2022: 200 anos do nascimento e 100 anos da invenção do Brasil
Imagine um país que ficou independente em 1822 e passou mais de cem anos sem se preocupar com a construção de sua identidade nacional, quando resolve fazer isto, na SEMANA DE ARTE MODERNA de 1922, opta pela expressão mais anti-civilização da humanidade: O canibalismo. E assim, nasce o MANIFESTO ANTROPÓFAGO de 1928, uma tentativa de criar uma identidade original brasileira negando a Europa e expurgando todas as conquistas civilizatórias desta, relegando ao brasileiro ser um ser ardiloso, sempre à espreita afim de “devorar” culturalmente o estrangeiro desavisado que pisara nestas terras, não em um processo de assimilação cultural mútua, mas na apropriação sorrateira da cultura do outro.
Soma-se a isto conceitos posteriores que foram se agregando a ANTROPOFAGIA. Também em 1928, MARIO DE ANDRADE lança “MACUNAÍMA, O HERÓI SEM NENHUM CARÁTER”, uma consolidação do estereótipo do brasileiro: Cheio de traquinagens, tomado pela preguiça e sempre procurando uma maneira de ser dar bem a qualquer custo, absolutamente sem nenhum caráter. Em 1933 GYLBERTO FREYRE lança “CASA-GRANDE & SENZALA” e a mestiçagem que é inerente a toda humanidade, sem exceção, passa a ser exclusividade nossa e com caráter pejorativo, nos colocando também falsamente em um “degrau inferior” perante a “pureza” dos outros a famosa “síndrome de vira-lata”. Em 1936, SÉRGIO BUARQUE DE HOLLANDA LANÇA “RAÍZES DO BRASIL” e a ideia do Brasileiro como “Homem Cordial”, atribuindo também mais uma exclusividade aos Brasileiros: “Age pelo coração e não pela razão”, como se no mundo não existisse essa dicotomia.
Em síntese o Brasileiro passa a ser: CANIBAL, MALANDRO, SORRATEIRO, PREGUIÇOSO, MESTIÇO, IRRACIONAL E SEM NENHUM CARÁTER.
Considerando que toda identidade nacional é uma construção literária, ou mito fundacional, não há necessariamente compromissos com verdade factual rígida, e deve assim, é uma mitologia construída afim de criar uma identificação comum entre conterrâneos e também uma auto imagem, assim como americanos foram convencidos que são puritanos e alemães que são guerreiros, isso nos convence e passa a nos governar, pois está nas mentalidades e no inconsciente coletivo, após anos e anos de repetição nas artes, na cultura, nos livros, nas escolas, o que não é uma realidade, passa a ser.
De lá pra cá, em linhas gerais não houve mais nenhum movimento de renovação ou revisão da identidade brasileira, pelo contrário só de corroboração.
Por fim, o antropofagismo sempre nos torna saudosistas, de um Brasil sempre associado as belezas da natureza, que sempre estiveram aqui e não foram criações nossas, quando não as destruímos, falta nossa gente e nossas invenções na identidade nacional, e quando esta aparece é de uma maneira pejorativa. As poucas iniciativas governamentais apenas criaram exclusão: o samba, o carnaval e o futebol que eram expressões regionais da Cidade do Rio de Janeiro, passam a ser os símbolos nacionais oficiais, aqui e lá fora, não incorporando as outras expressões regionais de um país continental e diverso ou colocando em subcategorias.
Já que podemos criar nossa mitologia, é muita ousadia revisar ou criar uma que nos favoreça como fizeram os outros. É muita ousadia mexer nisso?