CAPÍTULO I
AS PESSOAS PROCURAM FICAR COM A MAIORIA
Senhores candidatos, a fórmula é tão simples. Basta ter uma visão da vontade de uma maioria. Pronto! Meio caminho andado. Leiam essa minha experiência e vão compreender melhor essa minha assertiva.
No ano de 2006, foi a minha primeira experiência com o processo eleitoral que, para os servidores de campo, começa no período que se chama "fechamento de cadastro". Era um termo que eu não fazia a menor ideia do significado e aposto que muitos cidadãos não entendem. Mas se prestarem atenção nessa história, nunca mais hão de esquecer.
Logo que assumi o cargo de Analista Judiciário, pedi para que me lotassem em um cartório eleitoral próximo a minha residência, pensando que tudo ia ser moleza. Afinal de contas, estava cansada de analisar dezenas de processos, diariamente, na Justiça do Trabalho. Eu elaborava minutas de voto. Muitas vezes não conseguia concluir a empreitada no Gabinete da Juíza. Então enchia meu carro com pilhas de autos processuais. Quando chegava no gabinete havia outra pilha nova. Estava mesmo cansada daquela atividade que de tão repetida, tornou-se monótona e sem graça.
E, lá estava eu bem animada para aquela que parecia uma aventura muito interessante. O fechamento de cadastro.
Primeiro vou explicar o que é cadastro eleitoral. A pessoa deve possuir os requisitos e fazer um requerimento para se cadastrar como eleitor. Ele pode ser um novo eleitor ou alguém que esqueceu seu direito-dever de votar e precisa regularizar o seu cadastro. Então, quando regulariza, transfere ou faz a inscrição pela primeira vez, recebe o prêmio: Um título de eleitor.
Mas, em ano eleitoral, tempo em que vão ser escolhidas algumas pessoas que se candidatam aos cargos políticos, esse período de cadastramento é curto. Normalmente, até início do mês de maio. Depois disso, temos o fechamento de cadastro. Significa que nem com reza braba o pretendente consegue o título de eleitor, devendo voltar ao cartório depois das eleições. Mais especificamente no mês de novembro. Ou seja, de maio a novembro a casa está fechada.
A cultura do brasileiro impõe que deixe sempre para o último dia. Agora posso afirmar isso sem medo de errar.
Assumi o cargo em março de 2006 e passei por vários treinamentos teóricos sobre o funcionamento do sistema e dos cartórios eleitorais, na sede. Era muita informação e pouco tempo para memorizar tudo aquilo. A ansiedade para praticar logo era grande e só aumentava.
No mês de abril, eu estava em um cartório perto da minha residência, acompanhando as atividades e tentando aprender o máximo possível com os veteranos. A Chefe do Cartório era técnica e a maioria dos servidores eram de cargos diferentes, mas que pertenciam a outros órgãos, principalmente vindo dos ministérios do Poder Executivo. O fato de a colega que era chefe ser técnica e eu analista, dificultava nossa relação porque havia um certo constrangimento entre técnicos (nível médio) e analistas (nível superior). Confesso que fiquei muito tempo contaminada com essa ideia ridícula de pensar que devia ocupar posições mais privilegiadas.
Sempre fui muito dinâmica e não me contentava de ficar esperando que me colocassem em alguma função diferente. Logo me sentei junto aos atendentes e comecei a fazer os atendimentos. Tinha outro técnico que ficou animado e tratou de me ensinar tudo. Foi muito empolgante e fiquei bem animada para a festa. Não parecia ser tão difícil.
Mas tinha uma servidora que olhava para mim com desdém e repetia sempre: Essa aí não vai dar conta de nada.
