Existe uma “moralidade pública”?
Estava em uma aula do curso de História, a disciplina era a Europa: O Breve Século XX. O tema da aula era o fascismo, o que mobilizou muitas discussões. Em plena noite, vi um acalorado debate em sala de aula sobre a relação entre a liberdade de expressão e seus limites constitucionais no Brasil. Até surgir a pauta da “moralidade pública” como um regulador dessa dita liberdade.
De acordo um dos debatedores, o direito não deve impedir a liberdade de expressão, mas punir os seus excessos como manda e estabelece a lei. Considerando o seu antagônico interlocutor, a lei constitucional, junto à “moralidade pública”, seriam os meios de contrapeso da liberdade de expressão, a letra fria da lei era insuficiente para calibrar o direito do sujeito. O que foi contestado pelo primeiro.
A liberdade de expressão é um direito individual. A moral é uma noção individual. Seria possível regular o uso daquele por essa última? Não. A liberdade de expressão (“o que dizer” e “quando”) é uma escolha racional baseada num processo mental e abstrato, e de modo subjetivo. A moral (“o que julgar” e “como julgar”) estabelece um juízo de valor e relações de bem e mal sobre o objeto, isso também é permeado pela subjetividade.
A “moralidade pública” não passa de um factoide. Se a liberdade de se expressar é um direito individual, e o juízo de valor é uma noção individual, ambas nascem atomizadas no meio social. Para que aquela moral socialmente aceita viesse a existir de fato, seria necessário incluir um terceiro elemento: a opinião pública. Mas sendo algo volátil, ou seja, uma tendência e não um consenso, a “moralidade pública” amargaria com a flutuação em um curto período, perdendo o efeito prático.
O que se confundiu com a “moralidade pública” é o moralismo. Algo de conservador ou reacionário, baseado em pautas de costumes, que promove forte aversão a algo ou alguém, desencadeado de maneira artificial, e com ressonância em meios de comunicação. Sentimento de “turba e lincha” que a psicologia social explica com muito mais êxito. No momento presente é chamado de “cancelamento”.
O direito e a lei constitucional regula a liberdade de expressão por considerar o bem comum, a coesão da sociedade, a igualdade social, por ser ética e humanista. A liberdade de expressão não deve ser moralizada, e nem usada como escudo para promover a perca de direitos básicos como a vida, e acesso a políticas públicas oferecidas pelo Estado. Liberdade de expressão não pode ser entendido como liberdade de agressão.