Isolados
só parte#
Acordo aflito como os povos isolados. Isolamento é um erro para o imperialismo dito certo. Aflição não é uma autoficção. Eu não sou protagonista da novela das oito. Não precisa nem ver para enxergar. Se sou bugre, preto, puta, baixa, saliente, sofrido, interior ou farofa, não importa. Se ocupo um kitnet na avenida com nome de deputado ou coronel ou se pego dois busão para trabalhar, isso não faz diferença pra ninguém. Não importa se meu povo está em extinção ou já morreu entupido com colesterol da amostra grátis no delivery da esquina. Pareço aflito e nunca li a constituição. Meu povo é um artigo solto e indefinido, sem interpretação ou jurisprudência. Nós estamos no México, no Líbano, na China, na periferia da cidade sem jurisdição. Somos um povo isolado na multidão. Quando dou passos firmes nas calçadas, sou um disfarce da limpeza urbana, do entregador, do financiamento, da vaga sem prioridade. Vejo brutos urinando nos becos. Matam a sede na boca do que chamam de escória do mundo. Tem até quem goste de chupar para se acalmar. Acho graça em quem se debruça para sonhar. Eu também faço cafuné em que sabe se balançar. Sou aflito com quem gosta de matar em legítima defesa. Minha identidade é maioria, ainda que há quem insista em chamar de minoria. Minoria são maiores. Quem duvida está em aflito. Meu defeito é estar na estranheza de afligir as certezas do que existe. Por isso, estou vivendo com os povos isolados que só recebem atenção ou noticiário quando aparecem na televisão ou num meio de comunicação. Há quem diga que somos invenções do partido comunista ou de um dia de refluxo da bolsa de valores. Vou voltar a dormir com meus irmãos. Acordos aflitos.
Para Joca Terron e Paulo Scott