HISTÓRIAS DE INFÂNCIA - A GRANDE SACADA
HISTÓRIAS DE INFÂNCIA - A GRANDE SACADA
Autor: Moyses Laredo
Uma das minha rotinas ao sair de casa para brinca na rua em frente de casa, era fazer mira, com pedrinhas que juntava do chão, em qualquer coisa, uma delas, gostava muito de acertar na abertura da doca seca em frente lá de casa. O lugar era um grande depósito de uma empresa inglesa que exportava cipós e piaçavas, a doca servia como carga/descarga de produtos extrativistas. Imensos caminhões Ford 1946 pretos, descarregavam grandes quantidades de fardos de piaçava continuamente, a doca tinha duas grandes e pesadas portas que tempos depois das operações se fechavam. Eu fazia mira com qualquer coisa que avistasse, tais uma lata, pedra, paus, galhos etc. ... me gabava de ter uma mão certeira, e ali especificamente, atirava para ver se acertava na barra de madeira que amortecia o impacto das carrocerias dos caminhões, um espaço reduzido abaixo da abertura da doca seca, nada muito difícil para mim, porém, era uma forma de diversão, sem maldades, não sei o que visava, vá saber o que se passa na cabeça de um menino de 8 anos?
Num belo dia ao sair de casa para brincar, levei o meu irmão mais novo, ele tinha de 2 pra 3 anos, quando me preparei para atirar a primeira pedrinha, no “buraco da dona Adele”, como chamávamos a doca, por ser esse o nome da senhora (governanta) que sempre aparecia brigando com a gente, ela cuidava da mansão dos ingleses que habitavam o andar superior, que eram representantes locais da empresa Hixson & Jones, os administradores do Porto da Manaos Harbour Limited.
Num instante, antes de atirar a primeira pedrinha, vi surgir bem lá dos fundos daquela escuridão, um homem de baixa estatura, pessoa de porte físico atarracado, o que o nordestino espirituoso apelidaria logo de “Sabirila” (pernas de sabiá e corpo de gorila), camisa aberta no peito, mostrava uma carranca franzida de mau humor, ele se pôs na entrada da tal doca, ainda à meia luz, meio à sombra, não queria se mostrar todo, percebi que também trazia o braço esquerdo levantado, pois deveria ser canhoto, segurando um paralelepípedo (pedra de granito, comum nas pavimentações das ruas da época), já em empunhadura de arremesso. O elemento trabalhava carregando nas costas, os pesados fardos de piaçava, por isso, tinha que ser muito forte. Com a mão erguida, ele acompanhava os meus movimentos, quando eu fazia a menção de lançar a minha pedrinha, ele também se preparava para lança a dele, só que a “pedrinha” dele era um paralelepípedo apontado em nossa direção. Aquilo para mim, parecia uma brincadeira inocente, ficamos ali por alguns instantes, eu não tinha maldade nisso, estávamos a ponto de nos atirar pedras mutuamente, não tinha me dado conta do perigo. A pedrada dele, certamente faria imenso estragos em nós dois, caso acertasse. Passados uns instantes, nessa indecisão, subitamente me veio o entendimento daquela situação, as pessoas podem ter o esclarecimento que for, mas o entendimento é algo inerentemente próprio do indivíduo, naquele instante tive consciência e o entendimento do grande perigo que nos acercava, isso me fez gelar o sangue, fiquei paralisado, minha mão também permaneceu imóvel no ar, imagine uma criança de 8 anos ter esse pensamento, sem quê e nem porquê senti isso, empalideci diante daquele homem com um enorme paralelepípedo na mão, prestes a atirá-lo contra nós, certamente o risco de nos atingir era imenso, não tinha como errar daquela pouca distância, sendo a rua estreita, e ainda cima, por ter a vantagem de estar num ponto mais alto do que nós e mesmo se errasse, o resvalo da pedrada poderia nos atingir. Paralisei meu gesto instantaneamente, ainda com o olhar fixo nele, baixei a mão lentamente, depositei a minha pedra no chão com calma, ele continuou como estava, peguei o meu irmão e sai o mais rápido possível da vista dele. O que me aconteceu? Como tomei consciência da situação? O que me levou a mudar de opinião no meio de uma ação, eu era só uma criança sem noção, estava com a mão levantada prestes a arremessar a pedra, coisa que sempre fazia naturalmente, e subitamente parei. Quando mais crescido, relembrando o fato, me fiz essas perguntas milhares de vezes, - “O que me avisou?” e não encontro uma resposta plausível no campo físico, tenho certeza de que um anjo enviado por D’US naquele exato momento, me fez ver a grave situação em que me encontrava, pois bastaria que o homem, atingisse qualquer um de nós, principalmente o meu irmão mais novo, que a desgraça estava feita.