi publicada em “O touro negro”.
NÁPOLIS - 13.3. de 1907 – 9.9.1910
Estava longe o tempo em que Aluísio adolescente, aluno do pintor Domingos Tribuzzi, sonhava em deixar o Maranhão para ir estudar pintura na Itália! Lembramos em particular de suas tentativas infrutíferas de conseguir do governo de sua província, uma bolsa para subsidiar sua viagem.
Nesta época, Aluísio estava apaixonado pela Itália e foi em Nápoles que ele situou as aventuras rocambolescas de seu romance folhetim, “Lágrima de mulher”.
Nápoles era então a sede de um consulado brasileiro importante em razão do grande número de italianos do sul que emigravam para o Brasil.
Última estada no Rio de Janeiro
Novembro-dezembro de 1910
Muitas coisas haviam mudado depois da última passagem de Aluísio pelo Rio de Janeiro. Vários de seus amigos tinham morrido. José do Patrocínio (1905), Machado de Assis (1908) e também seu irmão Artur (1908). Além disso, a ausência de vários amigos da época da boemia literária havia transformado radicalmente a paisagem humana que lhe fora familiar 15 anos antes. De seus companheiros de juventude só ficaram Coelho Neto e Olavo Bilac.
ASSUNÇÃO
Janeiro de 1911 – a 30.10.1911
Quando estava a caminho de Assunção, Aluísio foi promovido a cônsul de 1ª classe a 30 de dezembro de 1910. Apesar desta promoção, o consulado de Assunção era um presente de grego. A representação brasileira naquela cidade não podia estar num estado mais precário.
Novamente Aluísio se encontrava diante de dificuldades materiais que o impediam de retomar seu trabalho de escritor, interrompido pelo intervalo que esteve no Rio de Janeiro. A instabilidade continuou durante todo o ano de 1911.
Aluísio foi nomeado adido comercial do Brasil para as repúblicas da Argentina, do Paraguai, do Uruguai e do Chile a 30 de setembro de 1911. Ele conhecia bem a capital argentina, onde fora com frequência quando era cônsul em La Plata. Esta nomeação correspondia a seus desejos.
Buenos Aires não era, no espírito de Aluísio, uma cidade de passagem, instalou-se a 10 de novembro de 1911, para o que esperava fosse uma longa estada; ele até resolveu formar uma verdadeira família. Solteiro era, solteiro ficou, mas deu início às providências necessárias para adotar o filho de sua governanta, Pastor, então com 17 anos, que estava interno em um colégio em La Plata, descobrira que o nome que até então utilizava, Zuviria, não era legalmente seu, já que seu pai natural nunca o reconhecera oficialmente.
Aluísio Azevedo foi atropelado por um carro ao fim do mês de agosto de 1912, mas sua carta datada de 26 de setembro não deixava prever uma morte próxima. De fato, ele morreu a 21 de janeiro de 1913 das sequelas daquele acidente. Segundo o Sr. Pastor Azevedo Luquez, a crise cardíaca foi uma consequência dos traumatismos sofridos durante o atropelamento.
A estada de Aluísio Azevedo em Buenos Aires foi de curta duração e marcada pelas vicissitudes inesperadas, enquanto que o escritor-diplomada acreditava ter encontrado um repouso relativo. Num ambiente com situação favorável para retomar o fio tantas vezes interrompido de sua atividade de romancista.
Em 1916, através da iniciativa de um grupo de acadêmicos entre os quais Coelho Neto, Olavo Bilac, Filinto de Almeida etc. A Academia Brasileira de Letras junto ao ministério das relações exteriores a remoção do corpo do romancista para sua cidade natal.
O projeto foi finalizado em 1919, e deu lugar a numerosas homenagens no Rio de Janeiro, Salvador, Recife e São Luís do Maranhão.
O tempo apagara as paixões da época de “O mulato” e a cidade saudou com fausto a memória de um de seus filhos mais ilustres.
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Bibliografia
1. Meridian. Jean – Yves – Aluísio Azevedo Vida e obra(1857-1913)
2. Menezes. Raimundo de. Aluísio Azevedo, Uma Vida de Romance, Livraria Martins, São Paulo, 1958
3. Azeved. Aluísio, Japoneses e norte-americanos [in “Almanaque Garnier”, Rio de Janeiro, 1904
4. Peixoto,A. “Lembranças de Aluísio Azevedo”, in Revista da Academia Brasileira”, Nº 12, Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras.
5. Nossos Clássicos: Publicado sob direção de Alceu Amoroso Lima, Roberto Alvim Corrêa, Jorge de Sena, in, Aluísio Azevedo,” Trechos escolhidos por Josué Montelo (1963) Livraria Agir Editor, Rio de Janeiro.
6. Azevedo. Aluísio, Crônicas, “ Pensador”, , São Luís do Maranhão, 20/10/1880.
7. Dunshee de Abranches, Lettre à Raul Azevedo, apud Raul Azevedo, Terras e homens, Rio de Janeiro,1948.
8. Jerônimos de Viveiros, História do Comércio do Maranhão, 1612-1895, vol.2, SÃO Luís do Maranhão,1954.
9. David Gonçalves de Azevedo,Corr,cons, São Luís do Maranhão, 29/02/1859.Arq.Min,rel,ext, Lisboa.
10. Augusto de Faria, Corr.Cons.,27/05/1859, Arq.Min. Rel.,Lisboa.