Tudo que entra na boca, roça na língua
Tudo que entra na boca, roça na língua. É inevitável como sujar os pés de areia antes de entrar no mar. Assim como sofrer é consequência de estar na vida. Vejo a dor como um estado de consciência. Até determinado momento de nossa existência a dor é como um forte incomodo, até o momento em que, quase que por um clique, tomamos consciência da dor. É, partindo daí, que a dor não é somente física, mas mental e emocional. É provavelmente nesse espaço temporal que descobrimos que os sentimentos doem e isso vem sem nenhum preparo, embora, mesmo preparados, a dor ainda venha e nos devora como um lobo faminto, que mesmo amando o dono, sente fome. Acontece que eu, como a praga humana que sou, peco pelos excessos. Eu e muitas outras pragas, leitores de poesias e contos que fazem os sentimentos derramarem do peito como um tiro faz jorrar o sangue. Deus não irá nos perdoar e queimaremos como bruxas no fogo das emoções até que chegue o próximo fim dos tempos e o próximo fim dos tempos é todo dia. Sentimos dor como pequenos produtores do caos e a propagamos em nossas obras sujas. Todos os dias acordo com a sensação de que fui espremida pela garganta de Deus, rocei sobre sua língua e fui vomitada. Se Deus for mulher, talvez a dor no corpo seja do parto e nascer seja o maior sofrimento de todos.