Quando chegou o mês de maio, no primeiro dia, comecei a dar ouvidos àquela servidora. Era uma baixinha esperta, forte e exibida. Ela sempre ganhava na estatística de atendimento. Quando eu vi uma fila de pessoas que dava voltas nos quarteirões da cidade, fiquei apavorada. Minhas costas queimavam; meus pulsos estavam dormentes. Entendi por que uma das atendentes mantinha sacos de gelo perto de seus pulsos, o tempo todo. Neste primeiro dia, eu tive uma crise de hipoglicemia e quase desmaiei. Mas, consegui disfarçar bem. Não queria dar este gostinho para aquela baixinha abusada. Fui correndo para a copa e engoli uma xícara de café bem adoçado.
A rotina nos três últimos dias de fechamento de cadastro era de 7:00 pela manhã de um dia até as 3:00 da madrugada do dia seguinte. Havia uma multidão em volta do cartório. Pessoas olhavam pela janela para fiscalizar e criticar qualquer servidor que não estivesse atendendo. Lembro que, para fazer um lanche ou comer rapidamente uma marmita, fechávamos as janelas para os indóceis não reclamarem.
A coisa ficava mais aterrorizante quando as pessoas normais tinham que deixar os "preferenciais" passarem na frente. E, quando eu pensava que a coisa não poderia ficar pior, uma senhora entrou com um bebê todo coberto, para ser atendida preferencialmente. Quando terminou seu atendimento, tirou o manto para mostrar que era um cachorrinho da raça poodle, dando gostosas gargalhadas.
Logo me adaptei a toda essa loucura e achava tudo muito divertido. Com o tempo fui compreendendo mais sobre todo o processo, desde o período de fechamento de cadastro até o grande momento de apuração do voto.
Voltando àquela assertiva inicial, observei que o instinto da maioria é entrar na fila. Sempre que havia alguma fila se formando na área externa do cartório, em questão de pouco tempo, ela crescia. Comecei então a fazer triagem na fila e descobria pessoas que nem sabiam porque estavam ali.
Assumi a chefia de outro cartório. Esse era ainda mais movimentado e complexo. Era uma região com um índice de criminalidade preocupante. Para quem ainda não sabe, há vários tipos penais nessa matéria eleitoral. Então, além da criminalidade de tipos do código penal brasileiro, havia também muitas pessoas que cometiam crimes eleitorais inimagináveis.
Para dar só um exemplo, no ano de 2010 autuei pouco mais de 6 centenas de Inquéritos Policiais, movidos por um só promotor eleitoral e pelo mesmo motivo: pluralidade de filiação partidária. Atualmente isso é impossível acontecer, porque houve mudanças no sistema de filiação partidária que preveniram essa possibilidade.
Como já disse, trabalhei com gosto e ficava fascinada com a evolução tecnológica ano a ano. A justiça eleitoral tem uma composição de gênios em computação que me deixam de boca aberta. A vida do chefe de cartório ficava cada vez mais tranquila em várias dimensões: atendimento ao eleitor; processo judicial eletrônico; e, principalmente coleta e apuração de votos.
Para quem gosta de aprender e evoluir, era um verdadeiro paraíso. E eu sou dessas. Por isso achava tudo muito divertido.
Respeito os ignorantes que clamam pelo direito de duvidar da segurança daquela caixinha que faz a coleta dos votos e daqueles que pensam haver brechas para alguma interferência de um louco na apuração dos votos. Fico indignada apenas com pessoas que sabem que estão movendo sentimentos absurdos de confiança, mesmo tendo tirado proveito dessa modernidade.
Penso que se há tanta desconfiança com o processo de voto eletrônico, porque não jogamos no lixo todo esse aparato virtual que não conseguimos viver mais sem. As pessoas que insistem em gastos públicos com impressos e recontagem voto a voto vivem como? Não usam de ferramentas virtuais para suas campanhas? Não deveria desconfiar de falhas em suas comunicações e procedimentos?
Vamos imaginar que agora vamos voltar a idade da pedra e jogar toda a tecnologia no lixo. Será que as desconfianças vão junto? Claro que não!